Estudo inédito: Professores e Territórios – Diferenças salariais e as desigualdades na educação

A Transparência Brasil e Fundação Tide Setubal lançam o estudo Professores e Territórios – Diferenças salariais e as desigualdades na educação, que revela que professores de escolas públicas das periferias da cidade, em distritos com maior grau de vulnerabilidade social e com mais alunos pretos, pardos e indígenas, têm remuneração pior do que os profissionais que lecionam em escolas mais centrais e com maior proporção de alunos brancos. Essas constatações podem auxiliar os gestores públicos em intervenções para melhorar o modelo remuneratório atual, que gera desigualdades dentro do sistema educacional.

O relatório da Transparência Brasil examinou em conjunto o salário médio dos docentes, a localização das escolas, a raça dos alunos e a situação de vulnerabilidade social dos territórios. Foram analisados 670.646 pagamentos para profissionais de 1.479 escolas municipais paulistanas em 2019. 

Nota-se uma convergência entre queda no montante pago aos professores, maior vulnerabilidade social e maior proporção de alunos pretos, pardos e indígenas. Para cada 1 ponto de aumento no IPVS (Índice Paulista de Vulnerabilidade Social), o valor médio da hora de trabalho paga cai em R$ 4 — ou seja, docentes em escolas em território mais vulnerável tendem a receber menos em média. Um professor que atue por 30 horas semanais em uma escola com IPVS 5 tende a receber R$ 480 mensais a menos que um docente atuando em uma escola cujo IPVS seja 4. Ao se compararem escolas com 2 pontos de IPVS de diferença, a média salarial variaria mais ainda, em quase R$ 1.000,00 para professores com carga de 30 horas semanais. 

Quanto à composição do corpo discente, observa-se que, para cada aumento de 1 ponto percentual na proporção de alunos pretos, pardos e indígenas na escola, há uma queda de R$ 0,29 no valor da hora paga. Assim, na média, uma escola municipal paulistana com 40% de alunos pretos pardos e indígenas teria um salário mensal cerca de R$ 700 menor do que uma escola com apenas 20% de alunos pretos, pardos e indígenas (considerando-se a carga horária de 30 horas por semana).

Essa distribuição remuneratória desigual é preocupante porque pode agravar outras desigualdades já existentes, de geografia, de vulnerabilidade e de raça. “Sem ação pública específica, injustiças sociais tendem a persistir na cidade, na medida em que docentes mais bem remunerados e possivelmente mais bem qualificados atuam em escolas de regiões menos vulneráveis e com uma proporção mais alta de alunos brancos”, avalia Manoel Galdino, diretor executivo da Transparência Brasil.

Para Pedro Marin, coordenador do programa de planejamento e orçamento público da Fundação Tide Setubal, “com uma análise territorial das despesas públicas como essa, que traz dados ‘espacializados’, o poder público pode planejar as políticas públicas buscando a correção das desigualdades, levando em conta as especificidades e necessidades de cada território da cidade”. Ele acrescenta que um dos primeiros passos dos gestores para corrigir tais disparidades é a criação de uma política de incentivos monetários e não monetários para os docentes que beneficie os alunos dos bairros mais vulneráveis.

De acordo com a análise da Fundação Tide Setubal a partir do relatório da Transparência Brasil e com base em legislação e escuta a servidores, a atual política de alocação dos servidores produz um círculo vicioso. Docentes municipais com mais tempo de serviço e titulações e, portanto, mais bem remunerados estão alocados nas escolas mais centrais, pois eles têm prioridade para escolher onde serão lotados em transferências e tendem a optar por locais onde possuam melhores condições de trabalho e infraestrutura. A progressiva melhoria de renda também pode tornar mais fácil para eles fixarem moradia perto dessas escolas. Por conta da aposentadoria desses servidores novas vagas são geradas nas escolas mais centrais e são então preenchidas por professores que originalmente podem ter sido lotados nas periferias, mas que, com a titulação e a experiência, decidem mudar para escolas mais centrais.

Como os pagamentos dos salários representam o maior percentual dos gastos da Secretaria Municipal de Educação, tratar da remuneração docente levanta a discussão sobre o orçamento da educação e, consequentemente, sobre a relação deste com a qualidade do ensino. Nesse cenário, um dos caminhos apontados é identificar um conjunto de escolas com baixo desempenho e criar uma gratificação monetária de valor significativo para que professores veteranos e de alto desempenho atuem como mentores dos mais jovens. Ou então adotar incentivos não monetários (diminuir o tamanho das salas, contratar mais pessoal de apoio, assegurar mais segurança e oferecer oportunidades especiais de ascensão na carreira), além de fortalecer o projeto pedagógico dessas unidades de ensino e de incentivar que o docente lecione só nessa escola.

Leia a íntegra do estudo aqui.