Newsletter – Março de 2020

Confira a edição de março da newsletter da Transparência Brasil. Ela tem periodicidade mensal e você também pode recebê-la no seu e-mail assim que ela fica pronta, inscrevendo-se aqui.

Além dos informes das atividades da Transparência Brasil, nossa newsletter também traz informações relevantes sobre os temas de transparência, controle social, integridade outras notícias que foram destaque no mês. Acesse a edição completa .

Destaques de março:

  • Decisão da CGU que impõe sigilo sobre relatórios de monitoramento de redes sociais;
  • Participe do dia Ajude a organizar a participação da sociedade civil na ICIC;
  •  a necessidade de controle social sobre o uso massivo de novas tecnologias por governos e empresas.

Tecnologia, transparência e direitos

Desde os anos 90 havia um otimismo no campo da boa governança em torno da tecnologia. E, de fato, em perspectiva histórica, diferentes tecnologias permitiram avanços econômicos, políticos e sociais, de forma que o cenário que se avistava comporia mais um capítulo do desenvolvimento político-social. Novas tecnologias seriam propulsoras de inovação possibilitando a participação de camadas excluídas, dando finalmente voz a minorias e fortalecendo a qualidade da democracia liberal. Mais de vinte anos depois, a percepção sobre os usos de ferramentas tecnológicas não poderia ser mais diferente. 

Uma das grandes preocupações está no uso de machine learning por movimentos autoritários em todo o mundo resultando no cerceamento de liberdades civis. Isto inclui perseguição à sociedade civil por meio de ferramentas de vigilância, como tecnologias de reconhecimento facial, ou por disseminação orquestrada de fake news

A ausência regulatória no uso de ferramentas de machine learning foi um dos grandes temas do Tech Camp for Civic Space Defenders, imersão do International Center for Not-for-Profit Law e da Universidade de Stanford, realizado em fevereiro e que contou com a presença de organizações convidadas da sociedade civil de diferentes países, dentre elas a Transparência Brasil. O objetivo do evento era fortalecer a atuação de ONGs na sua luta de defesa do espaço cívico frente a ataques autoritários com uso de machine learning.

A discussão sobre a participação de empresas de tecnologia no processo de regulação levanta pontos opostos: se por um lado é fundamental que plataformas responsáveis pelos algoritmos sejam aliadas na defesa da democracia e de direitos, por outro, seria inocente esperar que grupos privados atuem para acabar com seu próprio modelo de negócios que venda grandes quantidades de dados comportamentais ou que privilegia a voz de extremistas por gerar mais engajamento. 

A inércia das democracias ocidentais, que não impõem uma regulação às empresas de tecnologia para proibir que suas ferramentas continuem a ser usadas para minar direitos humanos, tem resultado na deterioração da própria democracia. 

A grande preocupação é que diante desse vácuo regulatório, a China tem exercido grande influência com sua exportação em massa de tecnologia. E por ser um país autoritário, que monitora sua população por um sistema de crédito social, sua influência traz grandes riscos para a sociedade civil. A falta de uma estrutura de governança e transparência no emprego de tais ferramentas, somada ao desconhecimento técnico sobre algoritmos, resulta em uma ameaça para os direitos civis. No Brasil, o governo tem cada vez mais usado inteligência artificial com diferentes propósitos, que incluem desde a inibição da evasão escolar até identificação facial de suspeitos de crimes, e até hoje não existem informações nem sobre a extensão do uso destas tecnologias, nem dos algoritmos utilizados. Quando questionados, órgãos públicos se recusam a fornecer essas informações, ferindo a transparência pública e a prestação de contas com a sociedade. O STF, por exemplo, continua a negar acesso ao seu algoritmo de distribuição de processos. Tem-se então uma caixa-preta na tomada de decisões pelo poder público que só se faz maior.

A Transparência Brasil já tem trabalhado pelo que se chama transparência algorítmica. No Conselho de Transparência do Estado de São Paulo, exigimos a prestação de contas na  implementação de sistemas de reconhecimento facial no metrô paulistano. A transparência algorítmica e o seu acompanhamento também serão temas da próxima International Conference of Information Commissioners, organizado pela Controladoria-Geral da União em parceria com a Transparência Brasil e a Artigo 19. 

Acreditamos que as organizações da sociedade civil devam apresentar uma resposta rápida ao uso massivo de inteligência artificial de maneira a evitar injustiças e, ao mesmo tempo, garantir a eficiência que as tecnologias promovem.

Governo federal alterna argumentos frágeis para não divulgar relatório de monitoramento de redes sociais

Em decisão publicada em 27 de fevereiro, a Controladoria-Geral da União (CGU) contrariou sua própria função de garantir o cumprimento da Lei de Acesso a Informação (LAI) no governo federal. Ao impedir a divulgação de relatórios de monitoramento de redes sociais encomendados pela Secretaria Especial de Comunicação Social da Presidência da República (Secom) com base em argumentos frágeis, violou princípios da administração pública, descumpriu a LAI e feriu o interesse da sociedade.

A questão chegou à CGU após a Secom negar ao jornal “O Estado de S. Paulo”, por três vezes, o acesso a todos os relatórios produzidos entre 1º de janeiro a 23 de novembro de 2019. Na decisão, o Ouvidor-Geral da União adjunto, Fabio do Valle Valgas da Silva, deu razão à Secom e manteve a negativa de acesso, contrariando parecer técnico da auditora federal de finanças e controle da CGU, Liana Cristina da Silva. Segundo análise da auditora, as justificativas da Secom não sustentavam a negativa de acesso e, portanto, as informações deveriam ser entregues ao jornal. 

As explicações da Secom para manter os relatórios escondidos foram de distorções de trechos da LAI até alegações absurdas de que o material é sujeito à legislação de direitos autorais e de que as informações não são de interesse público. Todos os argumentos evidenciam a ausência de fundamentação válida, o desrespeito à LAI e aos princípios da administração pública, fatores endossados pela CGU na decisão do Ouvidor-Geral adjunto.

A negativa ao pedido inicial

O pedido inicial foi remetido ao Departamento de Conteúdo e Gestão de Canais Digitais da Secom. Em sua negativa, a Secom distorceu artigos da LAI e do decreto nº 7.742/12, que a regulamenta no Executivo federal. Qualificou os relatórios como “documentos preparatórios para tomada de decisão ou ato administrativo” que, segundo a regra, não podem ser divulgados até que a tomada de decisão ou ato ocorram.

Eis o primeiro problema: a LAI e o decreto deixam claro que qualquer negativa que utilize o argumento de “documento preparatório” precisa, no mínimo, demonstrar ao cidadão a existência de um ato decisório pontual e definido no tempo, a partir do qual a informação será tornada pública. O artigo 7º, § 3º da LAI diz que: “O direito de acesso aos documentos ou às informações neles contidas utilizados como fundamento da tomada de decisão e do ato administrativo será assegurado com a edição do ato decisório respectivo.”

A mesma determinação aparece no artigo 20 do decreto: “O acesso a documento preparatório ou informação nele contida, utilizados como fundamento de tomada de decisão ou de ato administrativo, será assegurado a partir da edição do ato ou decisão.”. Um olhar cuidadoso a essa redação evidencia a condicionalidade da “edição do ato ou decisão” ao fornecimento da informação requerida. Isso não foi demonstrado na primeira negativa, e o jornal apresentou recurso em primeira instância.

Negativas aos recursos em primeira e segunda instância

A resposta ao primeiro recurso traz outros despautérios. A Secom alterou o argumento, apelando para o absurdo: alegou que não poderia fornecer os relatórios pois se tratam de “obra científica”, dotados de “inovação” e, por isso, sujeitos à legislação de direitos autorais, de forma que “a distribuição do material solicitado não é intrínseca ao contrato firmado pelo autor com a Administração Pública”, estando sujeita à aprovação da agência de publicidade contratada. 

É difícil discernir se é um caso de ignorância ou má-fé. Não parece sequer cabível que órgãos federais desconheçam ou voluntariamente ignorem as leis que regem seus próprios atos. O artigo 111 da Lei das Licitações (Lei nº 8.666/93) determina que a administração pública só pode contratar serviço técnico especializado como o monitoramento de redes sociais – se a empresa contratada abrir mão de seus direitos autorais e transferir não somente a tecnologia mas “todos os dados, documentos e elementos de informação pertinentes à tecnologia”.

Como se não bastasse, a Secom ainda alega que o contrato firmado com a empresa estabelece, nos itens 6 e 8 do inciso I de sua cláusula segunda, a “previsão de sigilo do conteúdo produzido”. O curioso, porém, é que o inciso em questão determina as obrigações da empresa contratada. Os itens determinam que ela deve:

“6) Manter, por si e por seus prepostos, sob pena de responsabilidade civil, penal e administrativa, irrestrito e total sigilo sobre:
a) Os assuntos de interesse da CONTRATANTE ou de terceiros de que tomar conhecimento em decorrência da execução do Contrato;
b) Os produtos gerados no decorrer dos trabalhos e as informações, os dados, os documentos e outros elementos utilizados na execução do Contrato, vedado o seu uso ou divulgação a terceiros, ainda que parcial, sem prévia e expressa autorização da CONTRATANTE.
(…)
8) Assinar Termo de Compromisso relativo a confidencialidade e sigilo, conforme modelo definido pela CONTRATANTE, se comprometendo, por si, seus prepostos e funcionários, inclusive no exterior, a não repassar o conhecimento das informações confidenciais, responsabilizando-se por todas as pessoas que vierem a ter acesso às informações, por seu intermédio, e obrigando-se, assim, a ressarcir a ocorrência de qualquer dano e/ou prejuízo oriundo de eventual quebra de sigilo das informações fornecidas”

Ou seja, na realidade, ambos os itens do contrato advogam contra o próprio argumento de direitos autorais, já que demonstram que a empresa não tem prerrogativa alguma sobre o material produzido e está obrigada a manter o sigilo sobre ele, salvo se a contratante a própria Secom autorizar a publicidade. Nada disso é surpreendente aos que conhecem o direito administrativo: os contratos públicos são notórios por suas “cláusulas exorbitantes”, as quais garantem prerrogativas à administração pública que seriam consideradas ilícitas em contratos particulares. Isso existe justamente para assegurar o respeito ao interesse público, o que engloba o direito ao acesso a informação. 

Diante de novo recurso de “O Estado de S. Paulo” contra a negativa, a Secom retornou à argumentação inicial, ainda sem dizer qual seria a decisão ou o ato a ser tomado. O jornal então levou o caso à CGU.

Recurso em terceira instância e o entendimento da CGU

Na terceira instância, o Ouvidor-Geral adjunto ignora completamente o parecer técnico da auditora que avaliou o caso, segundo o qual as razões fornecidas pela Secom para negar a informação continuavam insuficientes frente às exigências da LAI. Fabio do Valle Valgas da Silva acata os argumentos da Secretaria, somando mais despropósitos aos argumentos pela negativa:

“Os temas de monitoramento são revisados constantemente e não se vislumbra interesse público em seu conteúdo, uma vez que são desenvolvidos apenas para a tomada de decisão da SECOM e demais unidades.”

Afirmar que uma informação que supostamente embasa a decisão de um agente público não “vislumbra interesse público” é absurdo. Dizer que o produto fornecido à administração pública por uma empresa privada contratada com dinheiro público não “vislumbra interesse público” é ainda pior. Indo além, afirmar que um relatório de monitoramento das opiniões dos cidadãos brasileiros nas redes sociais não “vislumbra interesse público” é praticamente enterrar toda e qualquer noção de controle social. Toda decisão tomada pela administração pública é de interesse público, e toda contratação realizada pelo poder público deve ter como finalidade a concretização do interesse público

A insistência em manter esses relatórios fora dos olhos da sociedade levanta suspeitas sobre as intenções do atual governo em relação a essas informações. Que tipo de informação estaria sendo coletada, e que tipo de decisão ela embasará que não poderia ser de amplo conhecimento do cidadão brasileiro? Ou trata-se apenas do clássico temor de que informações públicas evidenciem a irrelevância ou ineficiência de ações do governo?

O Ouvidor-Geral adjunto deu razão também a um trio de alegações da Secom que desafiam a lógica. A primeira diz: 

“a) as tomadas de decisão às quais os relatórios de monitoramento de redes sociais servem de subsídios ainda não foram finalizadas e não se traduziram em atos, que no caso da área de comunicação, foco de atuação da SECOM, podem se materializar em produções de conteúdo para os canais próprios do Governo Federal; realização de campanhas de comunicação; definições de agendas ou outros;”

Ora, se os atos embasados nos relatórios são ações de comunicação pública em canais oficiais, não há lógica em manter o monitoramento sob essa espécie de sigilo. 

O segundo disparate da Secom é dizer: 

“b) apesar de não ser possível definir claramente o período fim que um ato de comunicação será tomado, verifica-se que algumas campanhas de comunicação podem ser definidas em até 12 meses após a identificação de um alerta exposto nos relatórios de monitoramento; grande parte dos relatórios de monitoramento desenvolvidos neste ano dizem respeito a ações de Governo ainda em curso;”

Para negar o acesso a informação sob a alegação de que se trata de documento preparatório, sua finalidade precisa estar definida especialmente quanto à temporalidade. Do contrário, no limite, tudo e qualquer coisa poderia ser “documento preparatório”. É preciso estabelecer prazos claros para o cidadão. Sem isso, a negativa de acesso não está devidamente justificada. Se determinar um prazo é requisito para a classificação de documentos verdadeiramente sigilosos, por que não seria para um mero relatório de mídias sociais? E se um órgão público cuja função é planejar e executar a comunicação do governo não consegue definir prazos para sua ações, há um problema de gestão.

Um terceiro ponto, que aparece em dois momentos, esbarra na ilegalidade:

“c) em relação aos relatórios gerais, de recebimento diário, há que se considerar que (…) a disponibilização dos relatórios nesse momento seria parcial, sendo quase sua totalidade não passível de divulgação, o que poderia frutar (sic) as expectativas do administrado, não atendendo ao objeto do seu pedido;”

“d) ainda sobre o aspecto da frustração do administrado, há que se considerar, ainda, que os relatórios de monitoramento são produzidos especificamente para uso interno da Secom, obedecendo a parâmetros específicos para aquele momento ou demanda, de modo que a apresentação desses relatórios ao administrado em contexto destacado do qual foi produzido, pode vir a ser interpretado de maneira distante ao qual foi elaborado;”

Não importa que se avalie uma suposta “expectativa do administrado” se isso é usado em favor do sigilo ilegal. A LAI é clara: a publicidade é a regra. Além disso, como diz seu art. 7, § 2º: “Quando não for autorizado acesso integral à informação por ser ela parcialmente sigilosa, é assegurado o acesso à parte não sigilosa por meio de certidão, extrato ou cópia com ocultação da parte sob sigilo”. Tudo o que pode ser divulgado, deve ser. Essa argumentação parece insinuar uma tentativa de manter certas informações públicas completamente ocultas, sem assumir o ônus de ter que submetê-las aos procedimentos corretos de classificação de informações. 

Não cabe ao órgão público negar o acesso com base no que ele espera que o cidadão virá a sentir, pensar ou interpretar sobre a informação recebida. O § 3º do artigo 10 da LAI é categórico: “são vedadas quaisquer exigências relativas aos motivos determinantes da solicitação de informações de interesse público.” Se não é possível exigir previamente a motivação ou a expectativa do cidadão como condição para o atendimento de uma solicitação, negar o acesso a informações com base em deduções sobre tal motivação ou expectativa é ainda pior. Simplesmente não existe cenário em que seja cabível condicionar o cumprimento da lei, pela administração pública, a uma avaliação prospectiva e subjetiva das motivações, vontades, pensamentos ou sentimentos do cidadão. 

Na tentativa de estabelecer esse prazo, a Secom se inclina à opacidade:

“e) em razão do exposto, a SECOM recomenda que os relatórios de monitoramento não sejam disponibilizados em período inferior a 12 meses de sua elaboração, sendo que sua divulgação deve ser avaliada caso a caso, a depender da perecibilidade de suas informações”

A recomendação não está embasada em nenhuma legislação. Sequer se digna a exprimir uma data limite para a publicação do material. A leitura cuidadosa do texto mostra que não determina a publicidade dos relatórios em um prazo de 12 meses, mas a não-publicidade ou seja, o sigilo para os próximos 12 meses, no mínimo. Em seguida, concede uma única hipótese de divulgação, mediante avaliação “caso a caso, a depender da perecibilidade”. O que é a perecibilidade? Quais são os critérios objetivos, claros, razoáveis e legais para verificar perecibilidade de uma informação? Quem vai verificá-la? Nem a própria Secom tem acordo sobre isso. Em resposta à auditora cujo parecer técnico foi ignorado, disse: “As informações presentes nos relatórios de monitoramento não perecem”. Se não perecem, quer dizer que essa informação nunca será fornecida ao cidadão? 

As sucessivas respostas e argumentações vagas sustentam uma estratégia de ocultação indeterminada das informações. Nem mesmo documentos verdadeiramente sensíveis e pertinentes à segurança nacional têm essa prerrogativa. Tudo o que se pretender sigiloso deve ser satisfatoriamente justificado e seguir procedimentos de classificação previstos na LAI, especialmente em relação aos prazos para sua desclassificação, que devem estar expressos, bem definidos e respaldados pela legislação. 

A recomendação da Secom é uma tentativa de manter certas informações públicas completamente ocultas, sem submetê-las aos restritos critérios para que possam ser tornadas sigilosas de fato. Fica evidente a estratégia de impor um sigilo por fora dos ritos determinados na LAI, ou seja, de maneira ilegal. 

É absolutamente incabível e pernicioso à transparência pública que o Ouvidor-Geral da União adjunto aceite a série de justificativas sem fundamentação legal apresentadas pela Secretaria de Comunicação como suficientes para negar o acesso a informações públicas que não estão submetidas às hipóteses de sigilo permitidas em lei e são de claro interesse público. Essa decisão enfraquece a LAI e contribui para erodir a transparência pública, coisas que a própria CGU alega defender. Ela precisa ser revista pela Comissão Mista de Reavaliação de Informações no sentido de fornecer as informações solicitadas, uma vez que os argumentos continuam insuficientes para mantê-las ocultas, nos termos da LAI. 

Newsletter – fevereiro de 2020

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Destaques de fevereiro:

  • Retorno do Fórum do Direito de Acesso a Informações Públicas;
  • O aumento das negativas a pedidos de acesso a informação por fishing expedition;
  • Informações da participação da sociedade civil na 12th International Conference for Information Commissioners.

[Coluna 27]: Expedição de Pescaria em pedidos de acesso a informação

De acordo com uma reportagem recente da Agência Pública, órgãos do governo federal têm negado uma série de pedidos de acesso a informação sob a justificativa de que estes incorrem em uma prática chamada “expedição de pescaria” (fishing expedition). Afinal, o que vem a ser essa prática e por que ela é relevante para entendermos os riscos dessas negativas à transparência pública?

O que é a “expedição de pescaria”?

“Expedição de pescaria” ou “fishing expedition”, no original em inglês, designa a tentativa – em geral da polícia – de encontrar alguma informação incriminadora a partir de uma busca ampla sem determinar um objetivo específico.

Elas acontecem, por exemplo, quando se autoriza buscas genéricas em favelas, sem delimitar um endereço específico ou um objetivo para a busca. Por expor o cidadão ao abuso de poder, dificultar sua defesa e a proteção de sua intimidade e honra, são necessários limites para esse tipo de prática por parte do estado. Ver post completo “[Coluna 27]: Expedição de Pescaria em pedidos de acesso a informação”

[Coluna 26]: Licença parental e cuidados na primeira infância

Nas próximas semanas, sairei em licença-paternidade. Não sei exatamente quando isso acontecerá – entraremos na 38ª semana de gravidez a partir de segunda-feira, 10/02 –, mas é obviamente algo que tem ocupado minha mente. Assim, aproveito o motivo para abordar esse tema na coluna.


Licença-paternidade

No Brasil, trabalhadores formais têm direito a cinco dias corridos de licença-paternidade. Isso significa que se seu filho ou filha nascer em um sábado – como aconteceu com minha primeira filha –, a licença acaba na quarta-feira seguinte. O tamanho da crueldade dessa política é inefável. Nossa legislação concede míseros cinco dias, e não são nem dias úteis.

Empresas cidadãs garantem aos pais 20 dias corridos de licença-paternidade, desde que o pai “comprove participação em programa ou atividade de orientação sobre paternidade responsável” (Lei 11.770/2008, art. 1º, § 1º, inciso I). Este requerimento extra, não exigido da mãe, mostra como o Estado ainda segue aquele mantra horrível, “não basta ser pai, é preciso participar”. Uma frase sem sentido, que jamais seria aplicável para mães.

Este requerimento é uma postura paternalista do Estado, que nunca fez uma avaliação de eficácia desse curso sobre o comportamento dos pais (é auto-seleção ou há efeito causal?), e considera que pais precisam de um curso para serem pais e terem direito a ficar com seus filhos por míseros 20 dias. Como se não bastasse, diferentemente da licença-maternidade – custeada pelo INSS – a licença-paternidade é custeada integralmente pela empresa¹.

De fato, ainda é prevalecente no Brasil a visão machista de que licença-paternidade seria férias adicionais. Esse estereótipo e a ausência de proteção legal geram problemas para os homens no mercado de trabalho. Em outros países, há evidências de que homens que saem em licença-paternidade têm menos chance de receberem promoções e são vistos como fracos e inseguros, entre outros adjetivos negativos.


Cuidados na primeira infância

Após o período de licença-paternidade, relega-se à mãe a obrigação principal de cuidar dos filhos recém-nascidos. Isso gera uma série de problemas, desde desigualdades no mercado de trabalho – impactos negativos em remuneração e carreira para mulheres – até mesmo riscos para a estabilidade dos casamentos. Há estudos sugerindo que ampliar a licença-paternidade reduz o risco de separação, no momento em que há maior chance de um casamento acabar – após o nascimento dos filhos. Um dos mecanismos que produz tal resultado é justamente a redução na desigualdade de responsabilidades de cuidados com as crianças.

Minha própria experiência como pai mostrou a importância de ficar um mês em casa com minha primeira filha. Aprendi todos os cuidados necessários para criar um filho: de trocar fraldas a dar banho, de cortar unhas a fazer o planejamento do que precisa ser comprado, de colocá-la para dormir a acordar à noite. Ao mesmo tempo, pude observar a quantidade de energia demandada com os cuidados de uma criança, especialmente com o primeiro filho, momento em que tudo é novo. Quando voltei a trabalhar, sabia que a rotina profissional seria menos exaustiva, emocional e fisicamente.

Creches

Além da licença-paternidade de duração ridícula, outro problema sério no Brasil é a oferta insuficiente de serviços de creches. O Plano Nacional de Educação (PNE), em sua meta 1, definiu que 50% das crianças de 0 a 3 anos deveriam estar em creches até 2024. Atualmente, o número é próximo de 30%, e já sabemos que há risco muito alto da meta não seja atingida.

Esse número de 50%, contudo, não distingue a oferta de vagas no setor privado e público, não considera a capacidade das famílias de pagar pelas vagas no setor privado, e nem avalia a qualidade do serviço oferecido. Nos EUA, considera-se que uma creche privada é acessível se custa menos de 10% da renda familiar. Não temos referência similar para o Brasil, nem qualquer indicador sobre o quanto as famílias gastam com cuidados infantis, sejam creches ou babás, como percentual de sua renda total.

Tampouco há, no PNE ou em qualquer outro plano do Ministério da Educação ou das secretarias de educação, indicadores sobre a qualidade das creches. Nos EUA, existe o Quality Rating and Improvement System (QRIS), ou Sistema de Avaliação e Melhoria de Qualidade, aplicado para o cuidado em creches e escolas da primeira infância.

Sistemas como o QRIS são importantes não apenas para auxiliar pais a escolherem as creches para seus filhos, mas também para auxiliar os programas governamentais de oferta de vagas via convênio com a iniciativa privada – caso da prefeitura de São Paulo – ou mesmo uso de vouchers, como aventou o ministro Paulo Guedes. Sem esses indicadores, não é possível avaliar se o dinheiro está sendo bem empregado, nem se os subsídios estariam aumentando ou reduzindo a qualidade dos serviços ofertados.

Como no Brasil os governos confundem metas-meio e metas-fim, planos como o PNE acabam sendo mal desenhados em relação aos objetivos que de fato estão perseguindo. O objetivo de uma política de primeira infância deve ser garantir os cuidados que uma criança precisa para se desenvolver da melhor maneira possível. A oferta de vagas é um meio para tal fim, mas não um fim em si mesmo.

Evidências e transparência

Do nosso ponto de vista, nossa contribuição para esses debates é chamar a atenção para a necessidade de se criar indicadores, como o QRIS dos EUA, e dar-lhes a transparência adequada, para ajudar pais e cuidadores e tomarem decisões informadas, bem como permitir o adequado trabalho dos órgãos de controle e o controle social. A discussão é complexa e precisamos estabelecer conceitos, indicadores e metas o quanto antes. Já estamos atrasados.

Similarmente, não há acompanhamento nem metas, por parte dos governos nas três esferas, para avaliar o impacto da ampliação da licença-paternidade de cinco para 20 dias. Seria muito importante que o governo realizasse essa avaliação, inclusive para fundamentar melhor o impacto de se estender os 20 dias para todos os trabalhadores da CLT, bem como para eventualmente planejar uma ampliação para ainda mais dias.

Como temos insistido há algum tempo, o Brasil precisa começar a se concentrar no controle de efetividade das políticas públicas, em vez de trabalhar somente com ênfase no controle de legalidade delas. A construção dos indicadores de qualidade e efetividade das políticas públicas é um passo fundamental nesse sentido. A primeira infância, por sua importância e estado atual, seria um dos melhores e mais urgentes setores de políticas públicas para se iniciar essa mudança. Oxalá possamos caminhar nessa direção, o mais rápido possível.


Manoel Galdino
Diretor-executivo da Transparência Brasil

[1] Empresas optantes
por pagar impostos por lucro real (em vez de lucro presumido, por exemplo) podem deduzir o montante pago durante a licença do imposto de renda.

Carta à Ministra Rosa Weber solicita a publicação dos extratos bancários dos partidos em tempo real

Brasília, 03 de fevereiro de 2020.

A Sua Excelência a Senhora
ROSA MARIA PIRES WEBER
Presidente do Tribunal Superior Eleitoral
Setor de Administração Federal Sul
Brasília/DF

Em mãos

C/c: Exmo. Sr. Ministro Luís Roberto Barroso – Vice-presidente
Exmo. Sr. Ministro Geraldo Og Nicéas Marques Fernandes – Corregedor-Geral
Exmo. Sr. Ministro Luís Felipe Salomão
Exmo. Sr. Ministro Luiz Edson Fachin
Exmo. Sr. Ministro Sérgio Silveira Banhos
Exmo. Sr. Ministro Tarcísio Vieira de Carvalho Neto
Exmo. Sr. Procurador-Geral Eleitoral Humberto Jacques de Medeiros

Ref.: Resolução nº 23.604, de 17 de dezembro de 2019

Excelentíssima Senhora Ministra Rosa Weber,

TRANSPARÊNCIA PARTIDÁRIA, iniciativa da sociedade civil fundada em 2016 para desenvolvimento de pesquisas sobre o sistema partidário brasileiro e fomento de sua transparência e integridade, neste ato representada por seu diretor-executivo; e

TRANSPARÊNCIA BRASIL, associação sem fins lucrativos fundada em 2000, destinada a promover a defesa do interesse público por meio da edificação da integridade do Estado brasileiro e o combate à corrupção, contribuindo para o aperfeiçoamento das instituições e do processo democrático, neste ato representada por seu diretor-executivo

dirigem-se, respeitosamente, a Vossa Excelência, com fundamento no artigo 5, inciso XXXIV, alínea a, da Constituição Federal, para requerer providências com respeito à publicidade das prestações de contas dos partidos políticos a esse egrégio Tribunal, pelas razões de fato e direito a seguir aduzidas. Ver post completo “Carta à Ministra Rosa Weber solicita a publicação dos extratos bancários dos partidos em tempo real”

[Coluna 25]: Dados pessoais e monitoramento de redes sociais pelo governo de São Paulo

Em 25 de janeiro deste ano, o governo do estado de São Paulo publicou um edital de licitação de R$ 15 milhões para contratação de serviço de comunicação que inclui o monitoramento de redes sociais e veículos on-line. Uma das entregas é descrita como “[p]rincipais influenciadores (detratores e apoiadores) em fichas individualizadas” (p. 40).

O edital solicita também o monitoramento de temas mais mencionados por usuários, a classificação dos comentários de acordo com o sentimento que expressam (neutros, positivos ou negativos), entre outros. Esse tipo de política, que tem se tornado cada vez mais comum, suscita vários questionamentos de ordem ética e legal que deveriam ser feitos, especialmente à luz da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).

A LGPD é importante neste caso porque regula o tratamento de dados pessoais realizado em território nacional, tanto por parte do setor público, quanto da iniciativa privada. O monitoramento de comentários em redes sociais e a produção de fichas individualizadas, entre outros, envolvem tratamento de dados pessoais.

A primeira questão, portanto, é: até que ponto os comentários de cidadãos em redes sociais e veículos on-line são dados pessoais passíveis de proteção pela LGPD? O artigo 4º da Lei apresenta as exceções para a sua aplicação: os tratamentos de dados para fins jornalísticos, e exclusivamente para fins de segurança pública, defesa nacional, segurança do estado ou atividades de repressão e investigação penal. Ver post completo “[Coluna 25]: Dados pessoais e monitoramento de redes sociais pelo governo de São Paulo”

[Coluna 24] Erros na interpretação do Índice de Percepção da Corrupção

A Transparência Internacional divulgou seu Índice de Percepção da Corrupção (IPC) de 2019. É um dos índices mais conhecidos e utilizados no mundo para comparar a corrupção entre países. Ao chamar a atenção para um problema sério como a corrupção e, no caso do Brasil, mostrar como estamos abaixo no ranking deles, contribui para redobrar os esforços para enfrentar esse problema sério.

Não por outro motivo, jornais usuários nas redes sociais não demoraram a divulgar e interpretar o índice como se ele mensurasse, de fato, a corrupção real. A própria Transparência Internacional, em divulgação via Whatsapp, caracterizou o índice como sendo uma “avaliação do nível de corrupção no setor público”. Nesta coluna, discuto em mais detalhes até onde o IPC pode ser usado corretamente, e quais seus limites e problemas.

 

Percepção eurocêntrica

Comecemos pelo óbvio. Um índice de percepção mede apenas a percepção de um fenômeno, não o fenômeno em si. Na verdade, o IPC é resultado da média de várias medidas distintas, produzidas em diferentes contextos e algumas mais objetivas que outras. Porém, como o IPC não utiliza a metodologia estatística adequada para agregar esses indicadores diversos, o resultado final acaba sendo apenas um índice de percepção de corrupção. Ver post completo “[Coluna 24] Erros na interpretação do Índice de Percepção da Corrupção”

Newsletter – Janeiro de 2020

A newsletter da Transparência Brasil tem periodicidade mensal e você também pode recebê-la no seu e-mail assim que ela fica pronta, inscrevendo-se aqui.

Nas edições regulares, ela traz informes sobre as atividades da Transparência Brasil e informações relevantes sobre os temas de transparência, controle social, integridade outras notícias que foram destaque no mês.

Mas em janeiro de 2020 preparamos uma edição especial sobre o nosso Relatório de Atividades de 2019 . Acesse a edição completa da newsletter neste link .