Errata: este conteúdo foi atualizado em 19.12.2023, às 16:45. O texto afirmava incorretamente que, de acordo com o Decreto anterior, era proibido delegar a classificação de informações no grau secreto, e que a classificação de informações nesse e no grau ultrassecreto eram de responsabilidade apenas do governador, vice, secretários e Procurador-Geral. Entretanto, a última modificação do texto determinava que apenas a classificação no grau ultrassecreto não podia ser “terceirizada” e era privativa de secretários de Estado e do Procurador-Geral do Estado. Já havia a possibilidade de repassar a classificação em grau secreto para outros agentes públicos.
A nova regulamentação da Lei de Acesso à Informação (LAI) para o Executivo estadual de São Paulo, publicada em 12.dez.2023, impõe um grave retrocesso em relação à regra até então em vigor.
O Decreto estadual 68.155/2023 amplia consideravelmente o número de agentes públicos que podem classificar informações no mais alto grau de sigilo (ultrassecreto). O Parágrafo único do art. 31 do texto possibilita que as pessoas autorizadas a aplicar essas restrições de acesso a informações “terceirizem” a responsabilidade para agentes que ocupam cargos de coordenador ou equivalente, ou de hierarquia superior.
Até o momento, essa delegação de competências era proibida. Portanto, apenas os secretários e o Procurador-Geral do Estado podiam colocar informações na categoria ultrassecreto (sigilo máximo de 25 anos).
Só nas secretarias de governo, são pelo menos 99 pessoas no cargo “coordenador”, de acordo com dados do Portal da Transparência estadual. O número deve ser maior, pois os nomes e cargos de servidores das secretarias de Administração Penitenciária e de Segurança são mantidos em sigilo, por questões de segurança.
A medida é semelhante ao que a gestão de Jair Bolsonaro (PL-RJ) no governo federal tentou implementar em 2019, com o Decreto 9.690, e que foi revogada frente à pressão da sociedade. À época, a Controladoria-Geral da União (CGU) era chefiada por Wagner do Rosário, o atual Controlador-Geral do Estado.
O aumento na quantidade de pessoas autorizadas a restringir o acesso a informações representa um risco ao princípio de que o sigilo deve ser uma exceção, pois fragiliza um dos mecanismos criados pela LAI para garanti-lo. Aumenta o risco de que a classificação nos mais altos graus de sigilo seja feita com base em critérios arbitrários e assim atinja mais informações.
A iniciativa do governo paulista de repetir uma ação que é comprovadamente contrária ao interesse público, além de prejudicial ao exercício do direito fundamental de acesso à informação, indica baixo comprometimento com a transparência pública e com a sociedade. O trecho que permite a transferência de responsabilidade na classificação de informações como sigilosas precisa ser revogado.
Além dessa medida, o novo decreto estabeleceu a possibilidade de órgãos estaduais se recusarem a atender a um pedido de informação caso ele seja considerado “genérico”, “desproporcional”, “desarrazoado” ou seu atendimento implique na realização de “trabalho adicional de análise e interpretação de dados” (art. 5º, §1º). Essa possibilidade não constava na regulamentação da LAI paulista até o momento.
Na prática, porém, órgãos estaduais já aplicavam esse tipo de recusa de atendimento usando como argumento a regulamentação da LAI no governo federal (Decreto 7.724/2012). O novo decreto apenas formalizou o procedimento.
Entretanto, deixou de fora um trecho fundamental presente no decreto federal: a obrigatoriedade de o órgão público, quando negar atendimento porque o pedido exige “trabalho adicional de análise”, oferecer meios para que a pessoa que solicitou as informações realize o “trabalho adicional” e, assim, obtenha as informações que pediu.
Apesar de o art. 15 do decreto estabelecer que “caso a informação esteja disponível ao público em formato impresso, digital ou em outro meio de acesso universal, o órgão ou entidade deverá orientar o requerente quanto ao local e modo para consultar, obter ou reproduzir a informação”, esse trecho não está direta ou expressamente relacionado à recusa de atendimento por conta da necessidade de “trabalho adicional”. Portanto, há alta probabilidade de ser desconsiderado pelos órgãos ao emitirem esse tipo de resposta.
Quanto a isso, é necessário ao menos estabelecer um padrão para que negativas de atendimento a pedidos com fundamento no art. 5º, § 1º do novo decreto não sejam, elas próprias, genéricas. Deve-se exigir que se demonstre objetivamente a a inviabilidade de atender à demanda, e como o atendimento comprometeria o exercício da atividade-fim do órgão.