Orçamento da saúde Yanomami foi estrangulado durante gestão Bolsonaro

Segundo levantamento inédito do projeto Achados e Pedidos, a gestão Jair Bolsonaro (PL) foi a que menos aplicou recursos no Distrito Sanitário Especial Indígena Yanomami (DSEI-Y) desde 2013. A execução do orçamento de saúde caiu 32,6% já no primeiro ano de mandato, indicando que os poucos recursos reservados não se converteram completamente em bens e serviços em meio à pior crise sanitária da população Yanomami. 

O sinal de alerta já estava aceso no DSEI-Y em 2018: cerca de 2,5 mil crianças com menos de cinco anos apresentavam peso baixo ou muito baixo, outras mil sequer eram monitoradas, a malária se alastrava e ao menos 119 bebês morreram antes dos doze meses de vida. 

Naquele ano, o governo Michel Temer (MDB) empenhou R$ 58,3 milhões ao órgão, (desconsiderando a correção inflacionária), dos quais 86% foram liquidados, ou seja, se converteram em obras, serviços ou compras. Quando Bolsonaro assumiu em 2019, o empenho de recursos foi o menor em seis anos: R$ 42,9 milhões, dos quais 79% foram liquidados. Enquanto isso, os casos de malária explodiam e a taxa de mortalidade infantil do órgão era a pior entre os Distritos Sanitários e superior à da África Subsaariana.

Os montantes destinados a investimentos, como aquisição de equipamentos de longa duração e melhorias estruturais, despencaram. Enquanto em 2018 foram empenhados R$ 7,1 milhões, em 2019 foram apenas R$ 96,3 mil. Em 2020, o governo federal não destinou nada à categoria de investimentos no DSEI-Y. Nos quatro anos do ex-presidente, apenas R$ 1,3 milhão foi empenhado em investimentos ao orgão. O maior investimento individual no período foram 30 botes de alumínio para transporte de homens armados e com “padronização de pintura do Exército brasileiro”.

 

Em um painel interativo produzido pela equipe de Dados da Transparência Brasil, é possível filtrar e visualizar os tipos de despesa feitos no período, os principais fornecedores e itens adquiridos e contratados, além de fazer outras análises.

Junto da entrada de Bolsonaro na presidência, a ONG Missão Evangélica Caiuá iniciou mais um convênio para atendimento de saúde no DSEI-Y, que seguirá até dezembro deste ano. De 2019 a meados de julho de 2023, o montante repassado à organização somava R$ 182,3 milhões.

Em auditoria de 2022, o Ministério da Saúde apontou falta de capacidade técnica da ONG, prestação de serviços inadequados, e pagamento de atividades administrativas da própria Caiuá com dinheiro enviado pelo Fundo Nacional de Saúde para atendimento dos Yanomami. A organização já prestava o atendimento à saúde Yanomami desde 2013, em outro convênio cuja duração foi sendo sucessivamente prorrogada até 2018.

Neste momento, a redução orçamentária da saúde indígena se somava a ações permissivas à degradação ambiental, ao garimpo ilegal e à indicação de gestores do DSEI-Y com base em critérios políticos e não técnicos, conforme exposto pela Transparência Brasil. Se desenhava o cenário que culminou na tragédia humanitária dos Yanomami em 2023.

O aumento dos recursos só veio na metade final da gestão Bolsonaro, graças à pressão da sociedade civil, da imprensa e do Ministério Público Federal (MPF). Ainda assim, o orçamento seguiu abaixo dos patamares verificados entre 2013 e 2018.

Como quase todos os polos do Distrito Yanomami só podem ser acessados por helicópteros e aviões, o transporte aéreo representa parte significativa do orçamento: de 2019 a 2022, foram utilizados R$ 118,4 milhões em táxi aéreo. Nos contratos, a TB encontrou valores que variavam de acordo com o mercado (ao invés de serem estáveis), serviços em volume inferior ao necessário, denúncias de direcionamento, contratações emergenciais, fiscalização falha e ligação de empresários com garimpo ilegal apontados pela Controladoria-Geral da União e pelo MPF.

Apesar dos recursos em transporte, a Casa de Apoio à Saúde Indígena (CASAI) de Boa Vista (RR) abrigava, no início de 2023, mais de 500 pessoas acima de sua capacidade. Elas permaneciam aguardando no local durante meses por locomoção de volta aos locais de origem. O grupo de trabalho emergencial criado em 2023 pelo governo Lula relatou problemas de infraestrutura e limpeza na CASAI, com “fezes para todo o lado” e “esgoto a céu aberto”.

Leia o relatório inédito do Achados e Pedidos, projeto da Transparência Brasil e da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji). O estudo especifica valores de empenho e liquidação considerando e desconsiderando a correção inflacionária.