Projeto para ‘destravar’ pagamento de emendas é precário e deve ser discutido com a sociedade

O Projeto de Lei Complementar (PLP) nº 172/2024, protocolado neste 25.out.2024 pelo relator do Orçamento, senador Angelo Coronel (PSD-BA), entrega muito menos do que o necessário para aperfeiçoar a transparência das emendas parlamentares e corrigir distorções.

Apontada como a resposta do Congresso a exigências do Supremo Tribunal Federal (STF) para liberar o pagamento de emendas, suspenso desde agosto, a proposta não contribui substancialmente para maiores controle, eficiência e eficácia das emendas. Em relação à transparência e rastreabilidade das emendas Pix (transferências especiais), em particular, é precária.

O texto ignora determinações essenciais do ministro Flavio Dino sobre o tema e a Instrução Normativa nº 93/2024 do Tribunal de Contas da União (TCU), como a obrigação de o ente beneficiado por emenda Pix apresentar plano de ação detalhado e estimativas de custo e prazos para receber o recurso.

É indispensável que a proposta seja amplamente discutida com a sociedade civil e aprimorada antes de ser submetida à votação. Se aprovado como está, o texto não apenas será inócuo para a melhoria da configuração das emendas parlamentares, como tem o potencial de promover retrocessos, por não incluir exigências já feitas pelo STF e pelo TCU.

A Transparência Brasil solicita que o relator do Orçamento, senador Angelo Coronel, e o presidente do Congresso Nacional, senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), providenciem a realização de ao menos uma audiência pública sobre o PLP 172/2024, o mais brevemente possível.

A votação de uma legislação para aprimorar o gasto público e garantir a entrega efetiva de serviços não deve ter como único incentivo a celeridade na liberação de recursos, mas sim o interesse coletivo de criar um arcabouço de regras consistente e eficaz para despesas de qualidade.

Principais problemas da proposta

♦ O art. 6º, § 1º estabelece que as emendas Pix devem priorizar obras inacabadas, mas não define como isso ocorrerá, ou que proporção das obras as emendas devem cobrir, o que torna a medida inócua, na prática;

♦ O art. 6º, § 2º não soluciona por completo a falta de transparência na apresentação de emendas Pix. A obrigação de informar o objeto não impede que tal informação seja genérica, e não há impedimento para as emendas serem desmembradas após a aprovação da Lei Orçamentária Anual (LOA), já na fase de execução. Tampouco estabelece que o ente beneficiado deverá aplicar o recurso recebido no objeto indicado pelo parlamentar ao apresentar a emenda, mantendo a lógica de extrema liberdade de uso do dinheiro que é incompatível com a Constituição;

♦ O art. 11 se propõe a definir “projetos e ações estruturantes”, mas a lista é extensa e genérica, abrindo inúmeras possibilidades. Se tudo pode ser estruturante, nada é estruturante, afinal.

♦ O art. 16, inciso I cria uma nova dinâmica nas comissões temáticas, transformando-as, para fins de apresentação de emendas, em comissões de bancada partidária, o que não traz benefício algum – se não trouxer prejuízos –, ao estabelecer o recebimento de sugestões dos líderes partidários. Não se estabelece como as bancadas serão consultadas e quais os critérios para contemplação das propostas nas emendas;

♦ Mantém as brechas para que a indicação dos beneficiários das emendas coletivas (bancada e comissão) ocorra após a aprovação da Lei Orçamentária, na fase de execução;

♦ Mantém as brechas para a individualização das emendas coletivas, e dessa forma permanece a falta de transparência sobre os reais autores/patrocinadores das indicações;

♦ Estabelece (art. 7º, § 5º) a obrigatoriedade de os entes beneficiados observarem as normas relativas a licitações e contratos apenas as emendas com finalidade definida – o que já é o caso –, mas não o faz para as emendas Pix;

♦ Estabelece (art. 9º) apenas às emendas coletivas o dever de se basear em listas de priorização de programações, projetos e critérios apresentadas por ministérios e outros órgãos de execução de políticas públicas. O ideal seria que todas as modalidades de emenda assim o fossem;

♦ Não inclui exigência de que entes beneficiados de emendas Pix prestem contas sobre a execução dos recursos, ignorando exige a prestação de contas dos entes beneficiados de emendas Pix, contrariando a Instrução Normativa nº 93 do Tribunal de Contas da União, as liminares do Supremo Tribunal Federal nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade nº 7695 e nº 7688 e a Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2024.

♦ Não estabelece um rol mínimo e padronizado de informações que devem constar nas atas das reuniões de bancada e de comissão que definem as emendas a serem apresentadas, tampouco determina que as informações sejam publicadas em formato estruturado e sejam interoperáveis com os sistemas do governo federal, como Transferegov e Portal da Transparência.

♦ Não estabelece periodicidade e critérios de seleção (amostra) para os “relatórios periódicos de monitoramento e avaliação” (art. 19, § 2º, II), e dá ao Congresso a prerrogativa de definir o escopo do monitoramento por meio de resolução interna (art. 20), sem garantia de debate público.

♦ Não estabelece rol mínimo de dados que devem ser disponibilizados em transparência ativa, utilizando-se de redação genérica (art. 27).

♦ Não faz nenhuma menção ao Transferegov, que é a plataforma oficial de operacionalização e rastreabilidade das transferências da União, tampouco ao Portal Nacional de Contratações Públicas.