Transporte aéreo foi o principal gasto da saúde Yanomami no governo Bolsonaro

Levantamento do projeto Achados e Pedidos aponta que transporte por táxi aéreo foi o principal gasto do governo Jair Bolsonaro (PL) com a saúde dos Yanomami. De 2019 a 2022, o Distrito Sanitário Especial Indígena Yanomami (DSEI-Y) pagou R$ 118,4 milhões em contratos de transporte aéreo, valor que representa 62% do total gasto pelo órgão no período.

O dado reflete uma das conclusões da Missão Yanomami de 2023, cujo relatório apontou que “o DSEI deveria ofertar atenção primária e rotinas de vigilância, mas o que se observou é uma rotina baseada em remoções”. 

Em toda a gestão Bolsonaro, o aumento de recursos na saúde Yanomami foi direcionado aos contratos de táxi aéreo. Não houve crescimento de investimento nas demais despesas do DSEI-Y durante os dois primeiros anos de mandato, período em que os casos de malária explodiam e a taxa de mortalidade infantil era a pior entre os Distritos Sanitários e superior à da África Subsaariana.

Como 98% dos locais atendidos pelo órgão só podem ser acessados por via aérea, o serviço de transporte é imprescindível. A remoção de pacientes emergenciais para hospitais de referência também depende de helicópteros e aviões. 

O valor pago em contratos de transporte aéreo no período, no entanto, expõe a falha estrutural de planejamento do DSEI-Y e as decisões no mínimo equivocadas dos gestores públicos. Além de apresentarem violações aos princípios da administração pública, ao menos um terço das contratações foi feita em caráter emergencial, ou seja, foram R$ 39,7 milhões gastos por meio da dispensa de licitação.

Serviços em volume inferior ao necessário, fiscalização falha e direcionamento nas contratações permeiam as três principais empresas contratadas: Voare Táxi Aéreo, Piquiatuba Táxi Aéreo e Icaraí Turismo Taxi. Para duas delas, a Controladoria-Geral da União (CGU) e o Ministério Público Federal (MPF) também apontaram ligação de empresários com garimpo ilegal nas terras indígenas.

Relação entre valores, em milhões de reais, pagos pelo DSEI-Y com serviço de táxi aéreo e com demais despesas 

 

Em 2021 houve o maior gasto com o serviço: R$ 40,7 milhões, desconsiderando a correção inflacionária, a Voare recebeu sozinha R$ 35,4 milhões. O gasto do DSEI-Y com todas as outras despesas naquele ano corresponde à metade do pagamento à Voare. É possível filtrar e visualizar os tipos de despesa feitos no período neste painel interativo produzido pela equipe de Dados da Transparência Brasil.

Aviões de ouro

Assim que a gestão Bolsonaro se iniciou, a Voare deixou de prestar serviços de transporte ao DSEI-Y e foi substituída pela Piquiatuba, em um processo com indícios de irregularidade. Em auditoria de 2019, a CGU apontou que houve direcionamento na contratação. As exigências incluídas para o novo convênio tornaram a Voare inabilitada e favoreceram a segunda colocada na cotação de preços, a Piquiatuba.

O MPF instaurou uma apuração do favorecimento, com indícios de participação do senador Mecias de Jesus (Republicanos-RR) e de seu filho Jhonatan, conselheiro do Tribunal de Contas da União e ex-deputado federal. Em outro inquérito, a Piquiatuba é acusada de ser um braço do garimpo ilegal em Roraima: seu fundador, Armando Amâncio da Silva, estaria usando a empresa para o comércio ilegal de ouro.

Os mesmos indícios de relação com o garimpo aparecem para a Icaraí, que já teve Rodrigo Cataratas entre os seus proprietários. O empresário é investigado ou acusado pelo MPF por diversos crimes no território Yanomami, incluindo o fornecimento de transporte a outros garimpeiros. Para tirá-lo da empresa, seu ex-sócio entrou na Justiça e o acusou de furto. Cataratas contra-atacou, afirmou que o ex-parceiro estava ciente do uso das aeronaves da Icaraí no garimpo ilegal.

Leia o relatório completo do Achados e Pedidos, projeto da Transparência Brasil e da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji). O estudo especifica valores de empenho e liquidação considerando e desconsiderando a correção inflacionária.