Interferência política na saúde indígena prejudica atendimento e gera conflito de interesses

O ex-coordenador do Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) Yanomami, Rômulo Pinheiro de Freitas, têm relações estreitas com o senador Antônio Mecias Pereira de Jesus (Republicanos-RR), conhecido por defender o garimpo. Em estudo inédito, a Transparência Brasil analisou a conexão entre ambos, fornecedores de órgãos públicos, empresas associadas ao garimpo e a crise sanitária no território indígena.

O caso evidencia a vulnerabilidade às interferências políticas nos DSEIs, que deveriam ser comandados por pessoas com qualificação técnica adequada, diferentemente de Rômulo. Além disso, ele possuía interesses comerciais junto aos órgãos antes de ser coordenador, através das empresas de seu irmão, Ricardo Pinheiro de Freitas.

Após deixar a Secretaria de Saúde do Estado de Roraima, onde era assistente administrativo, Rômulo atuou como representante legal das firmas do irmão em dezenas de contratos com o governo estadual. As empresas também participaram de licitações junto ao governo federal, recebendo R$ 197 mil. Inclusive, forneceu materiais de escritório ao DSEI Yanomami em 2015.

Em 2020, Rômulo foi nomeado para o DSEI Yanomami por indicação do senador Mecias e de seu filho, Jhonatan de Jesus, deputado federal à época e que assumiu neste mês de março cargo de ministro no Tribunal de Contas da União, indicado pela Câmara dos Deputados.  

Mecias é alvo de investigação sigilosa do Ministério Público Federal (MPF), suspeito de agir para favorecer a contratação da Táxi Aéreo Piquiatuba pelo governo federal para atuar com transporte em terras indígenas. A empresa foi acusada pelo MPF em 2020 de ser um braço do garimpo ilegal em Roraima. No cofre de seu fundador, Armando Amâncio da Silva, foram apreendidos 44 kg de ouro proveniente de garimpo ilegal, segundo processo em andamento na Justiça Federal de Roraima.

De janeiro de 2010 a março de 2023, o governo federal firmou 22 contratos com a Piquiatuba para o serviço de táxi aéreo em regiões indígenas, totalizando R$ 160 milhões, somados aditivos e renovações. Um contrato formalizado em 2019 por R$ 8,7 milhões com dispensa de licitação para serviços ao DSEI Yanomami foi  executado durante a coordenação de Rômulo.

Além das relações com a Piquiatuba, Mecias é autor do Projeto de Lei nº 1331/2022, que propõe liberar a “pesquisa e concessão de lavra garimpeira a terceiros em terras indígenas”. Em outra demonstração pública de apoio ao garimpo, ele assinou o pedido de perdão criminal para garimpeiros flagrados ilegalmente nas terras Yanomami.

O esquema abaixo sintetiza as conexões de Rômulo com políticos e o garimpo em Roraima.

Exonerado em 2022, Rômulo terminou a gestão do DSEI marcado por denúncias de falta de assistência ao território Yanomami, interrupção de serviços de transporte aéreo e desvio de vacinas, por servidores, em troca de ouro.

Antes de sua saída, em nov.2021 o MPF apontou piora acelerada nos indicadores de saúde da população Yanomami, apesar dos R$ 190 milhões recebidos nos dois anos anteriores para assistência. Um ano depois, o MPF recomendou interferência do Ministério da Saúde para “garantia da correta aplicação das verbas”.

O sucessor de Rômulo no DSEI, Ramsés Almeida, também foi nomeado ao cargo por indicação de Mecias e Jhonatan.

Acesse o relatório na íntegra.