[Coluna 13] Dados pessoais, compartilhamento de dados e privacidade

O governo editou o decreto nº 10.046/2019, que dispõe sobre o compartilhamento de dados no Executivo federal. Conforme apontou o Vortex, o Tribunal de Contas da União (TCU) considerou o decreto anterior (n° 8.789/2016) insuficiente. Portanto, trata-se de uma resposta do governo à necessidade de aperfeiçoar a regulamentação para compartilhamento de dados. No entanto, muitas críticas foram feitas à falta de participação da sociedade civil na governança dos dados, bem como ao risco de vazamento de informações pessoais ou mau uso desses dados pelo governo para monitorar e controlar a sociedade civil.

Como o próprio TCU apontou na auditoria mencionada acima, as bases de dados mais importantes para compartilhamento de dados são as bases da Receita Federal do Brasil (RFB) sobre CPF e CNPJ, pois servem de identificadores centrais para quase todas as outras bases de dados.

Assim, não há outro caminho para integração das bases de dados que não passem pela utilização desses dois dados cadastrais. Os temores de setores da sociedade civil, de que essa integração permitirá ao governo controlá-la mais eficazmente, é o outro lado da moeda do fato de que ele também será muito mais eficiente na gestão de políticas públicas. Ver post completo “[Coluna 13] Dados pessoais, compartilhamento de dados e privacidade”

Solicitação de esclarecimento sobre declaração presidencial em favor da repressão a protestos

Brasília, 24 de outubro de 2019.

A Sua Excelência a Senhora
DEBORAH MACEDO DUPRAT DE BRITTO PEREIRA
Procuradora Federal dos Direitos do Cidadão
Setor de Administração Federal Sul
Brasília/DF

Ref.: Possível restrição a direitos fundamentais

Excelentíssima Senhora Procuradora,

Com surpresa e extrema preocupação, as entidades e iniciativas signatárias tomaram conhecimento de que o Exmo. Sr. Presidente da República teria solicitado ao Ministério da Defesa que monitore a possibilidade da ocorrência de protestos no país, a fim de que sejam acionadas as Forças Armadas para reprimi-los.

Conforme noticiado em diversos veículos de imprensa, o Presidente proferiu ontem (23/10), durante viagem à Ásia, as seguintes declarações públicas:

“Nós nos preparamos. Conversei com o ministro da Defesa sobre a possibilidade de ter movimentos como tivemos no passado, parecidos como o que está acontecendo no Chile. A gente se prepara para usar o artigo 142 da Constituição Federal, que é pela manutenção da lei e da ordem, caso eles venham a ser convocados por um dos três Poderes”.

O teor dessas declarações é profundamente inquietante, na medida em que – a depender do modo de execução das determinações presidenciais – pode-se configurar grave comprometimento de direitos fundamentais constitucionalmente protegidos.

Causa especial apreensão a possibilidade de violação das garantias expressas nos incisos IV, X e XVII do artigo 5º da Constituição Federal, que resguardam os direitos à intimidade, à vida privada e à imagem das pessoas, assim como as liberdades de reunião e de manifestação do pensamento.

Diante, portanto, do potencial gravoso para direitos fundamentais das medidas em possivelmente em curso, as entidades e iniciativas signatárias exortam esta Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão a adotar as medidas que considere mais adequadas para preservação das referidas garantias basilares de nosso Pacto Fundamental, sem prejuízo das que se orientem a solicitar dos órgãos e autoridades competentes informações sobre eventuais providências adotadas por determinação do Exmo. Sr. Presidente da República e que se relacionem com as declarações acima transcritas.

Ações governamentais de monitoramento e controle podem eventualmente ultrapassar os limites legais e comprometer aspectos relevantes da atuação de indivíduos e associações legitimamente constituídas. As organizações e iniciativas signatárias rogam, portanto, a esse órgão ministerial para que, na condição de fiscal da Lei, intervenha para afastar qualquer possibilidade de dano às referidas garantias constitucionais.

Certas do empenho de Vossa Excelência para dar concretude aos direitos e garantias fundamentais, as organizações e iniciativas signatárias apresentam sinceros protestos de elevada estima e consideração.

Respeitosamente,

342 Artes

Artigo 19

Atados

Bancada Ativista

BrCidades

Casa Fluminense

Conectas Direitos Humanos

Congresso em Foco

DEFEMDE – Rede de Juristas Feministas

Delibera Brasil

Frente Favela Brasil

Fundação Avina

Gestos – Soropositividade, Comunicação e Gênero

Goianas na Urna

Imargem

INESC

Instituto de Defesa do Direito de Defesa – IDDD

Instituto de Desenvolvimento Social Baiano

Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social

Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial

Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social

Mapa Educação

Movimento Acredito

Movimento Voto Consciente

Nossas

Pacto – Org. Regenerativas

Plataforma dos Movimento Sociais pela Reforma do Sistema Político

Rede Justiça Criminal

TETO

Transparência Brasil

Transparência Capixaba

UneAfro Brasil

Newsletter – outubro de 2019

Confira a edição de outubro da newsletter da Transparência Brasil. Ela tem periodicidade mensal e você também pode recebê-la no seu e-mail assim que ela fica pronta, inscrevendo-se aqui.

Além dos informes das atividades da Transparência Brasil, nossa newsletter também traz informações relevantes sobre os temas de transparência, controle social, integridade outras notícias que foram destaque no mês. Acesse a edição completa .

Destaques de outubro:

  • O Chatbot de monitoramento da merenda escolar da Transparência Brasil;
  • As dificuldades e conquistas de quem realiza o monitoramento de políticas públicas no nível do município;
  • O balanço da atuação da Transparência Brasil, do Transparência Partidária e outras entidades da sociedade civil contra o PL da Improbidade Partidária;
  • CGU decide que sigilo de advogado não é válido para negar acesso a embasamento de decisões governamentais.

CGU decide que não há sigilo de advogado para AGU em pedido de acesso à fundamentação de vetos presidenciais

O exercício da cidadania e do direito à participação nas democracias é diretamente afetado pela disponibilidade e acessibilidade de informações públicas. O cidadão precisa ser capaz de verificar não somente quais decisões estão sendo tomadas pelos representantes e agentes políticos, mas as próprias motivações e justificativas para esses atos. Sem isso, não é possível exercer o controle social sobre o poder público, muito menos determinar o grau de accountability do governo.

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O saldo da transparência na reforma partidário-eleitoral

No final de setembro foi sancionada a Lei nº 13.877, uma reforma político-eleitoral que reduz a transparência da prestação de contas e promove a improbidade partidária. Sem a atuação da sociedade civil, o impacto negativo teria sido pior.

Aproveitando-se da tramitação já avançada de um projeto completamente diferente, deputados substituíram todo o texto e tentaram sua aprovação em regime de urgência, sem o devido debate com a sociedade ou com seus pares. Em conjunto com organizações como a Transparência Partidária, atuamos durante todo o rito do PL, enviando cartas abertas aos presidentes do Senado e da Câmara e mobilizando a opinião pública. 

A incidência teve sucesso junto ao Senado.  Contudo, quando o PL voltou à Câmara, o substitutivo foi trazido de volta e, com ele, muitas das medidas problemáticas. Após sua aprovação e encaminhamento à sanção presidencial, ainda enviamos carta à Presidência da República, que vetou dois pontos críticos.

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Como acompanhar entrega de serviços públicos na ponta? Entrevista com Carla Fátima Pereira da Silva, do OS Porto Alegre

Conheça as dificuldades e as conquistas de quem trabalha para garantir que merenda e remédios cheguem a quem precisa a partir do trabalho do OSPOA, parceiro da Transparência Brasil no monitoramento de merenda.

A coordenadora executiva do Observatório Social do Brasil de Porto Alegre  —OSBPOA (RS) —, Carla Fátima Pereira da Silva, conta o resultado da articulação com governo e conselho de alimentação escolar, e a falta de transparência para conseguir acompanhar a entrega da merenda. 

“Indignar-se é preciso, atitude é fundamental”. O lema do OSB está presente na memória e na trajetória de Carla Fátima Pereira da Silva, coordenadora executiva da unidade de Porto Alegre da organização. 

Dedicada ao controle social desde 2015, quando começou a atuar pelo OSB nas cidades de Gravataí e Glorinha (RS), Carla considera que esta forma de mobilização ainda é pouco compreendida no país, mas que pode fazer com que os cidadãos superem a condição de espectadores das falhas e dificuldades da gestão pública, à qual muitas vezes estão submetidos.

Mas como ter efetividade em ações de controle social?

É por meio das ações realizadas pelo OSBPOA que Carla põe em prática a cidadania a que se refere. São ações de controle social, educação fiscal, acompanhamento das contas públicas, estímulo à participação de micro e pequenas empresas nos processos de compras públicas, qualificando o preço e os produtos contratados pelo poder público.

Em busca de resultados satisfatórios, o OS de Porto Alegre emprega um trabalho técnico, utilizando “indicadores de gestão, de qualidade e de transparência, analisando planos de governos e leis orçamentárias”, explica a coordenadora. 

Com estas ferramentas, Carla e os demais integrantes da organização monitoram desde a publicação de editais de licitação até a entrega dos produtos ou serviços contratados, agindo preventivamente no controle social dos gastos públicos.

 

Atuação conjunta com órgãos de controle

A atuação criteriosa respalda a participação do OSBPOA na Rede de Controle da Gestão Pública do Rio Grande do Sul. “Em conjunto com órgãos de controle e de gestão do poder público estadual, a rede realiza monitoramentos relacionados à merenda escolar e medicamentos, fiscalizamos os fundos para eleições, e acompanhamos temas como segurança pública, políticas para mulheres, educação fiscal, entre outras”, enumera Carla.

Um dos principais projetos da rede é o diagnóstico do ciclo da merenda, “no qual monitoramos os recursos que saem do Ministério da Educação para os órgãos públicos, o momento em que eles chegam nas escolas como produtos, e são servidos como refeição para os alunos, considerando o envolvimento dos Conselhos de Alimentação Escolar (CAE) e os Conselhos Escolares nesse processo”, conforme aponta a coordenadora.

Esta é a fase inicial de um processo articulado entre os três poderes e as instâncias de controle social. “Nós temos a ferramenta, que é o diagnóstico. A partir dele, nós elaboramos um plano de ação, que envolve todos os atores da rede, e encaminhamos para que o gestor e as escolas tenham conhecimento das falhas apontadas”, detalha Carla. Segundo ela, apesar de reconhecer eventuais dificuldades para os gestores, como limitação de pessoal e escassez de recursos, a prioridade para o OS de Porto Alegre é cessar práticas irregulares e qualificar o investimento público.

 

Relação com os órgãos do poder público

Carla entende que a forma de interlocução que a organização se propõe a manter com o poder público pode ser determinante para o sucesso de sua relação com os órgãos públicos. “Como sempre nos apresentamos abertos ao diálogo, e fazemos questão de mostrar que o nosso papel não é o de fazer a crítica pela crítica, mas o de construir uma melhoria de forma conjunta, eles nos respeitam”, descreve.

Esse respeito, por sua vez, decorre do Carla atribui ao reconhecimento do método de trabalho do OSBPOA, baseado na integridade, sem se deixar levar por julgamentos ou por discursos demagógicos. “O julgamento cabe ao Judiciário. Nosso objetivo é melhorar os processos. Se o servidor não entender que precisa qualificar o investimento dos recursos públicos, ele não está entendendo que está perdendo qualidade no resultado de seu trabalho”.

No entanto, ainda há dificuldades a serem superadas. Uma delas é a morosidade no acesso a informações solicitadas às prefeituras. “Para fazer o monitoramento das merendas, é preciso verificar os processos administrativos, checar se o que foi licitado é realmente o que foi entregue, e ver se o que foi pago na nota fiscal é exatamente o que foi entregue lá na ponta. Como essas informações geralmente não estão disponíveis de forma ativa, é preciso solicitar o processo administrativo pela Lei de Acesso a Informação”, descreve Carla. 

De acordo com a coordenadora, ainda que seja simples conferir os preços dos itens contratados, checar as entregas é difícil, pois é necessário rastrear nas escolas se o que estava no edital foi entregue. “Às vezes o caminhão com os produtos chega de manhã, às vezes chega de tarde, e não temos como dar plantão a frente da escola”, critica Carla. Para contornar o problema, os integrantes do observatório trabalham com vistorias por amostragem e por visitas sem aviso prévio.

 

Mobilização dos Conselhos Municipais

Parceiros importantes nos processos de monitoramento e fiscalização, a relação entre integrantes dos Conselhos de Alimentação Escolar e os Conselhos Escolares e do OS de  Porto Alegre foi se construindo gradualmente. Sem conhecimento sobre a atuação dos Observatórios, alguns conselheiros chegaram a criticar sua presença, afirma Carla.  

No entanto, a coordenadora conta que, com o tempo “os conselheiros conheceram nosso interesse em colaborar e fortalecer o controle social. Hoje, participamos das reuniões dos conselhos nas escolas, somos convidados para visitas por e-mail ou whatsapp para acompanhar entregas de produtos e há a percepção de que, junto com o OSBPOA, eles estão mais fortes”. 

Carla avalia que a atuação dos conselhos, especificamente dos CAE, é bastante sensível, pois “precisam também avaliar o que é entregue, já que se houver evidências de uma compra irregular, o conselho também pode ser responsabilizado”. Para auxiliá-los nessa função, Carla e o OS de Porto Alegre participaram, por vídeos e presencialmente, de uma capacitação promovida pela Rede de Controle da Gestão Pública do Rio Grande do Sul para integrantes do Conselho de Alimentação Escolar (CAE) de 23 escolas da cidade, em 2018.

Carla e os demais voluntários que atuam no Observatório Social de Porto Alegre estão somando esforços à Transparência Brasil no projeto de monitoramento da qualidade das merendas escolares. Além do chatbot Rango, que você já conhece, uma outra frente do projeto está trabalhando com bases de dados públicas sobre os processos de compra e contratação das merendas, e Carla tem contribuído com sua expertise para trabalharmos com essas informações.