Sete em cada dez magistrados brasileiros receberam pagamentos retroativos de penduricalhos em 2024, culminando no valor recorde de R$ 3 bilhões gastos pelo Judiciário com a verba no ano passado, revela levantamento da Transparência Brasil. Os pagamentos não são limitados pelo teto constitucional e se referem a benefícios que, segundo o entendimento dos próprios magistrados, deveriam ter sido concedidos em anos anteriores.
Leia o relatório: Opacos e sem freios, ‘pagamentos retroativos’ de penduricalhos a juízes custaram R$ 3 bilhões em 2024.
Em 20.mai.2025, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) editou a Resolução nº 621 com o objetivo de “incrementar o controle” sobre os retroativos, mas permitindo que os tribunais continuem ou iniciem pagamentos já determinados por decisões administrativas. A resolução representa um avanço ao estabelecer que esses pagamentos só poderão ser realizados após decisão judicial transitada em julgado, mas é insuficiente ao delimitar a restrição apenas para “novos direitos e vantagens”.
Até a edição da resolução, esses pagamentos eram majoritariamente originados por decisões administrativas dos próprios tribunais de Justiça, tornando-se um dos principais meios para turbinar os salários dos magistrados.
O Judiciário gastou em retroativos R$ 10,3 bilhões no período de jan.2018 a abr.2025, pagos a 24,3 mil juízes e desembargadores, incluindo aposentados. Destes, 2.679 receberam mais de R$ 1 milhão cada. O maior pagamento foi feito a um desembargador do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, que recebeu R$ 4,5 milhões nesse período.
Para a Transparência Brasil, a resolução do CNJ é mais permissiva do que restritiva quanto à continuidade desse grande impacto dos retroativos no orçamento do Judiciário. O PL dos Supersalários (Projeto de Lei 2.721/21), aprovado pela Câmara e tramitando no Senado, também é omisso ao não estabelecer regras para essa prática. E o projeto tem potencial para agravar o problema ao consolidar esses pagamentos como indenizatórios, como revelou a TB em estudo com o República.org.
Entre os mais recentes penduricalhos com pagamentos retroativos identificados estão a gratificação por exercício cumulativo nos tribunais estaduais – paga de 2015 a 2020 – e os adicionais de tempo de serviço – concedidos desde 2006 em alguns casos. Os tribunais ainda pagam até correções salariais da década de 1990, de forma escalonada e com juros.
Além disso, o pagamento a membros é feito sob baixíssima transparência: diferentes benefícios retroativos são agregados numa mesma nomenclatura (“retroativos”), tanto na maioria dos portais de transparência dos tribunais quanto no Painel de Remuneração do CNJ.
Há poucas exceções de informações divulgadas de maneira ativa que permitam identificar a que se refere cada lançamento de retroativos nos contracheques e quais as decisões que embasaram o pagamento – administrativas ou judiciais.
O levantamento da TB considera os valores cadastrados pelos tribunais no campo “Pagamentos retroativos” do Painel do CNJ. Os dados foram obtidos mensalmente pelo DadosJusBr, projeto da organização que coleta, padroniza e divulga os contracheques do sistema de Justiça.