Em junho de 2020, a Transparência Brasil listou os retrocessos e bloqueios à transparência pública no governo federal desde janeiro de 2019, início do governo Bolsonaro. Neste mês em que a Lei de Acesso à Informação (LAI) completa 10 anos em vigor, a ONG publica a atualização daquela lista – aproveitada, em parte, pelo site Congresso em Foco nesta terça (17.mai.2022).
O levantamento não se pretende completo, pois provavelmente há casos que não chegaram a público por meio da imprensa ou de organizações da sociedade civil. A relação contém tanto atos legais quanto ações do Executivo federal contrários à transparência pública.
Dispositivos legais
De 2019 até dezembro de 2021, foram ao menos 4 atos legais contra a transparência:
23/01/2019
Alterou regras de aplicação da Lei de Acesso à Informação (LAI) no Executivo federal determinadas no Decreto 7.724/2012, ampliando o grupo de agentes públicos autorizados a colocar informações públicas nos mais altos graus de sigilo: ultrassecreto (25 anos, renováveis por mais 25) e secreto (15 anos).
Foi revogado após pressão da sociedade civil e possibilidade concreta de derrota no Congresso, que mostrava tendência de derrubar o decreto.
11/04/2019
Extinguiu colegiados federais (conselhos, comitês, grupos de trabalhos, entre outros), reduzindo a participação social – e, consequentemente, a transparência – no governo. O próprio Decreto é pouco transparente, pois não enumera os colegiados a serem extintos e tem redação dúbia.
09/07/2019
Vetos à Lei 13.853/2019 (Lei Geral de Proteção de Dados)
O presidente vetou trecho da Lei que assegurava a proteção de dados das pessoas que apresentassem pedidos de acesso a informações. O inciso IV do art. 23 garantia que a identidade do requerente de informações públicas não circularia por todos os órgãos e departamentos acionados para o envio da resposta – reduzindo, assim, o atendimento “diferenciado” a pedidos de acordo com a identidade de quem pede a informação – algo que pesquisas já mostraram acontecer.
23/03/2020
Suspendeu os prazos de atendimento a pedidos de informação determinados na Lei de Acesso a Informações, sem possibilidade de recurso contra tais negativas de atendimento a pedidos. Na prática, suspendeu a transparência passiva garantida pela LAI.
Teve os efeitos suspensos após liminar deferida pelo ministro do STF Alexandre de Moraes e confirmada pelo plenário do Supremo.
Abril/2021
Presidência da República veta trecho (art. 174, §5º) da nova Lei de Licitações que tornava obrigatória a criação da Base Nacional de Notas Fiscais Eletrônicas, que tornava acessíveis esses documentos relativos a compras e contratações públicas.
Presidência também havia vetado trecho da nova lei que obrigava a publicação de editais de licitação em jornais de grande circulação. O veto foi derrubado pelo Congresso.
09/12/2021
Decreto 10.888 finge impor publicidade às emendas de relator – que compõem o orçamento secreto -, mas não obriga a divulgação de nomes dos “padrinhos” das emendas nem determina a criação/aperfeiçoamento de sistema que reúna essas informações
10/12/2021
Decreto 10.889 impõe publicidade a agendas de autoridades, mas deixa brecha enorme para manutenção de compromissos e informações relacionadas a ele sob sigilo
Ações e omissões
Além de decretos e medidas legais, o governo federal adotou discursos e práticas contrários à transparência pública.
Todo o período
Sigilo sobre despesas realizadas com cartão corporativo da Presidência da República
Janeiro-Fevereiro/2019
Número de pedidos de informação ao governo federal negados sob o argumento de serem “expedição de pescaria” aumentou em 2019, conforme levantamento da Agência Pública. O argumento não existe na Lei de Acesso, portanto não poderia ser usado.
Fevereiro/2019
O ministério da Justiça negou um pedido por informações sobre eventual encontro do então ministro Sergio Moro com representantes de fabricante de armas e munições sob o argumento de “direito à privacidade”.
Abril/2019
Em 10 de abril, o IBGE anunciou corte no orçamento para a realização do Censo 2020, o que geraria impacto sobre os dados produzidos pela pesquisa e a comparabilidade com os anos anteriores.
O Ministério da Economia decretou sigilo sobre estudos e pareceres técnicos que embasaram a PEC da reforma da Previdência. Após indicativo de derrubada do sigilo no Congresso, o governo abriu parte dos dados.
Maio/2019
O governo federal censurou um estudo da Fiocruz sobre o uso de drogas no Brasil, pois o ministério da Cidadania discordava dos resultados da pesquisa. Após acordo entre AGU, Ministério da Justiça e Fiocruz, o levantamento foi divulgado em agosto.
Agosto/2019
Presidente da República e ministro do Meio Ambiente contestam e desqualificam dados públicos do INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) sobre desmatamento e queimadas no país. O então diretor do INPE Ricardo Galvão foi exonerado após defender as informações.
Planalto nega acesso a informações sobre visitas ao Palácio da Alvorada e alega sigilo de 5 anos.
Fevereiro/2020
A CGU impediu a divulgação de relatórios de monitoramento de redes sociais encomendados pela Secretaria Especial de Comunicação Social da Presidência da República (Secom). A questão chegou à CGU após a Secom negar ao jornal “O Estado de S.Paulo”, por três vezes, o acesso a todos os relatórios produzidos entre 1º de janeiro a 23 de novembro de 2019. O Ouvidor-Geral da União adjunto, Fabio do Valle Valgas da Silva contrariou parecer técnico que recomendava a divulgação das informações e negou acesso aos dados.
Março/2020
Em 30 de março, o governo federal suspendeu temporariamente a divulgação dos dados de emprego no país, sob a justificativa de atraso na coleta e consolidação dos dados. No início de maio, os dados ainda não estavam disponíveis. Foram divulgados apenas no final de maio. Mas há relatos de problemas nos microdados.
Março-Abril/2020
Órgãos federais negaram atendimento a pelo menos 24 pedidos de informação no intervalo de 1 mês, mesmo após a suspensão da MP 928
A Presidência da República se recusa a divulgar exames segundo os quais o presidente Bolsonaro teria testado negativo para o novo Coronavírus. Os exames só foram divulgados após batalha judicial com o jornal O Estado de S.Paulo.
Maio-Junho/2020
A Casa Civil da Presidência da República se negou a fornecer estudos e relatórios sobre hidroxicloroquina e cloroquina produzidos pelo CCOP (Centro de Coordenação das Operações do Comitê de Crise da Covid-19). O argumento é de que se tratam de documentos preparatórios e que, portanto, só poderiam ser divulgados após a tomada de decisão.
Junho/2020
O Ministério da Saúde tira do ar o portal com dados oficiais de casos de Covid-19 no país, sob a justificativa de alteração de metodologia de divulgação. O novo portal colocado no lugar não continha o número acumulado de casos e mortes e deixou de divulgar as taxas de contaminação e óbitos por 100 mil habitantes e de letalidade. Não era mais possível, além disso, fazer o download da base de dados. Bases de dados com o histórico da Covid-19 e de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) no Brasil desapareceram do repositório do SUS (Sistema Único de Saúde).
Após pressão da sociedade civil e decisão do STF, algumas informações voltaram ao ar.
Junho/2020
Há mais de oito meses, o Ministério do Meio Ambiente e o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente) omitem dados de áreas embargadas por crime ambiental.
O Ibama também deixou de fornecer informações sobre autuações, multas e apreensões feitas contra desmatadores na região amazônica, sob a justificativa de que a competência de divulgação de dados da Amazônia Legal é da vice-presidência da República.
2019-2020
Adotando um procedimento não previsto na LAI e contrariando a si própria, a CGU adotou o entendimento de que pareceres jurídicos usados para embasar a sanção e vetos presidenciais a projetos de lei aprovados no Congresso são sigilosos. Segundo a CGU, aplica-se o sigilo entre cliente e advogado em relação à Advocacia-Geral da União e às assessorias jurídicas dos órgãos federais.
Julho/2020
SECOM descumpre determinação da CGU de divulgar listas de sites, canais do YouTube e aplicativos em que a secretaria veiculou anúncios.
Agosto/2020
Transparência Brasil detecta aumento do uso de justificativas controversas para negar atendimento a pedidos de informação pelo governo federal. De janeiro de 2019 a junho de 2020, o uso dos termos “trabalho adicional”, “fishing”, “desproporcional”, “desarrazoado” e “pedido genérico” chegou a estar presente em 40% do total de negativas emitidas pelo Executivo federal.
Setembro/2020
Transparência do governo federal sobre contratações durante a pandemia de covid-19 é avaliada como pior do que 20 dos 26 estados da federação.
A omissão do governo federal na divulgação de pagamentos a militares inativos e pensionistas completa um ano, em descumprimento a decisão do TCU. A liberação dos dados aconteceu apenas em junho/2021.
Vice-presidente desqualifica órgão do governo federal que produz e divulga dados sobre desmatamento. Polícia Federal segue o exemplo.
Ministério da Economia coloca sigilo sobre documentos que embasaram a proposta de Reforma Administrativa apresentada ao Congresso Nacional.
Dezembro/2020
Transparência sobre a pandemia de covid-19 continua com problemas: fontes de informação desatualizadas ou conflitantes, inexistência ou inconsistência de dados.
2020-2021
Dados abertos no Portal da Transparência sobre licitações e contratos do governo federal estão incompletos desde 2020. Faltam os dados que conectam contratos a procedimentos de licitação, impedindo o acompanhamento de todos os passos do processo.
Janeiro/2021
A existência do Orçamento Secreto é revelada, evidenciando a falta de transparência do Ministério do Desenvolvimento Regional na aplicação das emendas de relator e do Congresso Nacional no uso do instrumento.
O então ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello, anuncia início da vacinação contra covid-19 no país com a frase de efeito “no dia D, na hora H”, com informações incompletas sobre o Plano Nacional de Imunização.
Em resposta a pedido de informação, o Planalto afirma que o cartão de vacinação do presidente da República é documento pessoal e está sujeito a sigilo de 100 anos.
O GSI se nega a fornecer dados sobre visitas de lobistas de armas e advogados de Flávio Bolsonaro ao Palácio do Planalto, sob o argumento de cumprimento da LGPD.
Março/2021
Falta de transparência afeta agora dados sobre a vacinação: cerca de 70% das informações que deveriam ser públicas e acessíveis à sociedade estavam incompletas, indisponíveis ou inconsistentes, segundo relatório. Inclui o Plano Nacional de Imunizações, que a esta altura já estava em sua quarta edição.
Previsões de entregas de imunizantes vão e vêm, gerando incertezas.
Ministério da Saúde altera, sem aviso prévio, sistema de registro de mortes por covid-19, o que se reflete em uma queda drástica – mas enganosa – no número. Após críticas e questionamentos, o MS volta atrás.
Governo federal impõe sigilo sobre compras ou contratações de serviços públicos relacionados ao lançamento de veículos espaciais.
Abril/2021
Presidente desqualifica dados produzidos pelo IBGE sobre desemprego no país.
Maio/2021
Governo federal nega acesso a relatórios de fiscalização de trabalho análogo à escravidão, contrariando entendimentos anteriores pela publicidade dos dados e ancorando-se na LGPD.
Junho/2021
Exército impõe sigilo de 100 anos a processo administrativo que isentou o general Eduardo Pazuello de punição por engajamento em atividade político-partidária.
Julho/2021
Conselho da Amazônia não sabe explicar origem do montante que diz ter arrecadado com a Operação Verde Brasil 2
Imprensa revela que a Polícia Federal pretende comprar software de vigilância em massa sem divulgar valores envolvidos nem detalhes sobre o uso dos dados a serem coletados.
Governo anuncia que a divulgação de dados oficiais sobre queimadas no Brasil não será mais realizada pelo INPE e passará ao Inmet. Com as críticas, o governo publica uma nota “veja bem, não é assim”.
Polícia Federal restringe acesso a todos os processos registrados no órgão por meio do Sistema Eletrônico de Informações (SEI).
GSI se nega a fornecer dados sobre visitas do deputado federal Luis Miranda ao presidente Jair Bolsonaro no Palácio do Planalto. O deputado havia alegado à CPI da Covid que alertara o presidente sobre possível corrupção na compra de vacinas da Covaxin, durante encontro no Palácio.
O órgão nega, ainda, dados sobre visitas de representantes da Precisa Medicamentos – suspeita de envolvimento na possível corrupção em relação à compra de vacinas – à Presidência da República.
Itamaraty nega acesso a documentos relacionados à prisão, no Egito, de médico acusado de fazer comentários sexistas a uma mulher muçulmana.
Plataforma Lattes fica fora do ar por dez dias, sem explicações detalhadas ou factíveis sobre os motivos.
Novo ministro do Meio Ambiente distorce dados sobre desmatamento e fragilidade da fiscalização ambiental
Paulo Guedes, ministro da Economia, desqualifica dados do IBGE sobre desemprego
Agosto/2021
Em resposta a pedido de informação sobre crachás de acesso de filhos do presidente ao Palácio do Planalto, GSI diz que estão sujeitas a sigilo de 100 anos
Ministério das Minas e Energia deixa de divulgar índice de risco de racionamento de energia, sob o argumento de que é “ineficaz”
Mudança na forma de divulgação de dados sobre jetons pagos a servidores públicos dificulta monitoramento do pagamento do benefício a militares
Ministério da Saúde aplica sigilo sobre documentos que tratam da compra de vacinas da Covaxin – processo sobre o qual pairam suspeitas de ilegalidades.
Setembro/2021
Ministério da Cidadania descumpre prazo de resposta a pedido via LAI sobre Auxílio Brasil
GSI continua a dificultar acesso a informações sobre visitantes no Palácio do Planalto com base na LGPD, ignorando orientações da Controladoria-Geral da União (CGU)
Ministério da Saúde e Secretaria de Governo restringem acesso a informações sob a alegação de “risco político” – argumento inexistente na Lei de Acesso a Informação e contrário ao princípio da publicidade
Outubro/2021
Exército impõe sigilo a processo de admissão de Laura Bolsonaro em colégio militar
CGU muda precedente e confirma restrição a nomes de autuados por trabalho análogo à escravidão
Levantamento d’O Globo registra queda nas respostas a pedidos de acesso a informações no governo federal e atraso na divulgação de 930 bases de dados
Novembro/2021
Ministério do Meio Ambiente retém dados sobre desmatamento durante COP-26, alegando que não sabia deles na época. Documento indica que os dados estavam à disposição do ministro desde 27 de outubro (quatro dias antes da reunião mundial)
Dados da Transparência Brasil mostram manutenção de tendência de aumento no indeferimento de recursos contra negativas de acesso à informação/respostas incompletas pela CGU
INEP classifica como sigiloso processo administrativo que possibilitou a entrada de policial federal na sala segura em que perguntas do Enem são elaboradas.
Ricardo Borda D’água, ligado à área de segurança pública e sem experiência no ramo da arquivologia ou gestão da inofrmação, é nomeado diretor do Arquivo Nacional
Dezembro/2021
Advocacia-Geral da União recorre à Justiça Federal para manter a aplicação do “sigilo de advogado” a pareceres jurídicos que embasam sanção e vetos da Presidência da República a projetos de lei. A aplicação havia sido suspensa em novembro após pedido de liminar da Transparência Brasil e da Rede Liberdade.
Uso da LGPD para negar acesso a informações se multiplica de 2020 para 2021, com destaque para a liderança do GSI na aplicação do procedimento para não divulgar informações sobre o acesso de pessoas a palácios e prédios públicos.
Governo federal não divulga detalhes sobre ataques digitais que afetam a segurança e a disponibilidade de informações sobre a covid-19 e o serviço de comprovação de vacinação, sobre as providências para solucionar o problema nem dá prazos precisos para a solução.
Janeiro/2022
Completa-se um mês da inoperância de sistemas de dados do Ministério da Saúde, o que prejudica a coleta e a divulgação de dados epidemiológicos – incluindo sobre a covid-19
O apagão de dados de Saúde continua, ocasionando problemas em ao menos 15 estados.
Cinco ministérios descumprem o decreto que determinou a semi-transparência das emendas de relator
Depois de apontarem esvaziamento do Arquivo Nacional, chefes são exoneradas
Fevereiro/2022
INEP retira do ar microdados educacionais, como os do Censo Escolar, sob o argumento de adaptação à LGPD.
AGU não se move para questionar decisão judicial que determinou censura a trechos do relatório final da Comissão Nacional da Verdade; apressou-se apenas em determinar o cumprimento.
Abril/2022
GSI nega acesso a registros de entrada e saída, no Palácio do Planalto, de Valdemar Costa Neto, presidente do atual partido do presidente da República, sob o argumento de “risco à segurança do presidente”
GSI nega acesso aos registros de entrada e saída, no Palácio do Planalto, de pastores acusados de cobrarem propina de prefeitos para liberação de verbas do FNDE. Justifica a negativa com o argumento da proteção de dados pessoais, contrariando entendimento já estabelecido pela CGU de que tais dados devem ser fornecidos. Após repercussão negativa, o órgão libera os dados.
Itamaraty classifica como sigiloso todo o itinerário e informações sobre a comitiva presidencial que esteve na Rússia em fevereiro, sob a alegação de que a divulgação das informações representaria risco a negociações internacionais.
Maio/2022
Levantamento do Estadão com dados do próprio governo federal mostra aumento de negativas a pedidos de informação sob a alegação de sigilo.
GSI classifica lista de servidores ativos que exercem função no Palácio do Planalto como reservada