Nota conjunta: Relatório do PL das fake news põe em risco liberdade de expressão online e não pode ser votado às pressas

Votação do PL contra fake news: uma falsa boa ideia. #NaoVotaPLFakeNews Transparência Brasil

Na manhã desta terça-feira, 02, a sociedade brasileira foi surpreendida pelo relatório do Senador Ângelo Coronel ao Projeto de Lei 2630/2020 sobre fake news. Trata-se do texto que, em algumas horas, pode ir à votação no Senado Federal.

As entidades representativas, instituições acadêmicas, organizações da sociedade civil, empresas e cidadãos que subscrevem essa nota e que defendem o direito de todos e todas à informação de qualidade, sendo contrárias ao uso da Internet para promover ódios e crimes e disseminar mentiras, alertam para altos riscos da votação de um relatório que não foi debatido com o conjunto dos senadores, nem com a sociedade.

Em um contexto em que o Senado realiza deliberações por meio do sistema remoto, sem a existência de comissões, o debate aprofundado sobre o tema se mostrou comprometido desde o início. Mesmo assim, nas últimas semanas, diversos esforços foram feitos, por diferentes setores, no sentido de apresentar propostas para coibir o uso indevido de plataformas de internet, ampliar sua transparência e combater a desinformação sem violar a liberdade de expressão e a privacidade dos brasileiros.

O texto do relatório, entretanto, desconsidera esses esforços e apresenta para votação uma proposta que subverte o propósito inicial de discussão de critérios de transparência na Internet – que já trazia preocupações -, restringindo liberdades individuais e podendo dar margem à censura e à violação de direitos fundamentais dos cidadãos. Tais preocupações, que tem sido foco de atenção desde o início da tramitação do PL, agora se apresentam como ameaça concreta neste substitutivo.

Em função disso, pedimos que o Projeto de Lei 2630/2020, que Institui a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet, seja retirado da pauta do Senado, a fim de que seja aperfeiçoado e amplamente debatido com a sociedade brasileira, da forma que uma lei desta envergadura requer.

Assinam esta nota:

  1. Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo)
  2. ABO2O
  3. Access Now
  4. Agência Lupa
  5. Aos Fatos
  6. Asociación Latinoamericana de Internet – ALAI
  7. Associação Brasileira de Imprensa – ABI
  8. Associação Nacional para Inclusão Digital – ANID
  9. Avaaz
  10. Boatos.org
  11. Brasscom, Associação Brasileira das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação
  12. CamaraEnet
  13. Coalizão Direitos na Rede
  14. Facebook
  15. FecomércioSP
  16. Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj)
  17. Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC)
  18. Google
  19. Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas para o Acesso à Informação, USP
  20. Instagram
  21. Instituto de Tecnologia e Sociedade (ITS Rio)
  22. International Fact-Checking Network (IFCN)
  23. ISOC Brasil – Internet Society
  24. Movimento Agora!
  25. Pinheiro Neto Advogados
  26. Projeto Comprova
  27. Repórteres Sem Fronteiras
  28. SaferNet Brasil
  29. Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência – SBPC
  30. Ulepicc-Brasil (União Latina da Economia Política da Informação, da  Comunicação e da Cultura – Capítulo Brasil
  31. TozziniFreire Advogados
  32. Transparência Brasil
  33. Twitter
  34. Whatsapp

Adesões individuais:

  1. André Barrence – membro do Movimento Agora!
  2. Flávia Lefèvre Guimarães – ex-conselheira do CGI.br e integrante do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social
  3. Flavia Penido – advogada
  4. Gustavo Maia – Colab
  5. João Francisco – membro do Movimento Agora!
  6. Jose Luiz Ribeiro Filho – ex-conselheiro do CGI.br representante da comunidade científica e tecnológica
  7. Leandro Machado, cientista político e ativista
  8. Natalie Unterstell, membro do Movimento Agora!
  9. Nivaldo Cleto – Conselheiro eleito do CGI.br
  10. Marcos Dantas – Professor Titular da Escola de Comunicação da UFRJ e Conselheiro eleito do CGI.br
  11. Pablo Ortellado – USP
  12. Percival Henriques – Conselheiro Eleito do CGI.br
  13. Rodrigo Bandeira de Luna – membro do Movimento Agora!
  14. Tanara Lauschner – professora da UFAM e Conselheira eleita do CGI.br
  15. Thiago Tavares – ex-conselheiro do CGI.br e presidente da SaferNet Brasil

Ação do ministro da Justiça no inquérito das “fake news” é um erro em sucessão de equívocos

André Mendonça em sua posse como ministro da Justiça. Foto: Isac Nóbrega/PR

O chamado inquérito das “fake news”, que em 27 de maio levou ao cumprimento de 29 mandados de busca e apreensão pela Polícia Federal contra aliados do governo Bolsonaro, já é em si questionável. A atuação do ministro da Justiça no processo é mais um elemento nessa sucessão de erros.

Instaurado em março de 2019 por decisão única do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) Dias Toffoli em uma interpretação controversa do regimento interno, o Inquérito 4781 já chegou a resultar em censura a reportagens (revertida diante da repercussão negativa). A relatoria por Alexandre de Moraes foi determinada de maneira discricionária. O processo se mantém em andamento mesmo após a então procuradora-geral da República Raquel Dodge declarar seu arquivamento em abril de 2019, devido à ausência do Ministério Público como promotor da investigação. Abrangente em seu objeto, é mantido em absoluto sigilo.

Na madrugada desta quinta-feira (28 de maio), o ministro da Justiça André Mendonça pediu ao STF o trancamento do processo em relação ao ministro da Educação. Abraham Weintraub foi convocado para depor à Polícia Federal sobre a declaração em que defendeu a prisão de ministros da Corte durante a reunião ministerial de 22 de abril divulgada na semana passada (“Eu, por mim, botava esses vagabundos todos na cadeia. Começando no STF”).

Ao fazê-lo, Mendonça age como se ainda ocupasse o cargo de Advogado-Geral da União (AGU), que deixou há um mês. É a AGU que tem como função representar e defender os interesses da União em questões jurídicas, conforme pontua o Art. 131 da Constituição Federal.

O Ministério da Justiça que ele chefia tem como uma de suas funções a “defesa da ordem jurídica, dos direitos políticos e das garantias constitucionais”, mas não há precedentes para sua atuação enquanto representante legal de outro ministro. A Lei 13.844/2019, que define as competências da pasta, não menciona entre as funções do ministro a atuação diante de tribunais superiores em defesa de membros do governo.

Mesmo a entrada da AGU nesta situação seria discutível. Não parece ser de interesse da União fazer a defesa de um ministro acionado judicialmente por emitir uma manifestação anti-democrática. Weintraub já conta com seu próprio apoio jurídico em processos referentes à honra, como é o caso – são, inclusive, servidores do Ministério da Educação. Outro desvio ético, a propósito.

Além disso, o pedido de habeas corpus feito por Mendonça inclui os demais investigados no processo, nenhum deles ligado à União: empresários, comunicadores, parlamentares, ativistas, membros de partido. Mais do que impróprio, pode ser enquadrado como advocacia administrativa. É o uso do cargo público e das estruturas do Estado para atender interesses particulares. Algo que as falas dos presentes à mesma reunião ministerial que está no centro da convocação de Weintraub já sugeriam que o governo estaria disposto a fazer.

Um processo iniciado com graves vícios; uma tentativa de intervenção indevida. E assim, de erro em erro, o princípio da legalidade no Brasil se enfraquece, levando com ele a democracia.

Transparência Brasil, 29 de maio de 2020.

Newsletter – Maio de 2020

Confira a edição de maio da newsletter da Transparência Brasil. Ela tem periodicidade mensal e você também pode recebê-la em seu e-mail, inscrevendo-se aqui.

Além dos informes das atividades da Transparência Brasil, nossa newsletter traz informações relevantes sobre os temas de transparência, controle social e integridade, bem como notícias que foram destaque no mês. Acesse a edição completa.

Destaques de maio:

  • Aniversário de oito anos da Lei de Acesso a Informação;
  • Mapeamento de dados socioambientais;
  • Interferência de Bolsonaro na Polícia Federal;
  • Recomendações a órgãos de controle em tempos de Covid-19.

Transparência na pandemia da Covid-19: um direito fundamental

Nos dias 21 de abril e 28 de abril de 2020, o presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República, Fábio George, convidou organizações da sociedade civil para discutir para discutir como ONGs e órgãos do estado poderiam trabalhar juntos para enfrentar os desafios de corrupção e mau uso dos recursos públicos nas medidas de enfrentamento à pandemia de Covid-19. 

Como resultado dessas conversas, a Transparência Brasil, juntamente com o Observatório Social do Brasil e o Instituto Soma Brasil, escreveram uma carta pública, com recomendações para os órgãos de controle — Ministério Público Federal, Ministério Público Estadual, Tribunais de Contas e entes públicos do executivo — por mais transparência e integridade nas contratações públicas. Veja abaixo a carta. Ver post completo “Transparência na pandemia da Covid-19: um direito fundamental”

Organizações da sociedade civil revelam como a pandemia tem afetado as respostas obtidas pela LAI

Publicado originalmente no site da Abraji em 19 de maio.
Autoria: Mayara Paixão

Traduzir os dados públicos com linguagem mais acessível aos cidadãos, disponibilizar as informações desagregadas, responder às solicitações da imprensa e da sociedade civil com celeridade, mesmo diante das rápidas transformações e da exigência cada vez maior de dados específicos. Esses são alguns dos desafios para o aprimoramento da Lei de Acesso à Informação (Lei n° 12.527), que completou oito anos em vigor em 16.mai.2020.

As questões foram levantadas por representantes de organizações e redes da sociedade civil e do poder público no webinar “LAI 8 anos: transparência em quarentena”, realizado nesta segunda-feira (18.mai.2020). A íntegra do debate está disponível aqui.

Apesar de uma data de celebração da lei, que fortalece a transparência ativa e passiva na atuação do poder público, o momento também é de reflexões importantes. “Esse é um período que vai definir como trataremos a transparência em saúde daqui para a frente, não apenas no momento de emergência de saúde como o que estamos vivendo”, resumiu Júlia Rocha, assessora de projetos da ARTIGO 19.

Desde a chegada da pandemia da covid-19 no Brasil, diferentes organizações que trabalham no fomento à liberdade de expressão e à transparência pública acompanham como o contexto de crise sanitária tem impactado o funcionamento da LAI. Os resultados preliminares e finais de levantamentos foram apresentados durante o debate, que contou com a mediação de Marina Atoji, gerente de projetos da Transparência Brasil.

Paula Oda, coordenadora de Projetos de Integridade do Instituto Ethos, apresentou os resultados de levantamento do Fórum de Direito de Acesso à Informações Públicas — disponíveis aqui. O material analisou todos as respostas de pedidos de acesso à informação feitos ao Executivo federal de 7.fev.2020, quando foi decretado o estado de emergência, a 27.abr.2020. Os dados estão disponíveis no no banco de pedidos e respostas da Controladoria-Geral da União (CGU).

Algumas das informações encontradas:

  • Mesmo que não previsto na lei, a pandemia foi citada como motivo para alteração no atendimento — não envio de informações, envio parcial do pedido ou atendimento fora do prazo — de pelo menos 139 pedidos de informação entre 27.mar.2020 e 27.abr.2020;
  • Em 46 dos casos, as respostas não demonstravam como a pandemia impossibilita o atendimento integral da demanda. Já nos outros 95, a alteração no atendimento era justificada;
  • Entre as justificativas, a mais frequente foi a necessidade demonstrada da presença de um servidor no órgãos público para consultar a informação solicitada (desde mar.2020, boa parte dos servidores públicos está no regime de teletrabalho).

A ARTIGO 19 também tem feito trabalho semelhante na análise da transparência passiva — quando o poder público fornece informações mediante solicitações e pedidos realizados pela sociedade civil. Júlia Rocha apresentou os resultados preliminares de um dossiê que analisou 115 pedidos de informação às unidades federativas, ao Ministério da Saúde e ao Hospital das Forças Armadas sobre a pandemia.

Entre os temas das solicitações, estão os protocolos de testagem da covid-19, o número de testes, os protocolos de notificação, a taxa de ocupação de unidades de tratamento intensivo (UTIs), os laudos médicos do presidente Jair Bolsonaro e as ações federais de combate à pandemia. Alguns dos resultados:

  • Apenas 32 respostas integrais foram enviadas; 37 dos pedidos (32%) não foram respondidos; 21 respostas foram parciais e 23 categorizadas como ausência de informações;
  • Muitos dos órgãos inovaram na forma de publicação das informações, como mapas e gráficos interativos. Apesar disso, predomina a linguagem técnica e pouco acessível para abordar os assuntos;
  • Há discrepância entre distribuição e realização de testes. Em 20.abr.2020, segundo dados obtidos no levantamento, a capacidade era de testar 500 mil pessoas, mas apenas 132 mil testes tinham sido realizados;
  • Apesar de as fichas de notificação serem completas na descrição do infectado, a baixa realização de testes é um dos fatores principais que dificulta a identificação dos grupos mais vulneráveis e dependentes de políticas públicas;
  • Inexiste um sistema único de envio de dados sobre casos confirmados das unidades federativas para o Ministério da Saúde, o que pode levar à perda de dados;
  • Nota-se uma incapacidade de manter o dado de ocupação das UTIs atualizados.

“Há um cenário de subnotificação e apagão de informações. Isso impede que o desenvolvimento de políticas públicas mais eficientes que cheguem aos grupos mais vulneráveis”, resume Rocha.

Desde abr.2020, a Open Knowledge Brasil organiza um ranking de transparência dos Executivos municipais e federal sobre a pandemia com base em três indicadores: divulgação de boletins epidemiológicos, painéis e releases sobre os casos; nível de detalhamento das publicações; e formato (se o material é disponibilizado em formato editável e se é ´possível localizar a série histórica dos dados, por exemplo).

Camille Moura, coordenadora de Advocacy e Pesquisa da OKBR, apresentou os resultados preliminares de um mês e meio de pesquisa. O objetivo do índice é estimular a transparência ativa — atuação do poder público em liberar o maior número de informações e dados possíveis em seu portal on-line.

Enquanto informações sobre características dos pacientes (como raça e sexo) e internações (quantidade de pessoas em UTIs e leitos clínicos) avançaram; outras, como a taxa total de ocupação de leitos e a capacidade de testagem estadual, ainda são um problema.

“Isso é um problema gravíssimo. Quando temos dificuldade de entender o panorama de testagem, temos uma dificuldade ainda maior de estimar a subnotificação”, explicou Moura. É possível conferir os boletins semanais do ranking aqui.

Quem também participou do webinar foi o diretor de Transparência e Controle Social da CGU, Otávio Neves. Ele afirmou que os relatórios acrescentados são críticas construtivas e bem-vindas para que o próprio poder público aprimore os mecanismos da LAI.

Neves compartilhou que um ponto preocupante é a média de pedidos de recursos às solicitações de pedidos via LAI — mecanismo ao qual o cidadão pode recorrer quando não concorda com a resposta enviada pela administração pública.

Enquanto a média de recursos observada pela CGU orbitava em torno de 8%, desde 27.mar.2020 esse número caiu para 5%. Ou seja, jornalistas e cidadãos têm questionado menos as respostas obtidas. O representante da CGU incentiva que apresentar o recurso é um direito e também uma forma de ajudar na própria melhora da aplicação da lei de acesso.

Ele também compartilhou que o principal trabalho da CGU tem sido garantir a qualidade das respostas enviadas pelos órgãos; e disse que, ao contrário do que pode-se esperar, a pasta mais demandada não tem sido o Ministério da Saúde, mais sim o da Cidadania — responsável pela gestão da renda básica emergencial de R$ 600.

Neves ainda avaliou que articular atores públicos e privados na divulgação de dados sobre saúde tem sido um desafio grande no momento. Afirmou, também, que apesar de o corpo técnico do ministério permanecer, as trocas de ministros da Saúde do último período dificultam o trabalho.

  • Para realizar pedidos de acesso à informação ao governo federal e conferir informações atualizadas da LAI, acesse lai.gov.br
  • Para conferir um panorama da implementação da lei pelo Executivo federal, acesse paineis.cgu.gov.br/lai
  • Para informações sobre gastos públicos relacionados ao combate à covid-19 e outras demandas públicas, acesse transparencia.gov.br

O webinar “LAI 8 anos: transparência em quarentena” foi promovido pelas seguintes organizações e redes: Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), ARTIGO 19, Fórum de Acesso a Informações Públicas, Instituto Ethos, Open Knowledge Brasil, Rede pela Transparência e Participação Social (RETPS) e Transparência Brasil.

FNDE passa a disponibilizar dados padronizados de escolas públicas

Atendendo a recomendação da Transparência Brasil, o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) passou a disponibilizar a relação das escolas públicas cadastradas em bases de dados estaduais juntamente com o seu código no censo escolar e com o código do município no IBGE. Também por recomendação nossa, o FNDE afirmou que incluirá os códigos oficiais de escolas e municípios em suas publicações de dados futuras. As providências foram informadas em resposta a um pedido feito via Lei de Acesso a Informação (LAI) em abril, que incluiu as recomendações.

Esta medida tem grande impacto para o controle social de políticas de educação, pois permite cruzar de maneira precisa dados com origem em diferentes níveis de governo, ao fornecer dados padronizados de identificação dos itens nas bases. Assim, cruzamentos de dados eram feito exclusivamente com base no nome das escolas nos registros estaduais e federais, o que sujeitava a análise a erros derivados da incompatibilidade entre os nomes oficiais.

Este é um grande problema dos dados públicos brasileiros: as múltiplas camadas de informação para um mesmo dado, fruto das competências federativas concorrentes. Como os governos municipais, estaduais e federal possuem jurisdição sobre as mesmas políticas, é comum haver diferentes bases de dados que tratam de um mesmo assunto mas que não possuem uma “chave” comum de identificação. Desta forma, como no exemplo das escolas, a avaliação da política pública em diferentes níveis de governos é impossibilitada.

Outro problema comum nos dados públicos é que um mesmo município pode assumir diferentes grafias: 115 dos 5.570 municípios brasileiros tiveram sua grafia alterada, sendo 30 municípios só nos últimos dez anos. Ainda há casos como o de Paraty, no Rio de Janeiro, que em 2007 passou a se chamar Parati e no ano seguinte voltou a ter o nome antigo. A padronização do nome dos municípios é um problema até mesmo dentro do poder público, pois o Tribunal de Contas da União (TCU) e o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) usam nomes e códigos diferentes.

Atualmente, não existem diretrizes federais que tratem destes problemas. A cartilha técnica elaborada pelo extinto Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão contém boas recomendações para implementação de dados abertos, mas não cita  a inclusão de códigos únicos padronizados (como os do Censo/IBGE) em bases para a identificação de dados locais. 

Por isso, a Transparência Brasil recomenda que dados públicos e dados de pesquisas e avaliações feitas pelo terceiro setor e pela academia passem a conter também variáveis nacionais de codificação de municípios e equipamentos públicos (como escolas e hospitais), privilegiando as padronizações mais abrangentes, como as adotadas por censos e em políticas nacionais. 

Webinar discute desafios do cumprimento da LAI no contexto da pandemia

Debate on-line será na próxima segunda (18) e reúne representantes de organizações da sociedade civil e do poder público

No próximo sábado, 16.mai.2020, completam-se oito anos desde que a Lei de Acesso à Informação (LAI) entrou em vigor no país. Em 2020, a data se insere no contexto da crise sanitária de escala global, que também tem afetado os princípios constitucionais de transparência pública.

Para abordar os desafios atuais e também os êxitos da lei, sete organizações da sociedade civil promovem o webinar “LAI 8 anos: transparência em quarentena” na próxima segunda-feira (18.mai.2020), às 16h no horário de Brasília. A participação é gratuita e a transmissão será feita neste link.

Como entidades atuantes na defesa da transparência pública, as organizações à frente do evento — Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), ARTIGO 19, Fórum de Acesso a Informações Públicas, Instituto Ethos, Open Knowledge Brasil, Rede pela Transparência e Participação Social (RETPS) e Transparência Brasil — compreendem que o momento de pandemia exige ainda mais o aprimoramento da transparência ativa para que a imprensa e os cidadãos acessem informações de interesse público.

O webinar terá a participação de Camille Moura (Open Knowledge Brasil), Julia Rocha (ARTIGO 19), Otávio Neves (Controladoria-Geral da União), Paula Oda (Instituto Ethos/Fórum de Direito de Acesso a Informações Públicas) e um representante da Ouvidoria Geral do Estado de São Paulo (a confirmar). A mediação será feita por Marina Atoji (Transparência Brasil).

O objetivo é que representantes das organizações da sociedade civil e do poder público façam uma avaliação dos problemas no cumprimento da lei durante a pandemia e também esclareçam o que está sendo posto em prática para melhorar seu funcionamento em nível nacional e estadual. 

Levantamento realizado pelo Fórum de Direito de Acesso a Informações Públicas revelou que pelo menos 24 pedidos de informação feitos ao Executivo federal de 27.mar.2020 a 27.abr.2020 foram negados citando como motivo a pandemia de covid-19 — sem comprovar os efeitos da crise sobre o processo de fornecer a informação solicitada. 

Outro tema a ser abordado são os resultados do Índice de Transparência da covid-19, iniciativa da Open Knowledge Brasil que avalia, semanalmente, a qualidade dos dados e informações relativos à pandemia que têm sido publicados pela União e pelos estados.  

Resultados parciais de um levantamento realizado pela ARTIGO 19 via pedidos de informações demonstram também que, mesmo quando solicitadas, informações sobre a pandemia, que deveriam ser divulgadas ativamente pelo poder público, não chegam. No momento em que acessar informações é fundamental para salvar vidas, os dados demonstram a importância de debater e somar esforços para fortalecer os caminhos construídos pela LAI e sua implementação ao longo de oito anos.

Pandemia foi usada para negar atendimento a pedidos de informação mesmo após suspensão da MP 928

A pandemia de Covid-19 foi citada injustificadamente como motivo para negativa de atendimento a pelo menos 24 pedidos de informação feitos ao Executivo federal de 27 de março a 27 de abril – depois, portanto, de o Supremo Tribunal Federal (STF) suspender liminarmente trechos da Medida Provisória (MP) 928/2020. Em 30 de abril, o plenário do STF confirmou a liminar e derrubou o texto, que possibilitava a interrupção do prazo para respostas via Lei de Acesso a Informação (LAI) por causa do estado de emergência decretado no país.

O levantamento foi feito pelo Fórum de Direito de Acesso a Informações Públicas, coalizão de organizações da sociedade civil e pesquisadores que monitora a implementação da LAI. Foram consideradas respostas contendo os termos “covid” e/ou “coronavírus” fornecidas no período localizados via busca no banco de pedidos e respostas da Controladoria-Geral da União (CGU).

Acesse a íntegra do relatório

Em 37% dessas respostas, o Ministério da Saúde negou acesso a alguns dados e informações sobre a pandemia sob a alegação de que os materiais precisam “ser salvaguardados” por sua importância estratégica. Descumprindo a LAI, não apontou se as informações estão classificados em algum grau de sigilo nem quem teria sido responsável por classificar o documento. Uma das solicitações buscava o procedimento adotado pelo poder público para decretar o estado de emergência.

As negativas de atendimento compõem a maioria (52%) entre os casos nos quais o atendimento a pedidos no governo federal foi alterado sob justificativas genéricas relacionadas à pandemia.

Respostas parciais representam 22% das mudanças de atendimento sem fundamento sólido contabilizadas no período. Em uma delas, a Universidade Federal de Rondônia (UNIR) citou indevidamente a MP 928 como justificativa para fornecer apenas parte da informação solicitada.

Não atendimento: a resposta indicou que não era possível enviar a informação solicitada
Atendimento com alteração de procedimento: a resposta indicou que a informação seria enviada fora do e-SIC, por e-mail
Atendimento parcial: parte da informação foi enviada; a resposta indicou que o restante não poderia ser enviado
Extensão de prazo por tempo definido: a resposta indicou que haveria “demora maior do que o normal” para o atendimento e apontou uma data dentro do prazo legal para o envio das informações

 

Entre as justificativas, predominaram a mera menção à pandemia e a adoção de teletrabalho, sem detalhamento sobre como interfeririam no atendimento à demanda.

As respostas têm origem em 15 órgãos distintos. A maior parte (24%) veio do Ministério da Saúde, seguido pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sergipe (IFSE) e IBGE, com 18% cada.

Em 12% dos 34 casos em que o pedido não foi atendido ou foi atendido parcialmente, a resposta foi alterada para atendido após apresentação de recurso.

Efeito da MP 928

No curto prazo em que o texto esteve em vigor, 13 pedidos foram afetados por ele. Sete pedidos deixaram de ser plenamente atendidos sob a justificativa da pandemia e, segundo resposta da CGU a um pedido de informação, seis tiveram o prazo de atendimento suspenso com base na medida. Após a suspensão da MP pelo STF, estes últimos voltaram a tramitar e foram atendidos total ou parcialmente.

Atendimentos alterados após suspensão da MP 928 com fundamentação sólida

De 27 de março a 27 de abril, 95 pedidos tiveram o atendimento justificadamente alterado por causa da pandemia. A maioria (66%) não foi atendida (a resposta indicou que não era possível fornecer as informações por causa da emergência e detalhou os motivos); 22% foram atendidos parcialmente (foi enviada apenas parte das informações e foram detalhados os motivos para a impossibilidade de enviar o restante).

Não atendimento: a resposta indicou que não era possível enviar a informação solicitada
Atendimento parcial: parte da informação foi enviada; a resposta indicou que o restante não poderia ser enviado
Extensão de prazo por tempo definido além do permitido pela LAI: a resposta indicou que o pedido seria atendido em uma data específica, que ultrapassava o número de dias permitido pela LAI
Extensão de prazo por tempo definido: a resposta indicou que haveria “demora maior do que o normal” para o atendimento e apontou uma data dentro do prazo legal para o envio das informações
Atendimento fora do prazo: a resposta foi enviada após o final do prazo permitido pela LAI
Atendimento com alteração de procedimento: a resposta indicou que a informação seria enviada fora do e-SIC, por e-mail

 

Dentre as fundamentações para alteração no atendimento a pedidos, a mais frequente (43%) foi a necessidade demonstrada da presença de um servidor no órgão público para consultar e enviar a informação solicitada. Excluindo-se casos em que os pedidos buscavam documentos históricos ou de projetos de obras, estas ocorrências indicam a existência de gargalos na modernização e digitalização de informações em órgãos federais, especialmente nas universidades, que concentram 41% das negativas de atendimento ou atendimento parcial com esse argumento.

A segunda justificativa mais frequente (32%) foi a dependência de servidores envolvidos diretamente em ações relacionadas à pandemia. A maioria destes casos (21 respostas) foi apresentada pelo Ministério da Saúde, nos quais se revelou a existência do ofício circular Nº 3/2020/DLOG/SE/MS, segundo o qual o Departamento de Logística pode deixar de atender a uma solicitação por estar imerso em ações relacionadas à Covid-19.

Interferência na PF é medida contra combate à corrupção e instituições democráticas

Pronunciamento de Jair Bolsonaro em 24/04/2020. Reprodução/TV Brasil

A Transparência Brasil considera grave a declaração dada pelo ex-ministro Sergio Moro nesta sexta-feira (24) de que houve interferência política do presidente da República Jair Bolsonaro sobre a Polícia Federal (PF). A afirmação foi feita durante coletiva em que Moro anunciou sua demissão do ministério da Justiça e Segurança Pública.

Se Bolsonaro exonerou o diretor-geral da PF Maurício Valeixo meramente para atender a seus próprios interesses, como disse o ex-ministro, trata-se de uma atitude anti-republicana, possivelmente criminosa — obstrução de justiça, prevaricação, entre outros crimes — e debilita gravemente o combate à corrupção no país.

O presidente tem a prerrogativa de nomear quem considerar mais apto para dirigir a PF. Mas não pode fazê-lo em desrespeito aos princípios de motivação e de impessoalidade da administração pública. Em outras palavras, o chefe do Executivo deve justificar sua escolha e baseá-la no interesse público, não em seu próprio benefício ou para obstruir a justiça.

Confirmada a interferência política de Bolsonaro sobre o órgão, fica configurado mais um movimento de destruição das instituições brasileiras a compor uma já extensa lista de medidas autoritárias praticadas pelo mandatário. Não fosse grave o suficiente, ocorre durante a pior crise de saúde do mundo em mais de 100 anos. Por isso, não pode ficar impune nem nas meras notas de repúdio.

O presidente deve se explicar, não em lives, mas perante o Congresso, órgão que tem por função constitucional exercer o controle do Executivo. E o Congresso deve tomar as medidas corretas se as explicações não forem adequadas. É fundamental frear a sanha por arbitrariedades antes do esgarçamento total do tecido democrático brasileiro.

Transparência Brasil – 24 de abril de 2020.