Resolução da Casa Civil para aperfeiçoar gestão da aplicação de sigilos é bem-vinda, mas incompleta

Na última quarta-feira (21.fev.2024), a Casa Civil da Presidência da República publicou resolução que cria um sistema para centralizar os registros sobre a classificação de documentos como sigilosos no Executivo federal. A medida foi anunciada após relatório da Transparência Brasil revelar que a base de dados da Comissão Mista de Reavaliação de Informações (CMRI), responsável pelo monitoramento dos sigilos, apresentava 1.971 registros a menos do que as listas publicadas por órgãos ministeriais com informações nos graus secreto e ultrassecreto. A Casa Civil exerce a secretaria-executiva da CMRI.

Atualmente, cada órgão federal publica suas próprias listas de documentos classificados como sigilosos e de documentos desclassificados (ou seja, tornados públicos). Para ter uma relação completa desses documentos, uma pessoa precisaria reunir as listas de centenas de unidades, cada qual em um formato e padrão diferentes.

A Transparência Brasil considera positiva a criação do Sistema para Tratamento de Informações Classificadas e a iniciativa de aperfeiçoar a gestão dos registros sobre classificação de informações. A unificação dos registros para divulgação facilitará o controle social sobre a aplicação de sigilos. É, portanto, uma ação essencial para ampliar a garantia de que o sigilo será de fato uma exceção, como determina a Lei de Acesso à Informação (LAI).

O texto da resolução, entretanto, não soluciona uma lacuna importante. A CMRI continuará a depender apenas da presteza dos órgãos para ter uma lista completa dos Termos de Classificação de Informação (TCIs) relativos a informações secretas e ultrassecretas. Bastará que um órgão esqueça ou deixe de cumprir a obrigação de cadastrar todos os TCIs (que indicam órgão classificador, motivo para o sigilo, grau do sigilo e outros dados) e a base de dados do novo sistema estará incompleta.

Como a resolução não estabelece uma rotina para a CMRI verificar se os órgãos cadastram todos os seus TCIs, nem sanções a serem aplicadas aos que deixarem de fazê-lo, tende-se a continuar o problema diagnosticado pela TB: disparidade entre o que os órgãos classificaram nos mais altos graus de sigilo e o que a CMRI sabe que existe. Em um prognóstico otimista, a disparidade poderá se reduzir.

Um ponto muito bem-vindo da resolução é que o Sistema para Tratamento de Informações Classificadas também servirá para receber e gerir pedidos de revisão da aplicação de sigilos. A LAI permite que qualquer pessoa solicite a retirada ou a alteração do sigilo aplicado sobre alguma informação, se julgar que a classificação foi inadequada.

Desde 2012, quando a LAI entrou em vigor, a apresentação do pedido deve ser feita por meio de um formulário disponibilizado pelo órgão que classificou a informação, que é enviado por correio ou e-mail à autoridade que assinou a classificação. Não é possível acompanhar a tramitação da solicitação de revisão, nem garantir que ela foi recebida. Com frequência, o pedido sequer é respondido.

Com o novo sistema, deve ser mais fácil seguir o andamento do pedido e apresentar recurso contra eventual negativa. Também será possível reclamar caso a solicitação não seja respondida no prazo determinado pela LAI.

Esse trecho da resolução, entretanto, evidencia um limite já existente à apresentação de pedidos de desclassificação: “[a] pessoa física ou jurídica que pedir desclassificação deverá indicar ao menos o CIDIC e o órgão classificador.” CIDIC é o número que identifica a informação sigilosa, composto por alguns códigos e datas.

O problema é que as listas de informações classificadas de 2012 a 2023 não trazem informação suficiente sobre cada uma para possibilitar a identificação de casos de sigilo inadequado ou desproporcional – o que motivaria um pedido de desclassificação. Elas contêm o CIDIC, o trecho da LAI que justificaria o sigilo e, quando muito, o assunto do qual a informação trata (Transporte, Segurança, Saúde etc).

A obrigação de que os órgãos publiquem um resumo de cada informação classificada como sigilosa (que facilitaria a identificação de casos prováveis de má aplicação de sigilo e, portanto, a apresentação de pedidos de revisão) só foi estabelecida em abril de 2023, com uma alteração no Decreto 7.724/2012 (art. 31, inciso VII-A).

Ou seja, há três opções trabalhosas para pedir a revisão da aplicação de sigilos realizadas nos últimos 11 anos. A primeira é fazer pedidos de desclassificação na base da tentativa e erro, usando os CIDICs disponíveis – obviamente, um desperdício de tempo e recursos, inclusive públicos. 

A segunda opção é fazer o pedido de desclassificação já sabendo o que tem em determinado documento e, consequentemente, seu CIDIC e órgão classificador. Isto só é viável para a maioria dos casos (de 2012 a 2023) se a pessoa já tiver tido acesso ao documento ou ao TCI de alguma forma ou se já tiver havido uma negativa a um pedido por aquela informação (na qual, em tese, haveria a informação de que está sob sigilo e o número do CIDIC).

A terceira é apresentar pedidos de informação pelo fornecimento do resumo de informações classificadas como sigilosas para, então, avaliar se é o caso de solicitar a revisão da classificação. 

Há também um risco de o pedido de revisão de sigilo se arrastar indefinidamente. De acordo com o art. 12 da resolução, se um recurso contra a negativa a uma solicitação de revisão chegar à CMRI, o órgão que classificou a informação deverá prestar esclarecimentos. Não se define, entretanto, o prazo para que esses esclarecimentos sejam prestados nem o que a Comissão deve fazer na ausência de tais informações. Desta forma, abre-se a possibilidade de um recurso não ser concluído por longo tempo.

O texto se encerra deixando a cargo da CMRI apreciar “casos omissos” a respeito da publicação de listas de informações classificadas e desclassificadas e procedimentos de pedidos de revisão de sigilos. Não seria um grande problema se não houvesse omissões tão relevantes.

É extremamente importante que a resolução seja aprimorada de pronto, em especial quanto à garantia de que todos os Termos de Classificação de Informação estejam cadastrados no Sistema para Tratamento de Informações Classificadas, e em relação ao tempo para a análise de recursos contra indeferimento de pedidos de revisão da desclassificação.