Retrocessos na transparência pública federal no governo Bolsonaro

A Transparência Brasil fez um levantamento dos retrocessos no acesso a informações públicas durante o governo Bolsonaro até o momento. A lista, usada em parte pela Folha de S.Paulo em reportagem desta segunda-feira (22), mostra tanto os dispositivos legais quanto as ações do Executivo federal contrários à transparência pública.

O levantamento mapeia apenas os principais casos; é bastante provável que haja mais ocorrências do que as mencionadas.

Dispositivos legais

De 2019 até junho de 2020, foram ao menos 4 atos legais contra a transparência:

23/01/2019
Decreto 9.960/2019
Alterou regras de aplicação da Lei de Acesso à Informação (LAI) no Executivo federal determinadas no Decreto 7.724/2012, ampliando o grupo de agentes públicos autorizados a colocar informações públicas nos mais altos graus de sigilo: ultrassecreto (25 anos, renováveis por mais 25) e secreto (15 anos).

Foi revogado após pressão da sociedade civil e possibilidade concreta de derrota no Congresso, que mostrava tendência de derrubar o decreto.

11/04/2019
Decreto 9.759/2019
Extinguiu colegiados federais (conselhos, comitês, grupos de trabalhos, entre outros), reduzindo a participação social – e, consequentemente, a transparência – no governo. O próprio Decreto é pouco transparente, pois não enumera os colegiados a serem extintos e tem redação dúbia.

09/07/2019
Vetos à Lei 13.853/2019 (Lei Geral de Proteção de Dados)
O presidente vetou trecho da Lei que assegurava a proteção de dados das pessoas que apresentassem pedidos de acesso a informações. O inciso IV do art. 23 garantia que a identidade do requerente de informações públicas não circularia por todos os órgãos e departamentos acionados para o envio da resposta – reduzindo, assim, o atendimento “diferenciado” a pedidos de acordo com a identidade de quem pede a informação – algo que pesquisas já mostraram acontecer.

23/03/2020
Medida Provisória 928/2020
Suspendeu os prazos de atendimento a pedidos de informação determinados na Lei de Acesso a Informações, sem possibilidade de recurso contra tais negativas de atendimento a pedidos. Na prática, suspendeu a transparência passiva garantida pela LAI.

Teve os efeitos suspensos após liminar deferida pelo ministro do STF Alexandre de Moraes e confirmada pelo plenário do Supremo.

Ações e omissões

Além de decretos e medidas legais, o governo federal adotou discursos e práticas contrários à transparência pública.

Janeiro-Fevereiro/2019
Número de pedidos de informação ao governo federal negados sob o argumento de serem “expedição de pescaria” aumentou em 2019, conforme levantamento da Agência Pública. O argumento não existe na Lei de Acesso, portanto não poderia ser usado.

Fevereiro/2019
O ministério da Justiça negou um pedido por informações sobre eventual encontro do então ministro Sergio Moro com representantes de fabricante de armas e munições sob o argumento de “direito à privacidade”.

Abril/2019
Em 10 de abril, o IBGE anunciou corte no orçamento para a realização do Censo 2020, o que geraria impacto sobre os dados produzidos pela pesquisa e a comparabilidade com os anos anteriores.

O Ministério da Economia decretou sigilo sobre estudos e pareceres técnicos que embasaram a PEC da reforma da Previdência. Após indicativo de derrubada do sigilo no Congresso, o governo abriu parte dos dados.

Maio/2019
O governo federal censurou um estudo da Fiocruz sobre o uso de drogas no Brasil, pois o ministério da Cidadania discordava dos resultados da pesquisa. Após acordo entre AGU, Ministério da Justiça e Fiocruz, o levantamento foi divulgado em agosto.

Agosto/2019
Presidente da República e ministro do Meio Ambiente contestam e desqualificam dados públicos do INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) sobre desmatamento e queimadas no país. O então diretor do INPE Ricardo Galvão foi exonerado após defender as informações.

Fevereiro/2020
A CGU impediu a divulgação de relatórios de monitoramento de redes sociais encomendados pela Secretaria Especial de Comunicação Social da Presidência da República (Secom). A questão chegou à CGU após a Secom negar ao jornal “O Estado de S.Paulo”, por três vezes, o acesso a todos os relatórios produzidos entre 1º de janeiro a 23 de novembro de 2019. O Ouvidor-Geral da União adjunto, Fabio do Valle Valgas da Silva contrariou parecer técnico que recomendava a divulgação das informações e negou acesso aos dados.

Março/2020
Em 30 de março, o governo federal suspendeu temporariamente a divulgação dos dados de emprego no país, sob a justificativa de atraso na coleta e consolidação dos dados. No início de maio, os dados ainda não estavam disponíveis. Foram divulgados apenas no final de maio. Mas há relatos de problemas nos microdados.

Março-Abril/2020
Órgãos federais negaram atendimento a pelo menos 24 pedidos de informação no intervalo de 1 mês, mesmo após a suspensão da MP 928

A Presidência da República se recusa a divulgar exames segundo os quais o presidente Bolsonaro teria testado negativo para o novo Coronavírus. Os exames só foram divulgados após batalha judicial com o jornal O Estado de S.Paulo.

Maio-Junho/2020
A Casa Civil da Presidência da República se negou a fornecer estudos e relatórios sobre hidroxicloroquina e cloroquina produzidos pelo CCOP (Centro de Coordenação das Operações do Comitê de Crise da Covid-19). O argumento é de que se tratam de documentos preparatórios e que, portanto, só poderiam ser divulgados após a tomada de decisão.

Junho/2020
O Ministério da Saúde tira do ar o portal com dados oficiais de casos de Covid-19 no país, sob a justificativa de alteração de metodologia de divulgação. O novo portal colocado no lugar não continha o número acumulado de casos e mortes e deixou de divulgar as taxas de contaminação e óbitos por 100 mil habitantes e de letalidade. Não era mais possível, além disso, fazer o download da base de dados. Bases de dados com o histórico da Covid-19 e de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) no Brasil desapareceram do repositório do SUS (Sistema Único de Saúde).

Após pressão da sociedade civil e decisão do STF, algumas informações voltaram ao ar.

Junho/2020
Há mais de oito meses, o Ministério do Meio Ambiente e o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente) omitem dados de áreas embargadas por crime ambiental.

O Ibama também deixou de fornecer informações sobre autuações, multas e apreensões feitas contra desmatadores na região amazônica, sob a justificativa de que a competência de divulgação de dados da Amazônia Legal é da vice-presidência da República.

2019-2020
Adotando um procedimento não previsto na LAI e contrariando a si própria, a CGU adotou o entendimento de que pareceres jurídicos usados para embasar a sanção e vetos presidenciais a projetos de lei aprovados no Congresso são sigilosos. Segundo a CGU, aplica-se o sigilo entre cliente e advogado em relação à Advocacia-Geral da União e às assessorias jurídicas dos órgãos federais.