MP-MS viola regras e esconde nomes de agentes públicos ao divulgar salários

Em afronta à Lei de Acesso à Informação (LAI) e ao que determina o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), o Ministério Público do Mato Grosso do Sul (MP-MS) passou a esconder a remuneração nominal de seus agentes públicos.

Desde fevereiro, o portal de transparência do MP-MS informa apenas o cargo e local de lotação associado a cada remuneração. Ou seja, é impossível saber quanto cada membro e servidor específico recebeu no mês. Acionado via LAI, o órgão também se negou a detalhar nominalmente os vencimentos.

Em resposta ao pedido de informação da Transparência Brasil, o Procurador-Geral de Justiça do MP-MS alega que a mudança no formato de divulgação tem como objetivo dificultar a raspagem de dados, proteger a segurança dos membros e adequação à Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). A decisão menospreza o interesse público das informações completas e ignora dispositivos legais e judiciais.

Ao contrário do que alega o MP-MS, a divulgação nominal da folha de pagamento se enquadra em uma das hipóteses de tratamento de dados pessoais (o que inclui a divulgação) permitidas pela LGPD. O art. 7º, inciso II do texto estabelece que o tratamento pode ser feito se necessário ao “cumprimento de obrigação legal ou regulatória” por quem detém os dados.

O CNMP obriga, de forma cristalina, a inclusão dos nomes dos membros na divulgação das remunerações. A Resolução 89/2012 do colegiado, que regulamenta a LAI nos Ministérios Públicos, estabelece que cada unidade deve disponibilizar em seu site as remunerações recebidas por seus membros e servidores “(…) com identificação individualizada e nominal do beneficiário e da unidade na qual efetivamente presta serviços”.

Ao se negar a informar os dados após requisição pela LAI, o MP-MS também ignorou a tese de repercussão geral firmada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2015, segundo a qual a divulgação nominal da remuneração de servidores públicos é legítima e não configura violação de privacidade. A Corte entendeu que, nesse caso, prevalece o interesse público da publicização das informações.

A suposta necessidade de “dificultar a realização de ‘raspagem’ de dados” se fundamenta no fato de que a atividade pode ser usada na elaboração de bases de dados nominais “para posterior venda a terceiros”, segundo alegou o MP-MS na resposta via LAI. Entretanto, o órgão não demonstra como isso representaria um risco ou um prejuízo concreto à instituição ou a seus membros. A relevância da raspagem de dados como instrumento de controle social, produção de conhecimento e de políticas públicas relativas ao Ministério Público e outros órgãos, por outro lado, já foi demonstrada em várias ocasiões. 

A sociedade civil, a academia e o jornalismo coletam dados de alto interesse público – como a remuneração de servidores públicos – por meios automatizados e geram alto impacto para a população. Os projetos DadosJusBr, da Transparência Brasil, Querido Diário, da Open Knowledge Brasil, e Monitor de Atos Públicos, da Política por Inteiro, são apenas alguns exemplos. 

Ao comparar os benefícios concretos deste uso da raspagem de dados com os eventuais danos causados pelo uso para venda dos dados nominais, fica evidente que a escolha deve ser pela manutenção das informações nominais.

A verificação do argumento de que a restrição da transparência das folhas de pagamento protegerá os membros do MP-MS é impedida, justamente, pela opacidade do órgão. Em resposta a um pedido da Transparência Brasil por uma relação de casos em que a segurança pessoal de promotores ou procuradores foi comprometida pela divulgação de remunerações, o MP-MS alegou que o fornecimento de eventuais informações sobre esse tipo de ocorrência geraria riscos aos membros e à segurança do próprio órgão. 

A Lei de Acesso à Informação estabelece que, caso haja necessidade justificada de impor sigilo a alguma informação que componha um conjunto delas, o órgão público pode ocultar ou restringir o acesso apenas aos dados de fato sensíveis (os relativos a membros comprovadamente em risco por conta de suas funções). Ou seja, não há necessidade de limitar o acesso a dados sobre todo o corpo funcional. Assim, garante-se que o sigilo seja a exceção, e não a regra.

A medida é um inaceitável ato de menosprezo ao dever de prestação de contas por parte do MP-MS. A falta é ainda mais grave por partir de um órgão cujo papel é fundamental para a defesa e manutenção da democracia. A Transparência Brasil formalizará denúncia junto ao CNMP e ao Tribunal de Contas do Mato Grosso do Sul para a reversão da medida.

Independentemente do acionamento dos órgãos, a TB apela à razoabilidade do Procurador-Geral e ao compromisso de uma atuação condizente com os princípios da administração pública de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência que sua função exige para que a alteração no formato de divulgação das remunerações seja reconsiderada e a transparência sobre tais dados, recomposta o mais rapidamente possível.