De onde veio e para onde vai o dinheiro que o governo federal reservou para ações da Covid-19?

Post atualizado às 14:10 de 20 de abril. Nem todas as MPs haviam sido incluídas no gráfico, pois o quadro de medidas para a pandemia fornecido pela Presidência da República estava incompleto no momento da consulta para este levantamento. Foram incluídas as MPs 935, 939, 947 e 949.

Com dúvida sobre a origem e o destino dos bilhões que o governo federal anuncia para combater a Covid-19? A Transparência Brasil te ajuda a entender.

Use as setas à esquerda e à direita para ver todos os gráficos:


No total, o governo federal reservou R$ 226.211.512.867,00 para ações de combate à Covid-19 e de redução de seus efeitos em diversas áreas. Parte do dinheiro vem da anulação de algumas despesas que estavam previstas no orçamento federal de 2020, e outra parte vem de reservas do governo federal.

Os dados têm origem nas Medidas Provisórias (MPs) e decretos com alterações orçamentárias editadas de 4 de fevereiro a 20 de abril de 2020 relacionadas à Covid-19, na Lei Orçamentária Anual (LOA) e em emendas parlamentares ao orçamento federal. Não estão incluídas aqui renúncias ou incentivos fiscais, nem projetos de lei eventualmente aprovados no Congresso.

Por lei, o governo federal pode alterar alguns itens do orçamento anual. Para algumas mudanças (como o cancelamento de verbas e o direcionamento de dinheiro para ações emergenciais que não estavam previstas), ele pode publicar uma Medida Provisória – que precisa ser avaliada pelo Congresso em um prazo definido, para virar lei. Outras mudanças (como o aumento de verbas para uma ação específica que já existia no orçamento) só podem ser feitas por meio de Decreto. As alterações devem sempre obedecer os limites que estão no orçamento do ano.

Como reportagens já mostram, os valores não necessariamente estão sendo ou já foram aplicados. São indicações de quanto será usado em qual ação do governo no contexto da pandemia.

Para acompanhar a concretização dos gastos, uma opção são as consultas prontas do Portal da Transparência do governo federal. O conteúdo desta planilha, que reúne os dados usados neste texto e nos infográficos, pode ajudar na consulta.

Benefícios sociais e socorro a emprego: destaques

Os maiores valores de crédito são destinados a pagamento de benefícios sociais (auxílio emergencial para trabalhadores informais e pessoas inscritas no Bolsa Família, por exemplo) e ações de manutenção de emprego. Para os benefícios sociais, são reservados R$ 101,2 bilhões (45%). Para financiar parte de salários reduzidos na iniciativa privada, foram reservados R$ 85,6 bilhões (38%).

Verbas para atenção especializada em saúde

Mais de R$ 18 bilhões (8%) serão destinados à atenção especializada em saúde, ou seja, para atendimentos mais complexos em hospitais e ambulatórios. Destes, a maioria (R$ 11 bilhões) serão transferidos a Fundos de Saúde dos estados e do DF.

Dos R$ 11 bilhões, quase tudo (R$ 10,8 bilhões) é destinado a despesas correntes, ou seja, compra de materiais, pagamento de prestadores de serviço etc. O restante (R$ 224,9 milhões) será destinado a investimentos (compra de equipamentos de longa duração, obras etc.).

Mais de R$ 4 bilhões serão repassados a Fundos Municipais de Saúde e R$ 477 milhões serão gastos diretamente pelo Ministério da Saúde, por meio do Fundo Nacional de Saúde.

Os dez estados que mais receberão repasses para programa de atenção especializada à saúde (sem considerar os repasses indicados como sendo de abrangência “Nacional”) são SP, PA, BA, CE, MA, AM, RS, RJ, GO e AL.

Gráfico 1 – Repasses por UF
Sobre os cancelamentos

É importante notar que em algumas dessas ações o valor que foi cancelado é apenas uma parte do que estava previsto no Orçamento federal de 2020 para aquela atividade. Ou seja, há ações que continuarão a existir, pois haverá dinheiro de outras fontes.

Das 194 ações que tiveram algum valor cancelado, a maioria (174) ainda terá recursos para serem realizadas. Apenas 19 serão totalmente canceladas:

Gráfico 2 – Ações canceladas em função do remanejamento para combate à Covid-19
Cortes em saúde e educação

Houve corte considerável (R$ 3,2 bilhões) na saúde básica. A maior parte desses recursos era um acréscimo de dinheiro com o objetivo de atingir metas de atendimento que o governo federal determinou. Ainda restam, porém, mais de R$ 532 bilhões para essas ações na atenção primária à saúde.

Na atenção especializada à saúde (atendimentos em ambulatórios e hospitais), o cancelamento de despesas previstas chegou a R$ 2,3 bilhões. Assim como no caso da saúde básica, a maior parte do dinheiro (R$ 2,1 bilhões) era acréscimo de dinheiro com o objetivo de atingir metas de atendimento que o governo federal determinou. Resta ainda R$ 1,3 bilhão para essas ações.

Gráfico 3 – Ações de atenção especializada à saúde com montantes remanejados para combate à Covid-19. O valor final aplicado inclui recursos de todas as fontes e todas as modalidades de aplicação

Mais de R$ 247 milhões anulados seriam usados para construir e equipar unidades de atenção especializada em saúde em estados e municípios. Restaram R$ 79 milhões para essa ação.

Na educação, foram cancelados um total de R$ 717,9 milhões que eram destinados para a educação básica. A maior parte (R$ 671) milhões seriam repassados a estados e municípios para reforma ou construção de escolas e para compra de veículos para o transporte escolar. Do orçamento original, restaram R$ 104 milhões para essas ações. O apoio ao desenvolvimento da educação básica no Amazonas perdeu R$ 45 milhões (restaram R$ 17 milhões).

Gráfico 4 – Ações de educação básica com montantes remanejados para combate à Covid-19. O valor final aplicado considera todas as fontes de recursos e todas as modalidades de aplicação

Na educação superior, foram cancelados R$ 163,4 milhões. O maior volume de cortes (R$ 77,8 milhões) foi nas verbas para reforma e modernização de instituições federais de ensino superior – incluindo hospitais universitários, mas ainda restaram R$ 252 milhões. O apoio a faculdades e universidades não federais foi reduzido em R$ 23 milhões; restaram R$ 16 milhões do total original.

Gráfico 5 – Ações de educação superior com montantes remanejados para combate à Covid-19. O valor final aplicado inclui recursos de todas as fontes e todas as modalidades de aplicação

A educação profissional e tecnológica perdeu R$ 59 milhões, ficando com R$ 93 do inicialmente previsto.

Gráfico 6 – Ações de educação profissional e tecnológica com montantes remanejados para combate à Covid-19. O valor final aplicado inclui recursos de todas as fontes e todas as modalidades de aplicação

[Coluna 30]: Como se preparar, na sua família, para a Covid-19?

A incerteza diante da pandemia de Covid-19 é massiva. Não apenas não sabemos quais serão os desdobramentos do ponto de vista da saúde coletiva, nem as implicações econômicas, sociais e geopolíticas. No entanto, continuamos a ter de tomar decisões para os próximos dias e meses. Em nenhum lugar nos ensinam como nos preparar, de modo que compartilho aqui o que fizemos em minha casa.¹ Não sou especialista em planejamento familiar, mas dada a escassez de conteúdo sobre isso, acredito que pode ser útil.

Em casa, nós fizemos uma planilha com algumas colunas que devem ser preenchidas: cenários possíveis – cada linha é um cenário diferente; riscos associados a cada cenário; estratégias de mitigação – o que fazer se o risco se materializar e como se preparar para minimizar os impactos negativos; itens acionáveis – o que fazer concretamente, atribuindo responsáveis. Por fim, colocamos uma coluna de “outros”, para comentários genéricos que sejam relevantes. Abaixo apresento com um pouco mais de detalhe como construímos cada parte da planilha, a partir de exemplos pessoais.

Cenários

O primeiro passo é pensar nos possíveis cenários no curto prazo (próximas semanas) e no médio prazo (próximos meses) que podem afetar você e sua família. No nosso caso, que somos um casal com dois filhos pequenos (um deles com menos de 2 meses), pensamos em coisas como: e se um deles ficar doente; e se houver desabastecimento de itens essenciais; e se um de nós pegar Covid-19.

Riscos

Em seguida, pense como cada um desses cenários vai afetar você e a sua família, com granularidade e, preferencialmente, no pior cenário. Um exemplo simples parte do cenário em que um de nossos filhos fique doente o suficiente para precisarmos levá-lo ao médico. Os riscos serão grandes: hospitais estarão lotados e não sabemos qual será a disponibilidade da nossa pediatra; se for preciso usar algum remédio, será fácil comprar?

Estratégias de mitigação

Ainda no caso acima, pensamos, com a ajuda da nossa pediatra, que tipo de doenças crianças dessa idade podem ter nessa época do ano (primavera e inverno), qual a possibilidade do uso de telemedicina e quais remédios precisaríamos usar em cada caso. Então, uma das estratégias de mitigação é assegurar que teríamos à mão os remédios básicos necessários – Novalgina, anti-histamínico, soro fisiológico, etc.

Itens acionáveis

Saímos desse plano com ações a fazer e responsáveis – como, por exemplo, comprar hoje mesmo (não amanhã nem na semana que vem) os remédios e outros insumos necessários para minorar cada risco pensado.

Outros

Para ajudar a priorizar, também sinalizamos o nível de severidade dos problemas e o horizonte temporal (se será nas próximas semanas ou nos próximos meses). Talvez nenhum cenário ocorra – maravilha! Mas a ideia é não ser pego de surpresa e se preparar minimamente para o que está por vir.

Decisões em ambiente de incerteza

Diante de incerteza muito grande, combinada com um ambiente muito diferente do que já passamos, não sabemos qual parte do que consideramos normal ainda é uma boa prática ou um mau caminho. Traçar cenários possíveis para sua realidade ajuda a dar concretude para situações e a se planejar para elas.

O mais importante é evitar a paralisia e conseguir se planejar, dentro das suas condições. Isso inclui pedir ajuda, mudar estilo de vida, deixar parentes em prontidão em caso de necessidade, entre outros. Boa sorte a todos, cuidemo-nos, e, dentro do possível, fiquemos em casa.


Manoel Galdino
Diretor-executivo da Transparência Brasil


Notas

[1] O procedimento adotado foi inspirado em recomendações da economista da saúde Emily Oster, em seu livro Cribsheet: A Data-Driven Guide to Better, More Relaxed Parenting, from Birth to Preschool.

[Coluna 29]: O estado da transparência no mundo diante da pandemia de Covid-19

Em 23 de março, o governo federal publicou a Medida Provisória nº 928, alterando a Lei de Acesso a Informação (LAI). Em nota conjunta com mais de 80 entidades da sociedade civil, repudiamos o teor da MP, por entendermos que representa um desnecessário retrocesso na transparência.

Como parte do processo de entender de que maneira outros países estão se organizando a esse respeito, consultei os membros da sociedade civil que compõem a Open Government Partnership e a FOIAnet, maior rede virtual de ativistas e especialistas em acesso a informação. Relato abaixo o resultado das consultas sobre o estado do direito a informação em diversos países, diante da pandemia da Covid-19.

Transparência ao redor do mundo

Canadá: nenhuma mudança oficial em política de acesso a informação, mas pedidos que requerem presença física para acesso a documentos estão naturalmente com períodos maiores para serem respondidos. Contudo, há relatos de pedidos que foram colocados em modo de espera sem prazo de resposta definido, além de expectativa de shutdown do sistema de pedidos.

Paquistão: nenhuma mudança legislativa até agora.

El Salvador: congresso aprovou lei suspendendo a maioria dos processos judiciais e administrativos. Isso pode impactar os pedidos e recursos na agência de acesso a informação de El Salvador (equivalente à CGU), mas não está claro.

Romênia: o decreto presidencial que instituiu estado de emergência em 16 de março (aprovado pelo congresso em 19 de março) dobrou os prazos legais para respostas de pedidos de acesso a informação. Há relatos de que, na prática, pedidos de acesso a informação não estão funcionando. Ver post completo “[Coluna 29]: O estado da transparência no mundo diante da pandemia de Covid-19”

[Coluna 28]: Os desafios da Covid-19 para a transparência, controle social e democracia

Nesta coluna de retorno após minha licença-paternidade, abordo, como não poderia deixar de ser, a pandemia de Covid-19. Vou falar um pouco sobre os desafios para os temas caros à Transparência Brasil.

Saúde e transparência

A pandemia de Covid-19 traz desafios imensos para todos nós e, como não poderia deixar de ser, para a transparência, accountability, democracia e respeito aos direitos humanos de maneira geral. A incerteza sobre os impactos da pandemia, medidas governamentais e sua duração dificultam uma análise de mais longo prazo. No entanto, vale destacar como os temas caros à Transparência Brasil estão evoluindo ao redor do mundo e como podemos ficar atentos aqui.

Democracia

Em 2020 teremos eleições municipais, as quais poderão favorecer o contágio, devido a: i) filas de votação, pois proporcionam contato físico próximo; ii) urnas eletrônicas, pois digitaremos no mesmo teclado após os concidadãos; iii) a própria campanha eleitoral, que requer “corpo a corpo” dos candidatos com os eleitores.

A previsão inicial do ministro da Saúde era de que enfrentaríamos quatro meses “muito duros”. No entanto, de acordo com um estudo vinculado ao Imperial College, no Reino Unido, que vem repercutindo bastante, medidas de restrição de espaço e distanciamento social podem durar até 12 meses ou mais. É, portanto, algo a que devemos estar atentos e não simplesmente dar de barato que eleições acontecerão normalmente como em anos anteriores.

Outro problema é a deterioração das relações entre Executivo e Legislativo, com o comportamento autoritário do presidente da República. Pedidos de impeachment têm atraído cada vez mais atenção e há pedidos de renúncia e afastamento do presidente. O governo pode precisar controlar e restringir liberdades fundamentais para conter a pandemia em um contexto muito ruim do ponto de vista político. O risco de deterioração da democracia é óbvio. Ver post completo “[Coluna 28]: Os desafios da Covid-19 para a transparência, controle social e democracia”

Melhorias para exibição de despesas relacionadas ao Covid-19 no Portal da Transparência do governo federal

A pedido da Controladoria-Geral da União (CGU), a Transparência Brasil enviou sugestões de melhorias para a exibição das despesas relacionadas à Covid-19 no Portal da Transparência do governo federal. Desde 26 de março, o site disponibiliza consultas prontas sobre os gastos federais no controle da pandemia. Após reunir demandas e sugestões junto a jornalistas, organizações da sociedade civil e pesquisadores, enviamos uma lista com oito pontos para aperfeiçoar o fornecimento dos dados, dentre eles, melhor descrição dos gastos, possibilidade de baixar planilhas com gastos apenas de combate à Covid-19, disponibilizar informações de doações e campanhas publicitárias. Confira a íntegra das sugestões:

Ver post completo “Melhorias para exibição de despesas relacionadas ao Covid-19 no Portal da Transparência do governo federal”

Fórum de Direito de Acesso a Informações retoma ações de monitoramento da LAI

O Fórum de Direito de Acesso a Informações Públicas retomou as atividades em março de 2020, após alcançar a principal meta inicial de incentivar a aprovação de uma lei de acesso a informações no Brasil. Com composição reformulada, tem como objetivo intensificar o monitoramento da implementação da Lei 12.527/2011 (Lei de Acesso a Informação, LAI) que realizou de 2011 a 2017.

Criada em 2003 e lançada oficialmente em 2004 por iniciativa da Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo), a coalizão de organizações da sociedade civil teve papel fundamental na discussão e aprovação da LAI. Além de promover a pauta em eventos com autoridades públicas chave em 2003 e 2009, incidiu diretamente no processo.

Graças a gestões de organizações fundadoras do grupo (Abong, Inesc, OAB, Transparência Brasil e SOS-Imprensa), além do Instituto Ethos, ABI (Associação Brasileira de Imprensa) e Conselho das Igrejas Evangélicas, a Casa Civil encaminhou à Câmara dos Deputados em 2009 um projeto de lei cuja tramitação culminou na aprovação da LAI. A abrangência da Lei para todos os poderes em todos os níveis, a existência de uma instância de supervisão no governo federal e de uma lista anual de documentos classificados como sigilosos foram sugestões apresentadas formalmente pelo Fórum de Acesso, então sob coordenação do jornalista Fernando Rodrigues. De 2010 a 2011, dedicou-se a ações de pressão pública pela aprovação rápida do texto, como cartas compromisso de candidatos e carta pública à então presidente Dilma Rousseff.

A primeira ação da rede em 2020 foi participar da articulação de uma nota conjunta da sociedade civil contrária à Medida Provisória (MP) 928/2020, que permitiu a suspensão do prazo máximo de atendimento a pedidos de informação. A nota foi publicada em 24 de março, com repercussão na mídia. Em 26 de março, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes suspendeu a medida.

Além de estar atento para reagir a retrocessos impostos à LAI, o Fórum de Acesso realizará avaliações do cumprimento da regra e apontará soluções para melhorar a implementação da Lei de Acesso nos diferentes níveis e poderes. O propósito é reforçar o controle social que a rede realizou de 2011 até o fim de 2017 sob coordenação da Abraji, período no qual o Fórum prestou auxílio a jornalistas que pediram socorro com problemas relacionados ao uso da LAI, criou modelos de requerimento de acesso a informações e guias para uso da regra, além de coordenar edições do Mapa do Acesso a Informações Públicas.

O Fórum conta atualmente com 22 membros, que discutem e decidem conjuntamente as ações a serem concretizadas. Destes, nove já compunham a coalizão.

Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo)*
ANDI – Comunicação e Direitos*
Associação Contas Abertas*
Brasil.io
Escola de Dados
FENAJ (Federação Nacional dos Jornalistas)*
Fiquem Sabendo
Greg Michener (pesquisador e professor – FGV-Rio)
Inesc*
Instituto Centro de Vida (ICV)
Instituto Ethos
Instituto de Governo Aberto
Instituto Millenium*
Instituto Não Aceito Corrupção
ITS-Rio (Instituto Tecnologia e Sociedade)
Jeduca (Associação de Jornalistas de Educação)
Livre.jor
Projeto SOS Imprensa – UnB*
Renoi – Rede Nacional de Observatórios de Imprensa*
Rede Nossa São Paulo
Transparência Brasil*
Transparência Partidária

*Já compunham a rede

A Transparência Brasil exerce a coordenação da rede no biênio 2020-2021, como parte das ações do projeto Achados e Pedidos. Financiada pela Fundação Ford e realizada em parceria com a Abraji, a iniciativa tem como objetivo fortalecer a Lei de Acesso a Informação no Brasil. Além do Fórum de Acesso, envolve o maior repositório on-line de pedidos de informação e respectivas respostas do país – que neste ano concentrará esforços na área socioambiental.

Duas entidades que fundaram e compunham o Fórum deixam de fazer parte dos processos de tomada de decisão: Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (ANAMATRA); e Ministério Público Democrático (MPD). Fundamentais no processo de aprovação da LAI, essas organizações terão o status de Fundadoras e manterão a proximidade institucional; entretanto, como algumas ações desta nova etapa do Fórum poderão entrar em conflito com suas atribuições estatutárias, afastam-se do quadro executivo. As demais organizações da formação original do Fórum foram contatadas para renovar ou alterar sua participação na rede.

Nota conjunta: inconsequente e inaceitável

A Transparência Brasil assina nota pública conjunta com 50 outras organizações da sociedade civil a respeito do pronunciamento do presidente da República na noite o dia 24 de março de 2020.

Inconsequente e inaceitável

Vimos a público externar nossa indignação frente às ações do presidente da República, Jair Bolsonaro, que, mesmo em um contexto de tamanha gravidade e calamidade pública, continua a atuar de forma contrária aos limites razoáveis do regramento democrático e do decoro do cargo. Testemunhamos ao longo dos últimos meses dezenas de episódios que atestam sua sanha autoritária e aspiração de governar sem o contraponto e a cooperação do Parlamento, do sistema de justiça, da imprensa livre e da sociedade civil organizada.

Diante da trágica eclosão da pandemia do coronavírus, que no momento de fechamento desta nota já havia infectado 435.400 pessoas e levado à morte de 20 mil pessoas nos cinco continentes do planeta, Bolsonaro explicita sua faceta mais inconsequente e desumana. Em vez de honrar a responsabilidade de liderar o país neste momento crítico, o chefe do Executivo optou por desprezar a ciência, as recomendações dos órgãos internacionais de saúde e das autoridades sanitárias de seu próprio governo, colocando em risco a vida de milhões de brasileiros e prejudicando o esforço de países em todo o mundo no enfrentamento da pandemia da Covid-19.

A cada novo pronunciamento, Bolsonaro evidencia seu descompromisso com a preservação da vida da população brasileira, buscando inclusive desacreditar as iniciativas tomadas pelos governos estaduais e municipais que, sem uma liderança nacional confiável, buscam responder a esta crise sem precedentes na história recente da humanidade. Ele afronta e busca destruir os pilares mais elementares da convivência em sociedade: o respeito e a solidariedade humana.

A postura do presidente Jair Bolsonaro frente à pandemia da Covid-19 é inconsequente e inaceitável. Seu pronunciamento na noite de 24 de março atesta sem margem para dúvidas sua incompatibilidade com o cargo que ocupa, desprovido de premissas básicas de humanidade, empatia, e incapaz de produzir cooperação e honrar o compromisso de promover o bem-estar dos seus concidadãos e concidadãs.

Para além de ignorar suas recomendações incabíveis, exortamos todos os setores e instituições democráticas da sociedade brasileira, particularmente o Supremo Tribunal Federal e o Congresso Nacional, brasileiros e brasileiras e toda a comunidade internacional a repudiar de maneira veemente a conduta irresponsável do Presidente da República Federativa do Brasil que, em vez de liderar o país, optou por trilhar o caminho da ignorância e da barbaridade.

Reivindicamos que o Ministério da Saúde, o Congresso Nacional, os Governos Estaduais e Municipais mantenham as orientações de isolamento social, canalizem todos os recursos para a prevenção e enfrentamento da Covid-19, priorizando os setores mais vulneráveis da sociedade e garantindo recursos para que possamos zelar pela sobrevivência daqueles que enfrentam os efeitos mais perversos desta crise. Nada é mais importante do que a preservação de nossas vidas neste momento, sem distinção.

A despeito da insanidade e irresponsabilidade do presidente da República, o único caminho para atravessarmos a atual crise de forma digna e democrática reside na união de todos os atores sociais e políticos comprometidos com o bem-estar coletivo, o interesse público e os inegociáveis valores de humanidade e solidariedade.

Assinam:

  1. Ação Educativa
  2. ABI – Associação Brasileira de Imprensa
  3. Abong – Organizações em Defesa dos Direitos e Bens Comuns
  4. Agenda Pública
  5. Associação da Parada do Orgulho LGBT+ de São Paulo
  6. Atados
  7. BrCidades
  8. Casa Fluminense
  9. CEDAPS – Centro de Promoção da Saúde
  10. Cidade Escola Aprendiz
  11. Coletivo Imargem
  12. Conectas Direitos Humanos
  13. Engajamundo
  14. Frente Favela Brasil
  15. Fórum Brasileiro de Economia Solidária
  16. Fundação Tide Setubal
  17. Geledés – Instituto da Mulher Negra
  18. Gestos – Soropositividade, Comunicação e Gênero
  19. Goianas na Urna
  20. Grupo de Trabalho da Sociedade Civil para Agenda 2030
  21. Habitat para a Humanidade Brasil
  22. Instituto Braudel
  23. IDDD – Instituto de Defesa do Direito de Defesa
  24. IDS – Instituto Democracia e Sustentabilidade
  25. INESC – Instituto de Estudos Socioeconômicos
  26. Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social
  27. Instituto Nossa Ilhéus
  28. Instituto Physis – Cultura & Ambiente
  29. Instituto Update
  30. Instituto Vladimir Herzog
  31. Judeus pela Democracia
  32. Labhacker
  33. Move Social
  34. Movimento Boa Praça
  35. Movimento Nossa BH
  36. Política Viva
  37. ponteAponte
  38. Programa Cidades Sustentáveis
  39. Ocupa Política
  40. Oxfam Brasil
  41. Rede Brasileira de Renda Básica
  42. Rede Justiça Criminal
  43. Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV e AIDS
  44. Rede Nossa São Paulo
  45. Tapera Taperá
  46. Think Olga
  47. Transparência Brasil
  48. Transparência Capixaba
  49. UNE – União Nacional dos Estudantes
  50. Virada Política
  51. Vote Nelas

Nota conjunta: só venceremos a pandemia com transparência

Nota conjunta de repúdio às alterações do acesso à informação pela MP nº 928

As organizações e os especialistas abaixo manifestam seu repúdio às alterações nos procedimentos de acesso à informação feitas pela Medida Provisória (MP) nº 928. O texto, publicado no último 23 de março de 2020, ataca gravemente os mecanismos de acesso à informação e de transparência pública. Pelos motivos apresentados abaixo, exigimos a revogação do trecho que inclui o artigo 6º-B na Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020. Ver post completo “Nota conjunta: só venceremos a pandemia com transparência”

Newsletter – Março de 2020

Confira a edição de março da newsletter da Transparência Brasil. Ela tem periodicidade mensal e você também pode recebê-la no seu e-mail assim que ela fica pronta, inscrevendo-se aqui.

Além dos informes das atividades da Transparência Brasil, nossa newsletter também traz informações relevantes sobre os temas de transparência, controle social, integridade outras notícias que foram destaque no mês. Acesse a edição completa .

Destaques de março:

  • Decisão da CGU que impõe sigilo sobre relatórios de monitoramento de redes sociais;
  • Participe do dia Ajude a organizar a participação da sociedade civil na ICIC;
  •  a necessidade de controle social sobre o uso massivo de novas tecnologias por governos e empresas.

Tecnologia, transparência e direitos

Desde os anos 90 havia um otimismo no campo da boa governança em torno da tecnologia. E, de fato, em perspectiva histórica, diferentes tecnologias permitiram avanços econômicos, políticos e sociais, de forma que o cenário que se avistava comporia mais um capítulo do desenvolvimento político-social. Novas tecnologias seriam propulsoras de inovação possibilitando a participação de camadas excluídas, dando finalmente voz a minorias e fortalecendo a qualidade da democracia liberal. Mais de vinte anos depois, a percepção sobre os usos de ferramentas tecnológicas não poderia ser mais diferente. 

Uma das grandes preocupações está no uso de machine learning por movimentos autoritários em todo o mundo resultando no cerceamento de liberdades civis. Isto inclui perseguição à sociedade civil por meio de ferramentas de vigilância, como tecnologias de reconhecimento facial, ou por disseminação orquestrada de fake news

A ausência regulatória no uso de ferramentas de machine learning foi um dos grandes temas do Tech Camp for Civic Space Defenders, imersão do International Center for Not-for-Profit Law e da Universidade de Stanford, realizado em fevereiro e que contou com a presença de organizações convidadas da sociedade civil de diferentes países, dentre elas a Transparência Brasil. O objetivo do evento era fortalecer a atuação de ONGs na sua luta de defesa do espaço cívico frente a ataques autoritários com uso de machine learning.

A discussão sobre a participação de empresas de tecnologia no processo de regulação levanta pontos opostos: se por um lado é fundamental que plataformas responsáveis pelos algoritmos sejam aliadas na defesa da democracia e de direitos, por outro, seria inocente esperar que grupos privados atuem para acabar com seu próprio modelo de negócios que venda grandes quantidades de dados comportamentais ou que privilegia a voz de extremistas por gerar mais engajamento. 

A inércia das democracias ocidentais, que não impõem uma regulação às empresas de tecnologia para proibir que suas ferramentas continuem a ser usadas para minar direitos humanos, tem resultado na deterioração da própria democracia. 

A grande preocupação é que diante desse vácuo regulatório, a China tem exercido grande influência com sua exportação em massa de tecnologia. E por ser um país autoritário, que monitora sua população por um sistema de crédito social, sua influência traz grandes riscos para a sociedade civil. A falta de uma estrutura de governança e transparência no emprego de tais ferramentas, somada ao desconhecimento técnico sobre algoritmos, resulta em uma ameaça para os direitos civis. No Brasil, o governo tem cada vez mais usado inteligência artificial com diferentes propósitos, que incluem desde a inibição da evasão escolar até identificação facial de suspeitos de crimes, e até hoje não existem informações nem sobre a extensão do uso destas tecnologias, nem dos algoritmos utilizados. Quando questionados, órgãos públicos se recusam a fornecer essas informações, ferindo a transparência pública e a prestação de contas com a sociedade. O STF, por exemplo, continua a negar acesso ao seu algoritmo de distribuição de processos. Tem-se então uma caixa-preta na tomada de decisões pelo poder público que só se faz maior.

A Transparência Brasil já tem trabalhado pelo que se chama transparência algorítmica. No Conselho de Transparência do Estado de São Paulo, exigimos a prestação de contas na  implementação de sistemas de reconhecimento facial no metrô paulistano. A transparência algorítmica e o seu acompanhamento também serão temas da próxima International Conference of Information Commissioners, organizado pela Controladoria-Geral da União em parceria com a Transparência Brasil e a Artigo 19. 

Acreditamos que as organizações da sociedade civil devam apresentar uma resposta rápida ao uso massivo de inteligência artificial de maneira a evitar injustiças e, ao mesmo tempo, garantir a eficiência que as tecnologias promovem.