É bem-vindo o despacho do presidente Luiz Inácio Lula da Silva determinando que o ministro da Controladoria Geral da União (CGU) tome providências para revisão, caso a caso, da imposição de sigilos a informações. A ordem foi publicada no Diário Oficial da União no último 2.jan.2023 e segue recomendações da equipe de transição e de organizações da sociedade civil, como a Transparência Brasil e demais integrantes do Fórum de Direito de Acesso a Informações Públicas.
Trata-se da melhor solução para os popularmente chamados “sigilos de 100 anos”. São casos em que pedidos de acesso à informação receberam respostas negativas sob a justificativa de que a informação solicitada era pessoal e, portanto, o acesso a ela seria restrito por até 100 anos a partir da data em que foi produzida.
Embora as ocorrências que vieram a público por meio da imprensa tenham sido claros abusos – uma vez que se tratavam de informações de interesse público e havia precedentes para o fornecimento das informações ou a possibilidade de divulgação parcial –, muitas outras negativas com esse mesmo argumento foram justas e válidas. Por isso, não seria adequado nem possível editar um “revogaço” sobre todas as respostas.
O despacho presidencial, no entanto, é muito vago ao determinar a revisão da aplicação de outras possibilidades de sigilo contidas na Lei de Acesso à Informação. Menciona apenas “decisões baseadas em argumentos equivocados acerca de (…) segurança nacional e do Presidente da República e de seus familiares e de proteção das atividades de inteligência”.
São casos em que, de acordo com a LAI, alguns agentes públicos podem classificar, independentemente de alguém ter solicitado as informações, documentos em diferentes graus de sigilo por tempo determinado: reservado (5 anos), secreto (15 anos) ou ultrassecreto (25 anos, renováveis por mais 25).
Há menos transparência a respeito de como e sobre o quê o governo Bolsonaro aplicou esses sigilos do que há em relação aos “sigilos de 100 anos”. Diante dos inúmeros sinais de aversão da administração passada à prestação de contas, é razoável supor que também houve abusos nessa área não só com base nos três argumentos citados no despacho.
Teria sido fundamental que o presidente Lula determinasse expressamente que a Comissão Mista de Reavaliação de Informações (CMRI) cumprisse o disposto no art. 35, inciso II da LAI e analisasse as classificações de documentos como secretos e ultrassecretos nos últimos quatro anos.
Diante de tal omissão, a Transparência Brasil recomenda que, ao cumprir o despacho presidencial, o ministro da Controladoria-Geral da União (CGU) Vinicius de Carvalho estabeleça diálogo com a Casa Civil da Presidência da República (que preside a CMRI) para concretizar tal reavaliação.
A organização recomenda ainda que Carvalho determine transparência sobre as revisões e seus resultados. A sociedade tem o direito de saber quais serão os critérios usados para definir se a negativa de acesso ou a imposição do sigilo foram adequados ou não, bem como de ter acesso às avaliações.
É urgente, ainda, reverter um outro sigilo imposto indevidamente por administrações anteriores: desde 2016, a Advocacia-Geral da União (AGU) considera que pareceres jurídicos usados para embasar a sanção ou vetos presidenciais a leis aprovadas no Congresso podem ter o acesso restrito. O argumento – absurdo – é de que os documentos se enquadrariam no sigilo entre advogado e cliente.
A CGU, que inicialmente determinou o acesso aos pareceres, num procedimento inédito alterou sua própria decisão, e acabou acatando a justificativa. Isto deu origem a um parecer publicado em 2020 que estende o sigilo às consultorias jurídicas dos ministérios e resultou em negativas a pelo menos uma dezena de pedidos de informação. O cidadão continua sem saber hoje por quais motivos a Presidência da República vetou uma série de trechos em legislações como a Lei Geral de Proteção de Dados. A Transparência Brasil questiona a medida judicialmente, mas o ideal é que as próprias AGU e CGU revoguem o parecer conjunto e o art. 19, inciso XVI da Portaria AGU 529/2016.
A Transparência Brasil considera positivos os primeiros sinais do novo governo federal na área de transparência pública. Ao mesmo tempo, reforça seu compromisso de escrutinar as ações e decisões e buscar contribuir para o avanço do direito constitucional de acesso a informações.