Com o Orçamento Secreto, o governo federal deixou de ser o principal responsável por decidir o destino de recursos às obras escolares por todo o Brasil, revela estudo inédito da Transparência Brasil. Em 2020, o Executivo não foi autor de nenhum empenho do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), enquanto as emendas de relator foram a origem de R$ 718 milhões (85% do total).
Até 2019, o Executivo era quem direcionava os investimentos do FNDE, órgão responsável por financiar obras de ensino básico; assim, os recursos eram empenhados seguindo critérios técnicos e políticas públicas. A análise Financiamento de creches e escolas: o impacto do Orçamento Secreto mostra que o Congresso assumiu o protagonismo dessa ação e financiou, sem critérios técnicos, de viabilidade ou transparência, R$ 942 milhões em construções de creches e escolas, entre 2020 e 2021.
Segundo a ONG, essa inversão resultou na distorção de distribuição de verbas e em violações de princípios da administração pública. Com o uso predominante das emendas de relator (RP-9), o financiamento em infraestrutura de Educação no Brasil tem funcionado de acordo com relações de interesse políticas, aponta a Transparência Brasil.
O relatório também detalha que “a inexistência (2020) e redução (2021) de empenhos de autoria do próprio governo federal em favor das emendas do relator” produziram sérios impactos na gestão de políticas públicas em Educação, como no Programa de Infraestrutura Escolar (ProInfância).
Tais dados foram obtidos via Lei de Acesso à Informação através do projeto Achados e Pedidos, realizado pela Transparência Brasil em parceria com a Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo), e complementados com dados do SIMEC Obras (sistema do FNDE para monitoramento de obras) e do Portal da Transparência do governo federal. Através de um filtro entre as informações, foi possível listar apenas empenhos do FNDE para o financiamento de obras.
Conforme a análise da organização, “o governo revelou o abandono de sua função executiva de materializar a execução orçamentária”. A mudança do agente financiador de obras escolares no país não só deteriora a gestão pública, como também abre brechas para a corrupção no Legislativo e nos municípios receptores do dinheiro do Orçamento Secreto.
Pagamentos
O padrão de pagamentos realizados às prefeituras e estados também sofreu mudanças por causa do Orçamento Secreto. Em repasses normais para obras, é pouco comum que o FNDE repasse ao município ou ao estado todo o valor destinado a uma obra no mesmo ano em que o recurso foi reservado, pois o repasse é feito conforme o órgão comprova que a obra está em andamento.
No entanto, a partir de 2020, a velocidade de liberação dos recursos aumentou em quase quatro vezes. Enquanto em 2019 os pagamentos no mesmo ano do empenho somaram R$ 36 milhões, o valor subiu para R$ 143 milhões no ano seguinte.
Obras inexistentes de creches e escolas
Outro problema desse cenário, ainda, está na alocação ineficiente dos recursos. Em relatório anterior produzido pela Transparência Brasil, foi identificado que R$ 423 milhões empenhados nos últimos dois anos via emendas de relator foram destinados para obras ainda sem aprovação do FNDE.
Campos dos Goytacazes, município do Rio de Janeiro, por exemplo, recebeu R$ 3,2 milhões das emendas de relator para 23 novas obras inexistentes, sem projeto aprovado pelo FNDE. A cidade já tem dez obras financiadas pelo órgão em 2019 e paralisadas, fator previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal como impedimento para o recebimento de novos recursos até a conclusão das construções.