No último 28.nov.2023, o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) impôs um gravíssimo retrocesso à transparência sobre a remuneração de membros dos MPs, ao regulamentar a aplicação da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) pelos órgãos.
O colegiado aprovou, por unanimidade, uma medida que obriga os cidadãos a se identificarem para consultar os dados de remuneração de promotores e servidores disponibilizados nos portais de transparência dos MPs. Ou seja, criou um constrangimento ao exercício do direito constitucional de acesso à informação.
A exigência de fornecer nome e um número de documento, que aparece no art. 172 do texto, foi proposta pela Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) e viola ao menos três leis ao mesmo tempo: a Lei de Acesso a Informações (LAI), a própria LGPD e a Lei de Governo Digital.
Tanto a LAI quanto a Lei de Governo Digital determinam que a publicação de dados pelos órgãos públicos deve ser feita de maneira a permitir a coleta automatizada. Essa prática é fundamental e indispensável para que a sociedade possa acompanhar atividades e gastos do poder público. É por meio dela, por exemplo, que a plataforma DadosJusBr, da Transparência Brasil, possibilita a consulta de remunerações em 109 órgãos do Judiciário e do Ministério Público. A necessidade de fornecer uma identificação antes de acessar os dados cria uma barreira à obtenção dos dados de forma automatizada e, portanto, inviabiliza iniciativas como essa.
A LGPD, por sua vez, estabelece que dados pessoais só podem ser coletados e armazenados quando for estritamente necessário, e por razões específicas. Não há qualquer necessidade de se coletar o nome e o documento de identificação de qualquer pessoa para franquear-lhe o acesso a informações de interesse público disponíveis em sites oficiais, e a resolução do CNMP não apresenta uma razão específica para exigir o fornecimento desses dados. O Conselho tampouco estabeleceu o prazo pelo qual esses dados deverão ser armazenados, o que também contraria a LGPD – e indica que a preocupação com a proteção de dados pessoais alcança apenas a eles próprios, e não aos demais cidadãos.
A exigência de identificação prévia para acesso a informações sobre remunerações já se provou extremamente prejudicial ao controle social. Em 2012, o Senado Federal adotou o mesmo procedimento. Como consequência, uma servidora questionou e ofendeu o cidadão que havia consultado sua remuneração. Diante da repercussão negativa do caso, o Senado revogou a medida. A servidora, processada por danos morais, foi condenada a pagar uma indenização ao cidadão.
Por mais de uma vez, a Transparência Brasil e o Fórum de Direito de Acesso a Informações Públicas alertaram o CNMP, enquanto instituição, e cada um dos conselheiros a respeito de tais violações. Em agosto de 2022, solicitaram, por meio de uma carta, a retirada do trecho. O pedido foi reiterado em ofícios e memoriais enviados aos membros do colegiado ao longo de todo o ano de 2023.
Causa profunda consternação que o Conselho tenha colocado os interesses corporativos dos membros do Ministério Público acima do princípio da publicidade que rege a administração pública, disposto na Constituição Federal, e ignorado a demanda da sociedade por transparência e accountability da instituição. Tal postura macula o papel que o MP exerce enquanto órgão essencial para a democracia brasileira, e coloca em xeque a sua credibilidade junto aos cidadãos.
As remunerações de promotores e procuradores são parte significativa da despesa dos Ministérios Públicos: o DadosJusBr mostra que, só em 2023 (até outubro), o Ministério Público da União pagou ao menos R$ 957 milhões em salários e R$ 273 milhões em benefícios (valores brutos) a seus membros. O MPU abrange o Ministério Público Federal (MPF), Ministério Público do Trabalho (MPT), Ministério Público Militar (MPM) e o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MP-DFT).
Conforme defende na campanha Compromisso Estampado, a Transparência Brasil considera indispensável que Paulo Gonet – ao que tudo indica, o próximo procurador-geral da República e, consequentemente, o futuro presidente do CNMP – se comprometa de forma concreta e inequívoca com a promoção da transparência e da accountability do Ministério Público. A melhor forma de Gonet fazê-lo, neste momento, é condenar publicamente a aprovação desse retrocesso e, ao assumir o cargo, tomar as providências necessárias para revogar o art. 172 da resolução recém-aprovada.
A omissão neste tema indicará que o novo PGR, a exemplo do que se observa há décadas, preocupa-se mais com a defesa dos interesses da classe do que com o interesse público – o que contribui para deteriorar a confiança da população no MP e, consequentemente, na democracia brasileira.
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