Dados obtidos pela Transparência Brasil via Lei de Acesso à Informação (LAI) mostram que a maioria (53%) dos R$ 789,8 milhões empenhados via emendas de relator – o chamado orçamento secreto – pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) para obras de creches e escolas em municípios destina-se a obras que ainda não foram aprovadas pelo órgão. Os dados estão disponíveis no portal Achados e Pedidos.
São R$ 423 milhões de recursos federais reservados a 1.939 obras que contam apenas com um “Termo de Compromisso com Cláusula Suspensiva”, uma espécie de contrato provisório que garante o empenho do recurso e só é tornado definitivo quando o estado ou município que realizará a obra encaminhar ao FNDE documentos que comprovem a propriedade dos imóveis a serem usados para as obras, plantas e medições do terreno.
Segundo nota técnica do órgão enviada à Frente Parlamentar de Educação em setembro de 2022, estados e municípios não podem iniciar licitação para executar os recursos empenhados para essas obras até que o FNDE aprove tal documentação. Ou seja, as obras não existem na prática. A quase totalidade (99%) dos processos de convênio para essas obras teve início em 2020 e 2021.
A maior parte das obras (45%) corresponde à construção de novas unidades, seguida por obras de cobertura e quadras (31%). A análise completa está disponível no site da Transparência Brasil.
Tais reservas de recurso evidenciam a ausência de critérios objetivos na destinação do orçamento federal para obras de escolas e creches por meio das emendas de relator. São direcionadas a novas frentes ainda não aprovadas, enquanto há 2,5 mil obras do tipo que já deveriam estar concluídas, segundo levantamento publicado em abril de 2022 pela TB.
Não é possível, ainda, saber quais seriam essas obras: não há dados públicos para identificar o local exato onde elas seriam construídas, ou quais delas seriam reformadas com os recursos públicos. Ou seja, o secretismo das emendas de relator vai além de sua autoria.
É possível identificar apenas os estados e municípios em que seriam aplicados os recursos, caso o projeto seja aprovado. Em 2020, o maior volume de emendas de relator foi para o Amazonas (R$ 34.575.305,86 para 114 obras). Em 2021, para Pernambuco (R$ 11.728.752,36 para 67 obras).
Na prática, essas emendas servem de capital político aos parlamentares e gestores públicos que as aprovaram, que podem propagandear a obtenção de recursos sem precisar garantir a conversão em benefício concreto à população. Afinal, a execução das obras está condicionada à apresentação de documentações e à aprovação técnica do FNDE.
Obras existentes
Dentre as 2.849 obras existentes para as quais foram empenhadas emendas de relator em 2020 e 2021, a maioria (53%) é de construções de novas unidades.
A partir dos dados públicos disponíveis para essas obras, é possível verificar indícios de ineficiência no gasto público pelo Fundo, e como o orçamento secreto acaba sendo usado para financiar políticas públicas estruturantes quase integralmente.
A construção de uma creche de pré-escola em São Joaquim (SC), no bairro São José, foi objeto de um convênio firmado pela prefeitura com o FNDE em 2010, no valor de R$ 1.233.363,18. Segundo dados do SIMEC, houve apenas um repasse para a prefeitura em 2011 no valor de R$ 616.681,59.
Só em 2019 a prefeitura licitou e contratou uma empresa para a realização da obra, cujo valor corrigido foi para R$ 1.370.733,83. Em 2021, uma emenda de relator de R$ 681.504,31 foi empenhada para a obra, para “possibilitar o pagamento da obra”, segundo o FNDE informou à Transparência Brasil após questionamento.
Situação semelhante é observada na ampliação da creche Maria Pereira Couto em Ibirajuba (PE). O termo de convênio com o FNDE é de 2018, mas o SIMEC mostra que só houve licitação para execução do serviço em 2020 e o total dos repasses registrados no sistema, feitos em 2020 e 2021, coincide com o montante destinado à obra via emenda de relator.