Resultado da revisão de sigilos é bom indicativo sobre cumprimento da LAI

Os 12 enunciados para aplicação da Lei de Acesso à Informação (LAI) divulgados pela Controladoria-Geral da União (CGU) são um importante primeiro passo para retomar a transparência na administração pública federal, após anos de fragilização sistemática. O material foi anunciado nesta sexta-feira (3.fev.2023) como sendo o resultado da revisão de atos que impuseram sigilo a informações públicas, determinada pelo presidente Lula (PT) no início da gestão.

Os textos são referências a serem usadas por todos os órgãos e entidades do governo federal ao analisar pedidos de informação. Por enquanto, porém, eles não têm obrigação de seguir tais enunciados. Segundo o ministro da CGU, Vinicius de Carvalho, o objetivo é fazer com que as decisões pelo fornecimento ou negativa a pedidos de informação sigam a mesma lógica em toda a administração pública federal.

O conjunto das súmulas atende a uma necessidade antiga de que a CGU emitisse interpretações padrão para pontos da LAI em um formato mais incisivo do que meras recomendações. É uma contribuição fundamental para reduzir negativas indevidas a pedidos de informação – especialmente se os enunciados passarem a ser vinculantes, ou seja, obrigatórios, e desde que haja monitoramento de sua implementação efetiva. A médio e longo prazo, também pode ter efeitos positivos sobre a divulgação ativa de informações.

A maioria dos textos reforça pontos da própria LAI e práticas que já são recomendadas pela CGU há quase uma década. O Enunciado 3, por exemplo, confirma que processos disciplinares militares já encerrados devem ser tornados públicos, como já consta no art. 7º, § 3º da LAI. O Enunciado 11 define que um órgão só pode se negar a atender um pedido de informação alegando que é “desarrazoado” se demonstrar os motivos pelos quais não consegue atendê-lo (questões técnicas, limitação de recursos humanos etc.). A orientação está na publicação “Aplicação da Lei de Acesso à Informação na Administração Pública Federal”, que já está em sua 4ª edição. Outros abordam problemas apontados pela Transparência Brasil em conversa com o ministro, como negativas reiteradas do Itamaraty a pedidos por telegramas.

Apenas um deles chama a atenção negativamente: o Enunciado 2 estabelece que registros de entrada e saída de residências oficiais são protegidas por revelarem aspectos da intimidade e vida privada das autoridades públicas e familiares. A divulgação só deve ser feita se os dados tiverem relação com agendas oficiais. Essa determinação parece inverter a lógica da LAI, pois estabelece a restrição de modo geral e a divulgação apenas em casos específicos.

Permanece, assim, uma brecha considerável para negativas indevidas nesse tema. O ideal seria determinar que todas as informações relativas a acesso a residências oficiais são de interesse público, exceto em casos específicos e claramente relacionados à intimidade e vida privada (visitas médicas, para tratamento estético ou eventos familiares, por exemplo). Afinal, mesmo encontros não relacionados à agenda oficial podem ser de interesse geral e há autoridades que tendem a usar a residência oficial como espaço de trabalho ou de tratativas com outros agentes públicos.

Também merece crítica o fato de a revisão das negativas de informação por sigilo emitidas durante o governo Bolsonaro abranger apenas os casos que são alvos de recurso apresentados à CGU. Segundo a pasta, são 234 pedidos. O problema nessa medida é que somente uma parcela pequena de negativas chegam a ser questionadas via recurso. Ou seja, é possível que a revisão de um número significativo de recusas indevidas só vá ser feita caso haja novos pedidos de informação. A TB identificou, em relatório divulgado em janeiro, 513 negativas de informação indevidas com base no artigo 31 da LAI.

A Transparência Brasil espera que, em breve, determine-se um esforço específico para a revisão das classificações de informações em sigilo feitas no período. As medidas anunciadas hoje pela CGU incluem apenas duas recomendações nesse campo: uma para os órgãos públicos e outra para a Comissão Mista de Reavaliação de Informações (CMRI).

Os órgãos públicos federais são incentivados a rever “seus fluxos de classificação e, principalmente, de desclassificação de informações”. À CMRI, por sua vez, recomenda-se que “reveja (…) seu fluxo de reanálise de informações classificadas”. De acordo com a LAI, a CMRI deve revisar periodicamente ou a pedido a aplicação dos dois mais altos graus de sigilo permitidos: secreto (15 anos) e ultrassecreto (25 anos, prorrogáveis por mais 25).

Apesar dos dois aspectos frágeis pontuados anteriormente, os enunciados e as recomendações são um bom indicativo de que as intenções manifestadas pelo novo governo em relação à transparência pública e ao cumprimento da LAI serão concretizadas em alguma medida. A Transparência Brasil continuará a monitorar a implementação dessas providências e a contribuir para avanços ainda mais significativos na área.