A Transparência Brasil considera grave a declaração dada pelo ex-ministro Sergio Moro nesta sexta-feira (24) de que houve interferência política do presidente da República Jair Bolsonaro sobre a Polícia Federal (PF). A afirmação foi feita durante coletiva em que Moro anunciou sua demissão do ministério da Justiça e Segurança Pública.
Se Bolsonaro exonerou o diretor-geral da PF Maurício Valeixo meramente para atender a seus próprios interesses, como disse o ex-ministro, trata-se de uma atitude anti-republicana, possivelmente criminosa — obstrução de justiça, prevaricação, entre outros crimes — e debilita gravemente o combate à corrupção no país.
O presidente tem a prerrogativa de nomear quem considerar mais apto para dirigir a PF. Mas não pode fazê-lo em desrespeito aos princípios de motivação e de impessoalidade da administração pública. Em outras palavras, o chefe do Executivo deve justificar sua escolha e baseá-la no interesse público, não em seu próprio benefício ou para obstruir a justiça.
Confirmada a interferência política de Bolsonaro sobre o órgão, fica configurado mais um movimento de destruição das instituições brasileiras a compor uma já extensa lista de medidas autoritárias praticadas pelo mandatário. Não fosse grave o suficiente, ocorre durante a pior crise de saúde do mundo em mais de 100 anos. Por isso, não pode ficar impune nem nas meras notas de repúdio.
O presidente deve se explicar, não em lives, mas perante o Congresso, órgão que tem por função constitucional exercer o controle do Executivo. E o Congresso deve tomar as medidas corretas se as explicações não forem adequadas. É fundamental frear a sanha por arbitrariedades antes do esgarçamento total do tecido democrático brasileiro.
Confira a edição de abril da newsletter da Transparência Brasil. Ela tem periodicidade mensal e você também pode recebê-la em seu e-mail, inscrevendo-se aqui.
Além dos informes das atividades da Transparência Brasil, nossa newsletter traz informações relevantes sobre os temas de transparência, controle social e integridade, bem como notícias que foram destaque no mês. Acesse a edição completa.
Destaques de abril:
Defendendo a LAI em tempos de pandemia;
Pendências judiciais de congressistas que acompanham gastos federais com Covid-19;
Adiamento da 12th ICIC.
De onde vêm e para onde vão os recursos públicos para combate ao Covid-19?
A Transparência Brasil assinou, junto com outras 52 organizações da sociedade civil, uma carta aberta ao Supremo Tribunal Federal (STF) e ao Congresso Nacional expressando preocupações com possíveis mudanças no processo de avaliação de Medidas Provisórias (MPs) no período de calamidade pública ocasionada pela pandemia de Covid-19. Para o grupo, o pedido do governo federal para suspender o prazo de tramitação das MPs é inconstitucional e compromete a participação social na tomada de decisões pelo poder público.
Confira a íntegra da carta publicada em 15 de abril de 2020:
Senhoras e senhores,
As entidades da sociedade civil abaixo subscritas receberam com significativa preocupação as alterações do rito legislativo das medidas provisórias durante o período em que vigora o estado de calamidade pública no Brasil em razão da pandemia de COVID-19, decretado até 31 de dezembro de 2020. Por meio da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 663, o Presidente da República ousou pedir ao Supremo Tribunal Federal suspensão do prazo de tramitação das medidas provisórias, ação flagrantemente inconstitucional que, na prática, se atendida, significaria a revogação do princípio da separação dos Poderes da República e a retomada de uma herança amarga do regime ditatorial brasileiro, o decreto-lei. A resposta dada pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal a partir do Ato Conjunto nº 1 de 2020 (publicado a partir da decisão monocrática proferida na ADPF 663), ainda que valiosa, se mostrou insuficiente por ignorar o caráter fundamental da participação social no processo legislativo dentro de uma sociedade verdadeiramente democrática.
Compreendemos plenamente a excepcionalidade do momento e a premência em garantir celeridade e efetividade aos processos de tomada de decisão de todos os Poderes da República no combate à pandemia e suas graves consequências para o país. Entretanto, temos convicção de que toda e qualquer alteração nos processos que alicerçam a construção cotidiana da democracia brasileira deva garantir a viabilidade da participação da sociedade, conforme prevê a Constituição Federal. O momento é, de fato, singular, porém, a possibilidade de interlocução e incidência da sociedade civil no processo legislativo – sobretudo em tempos de fragilidades – é uma exigência que não pode ser relevada. A participação social e a pluralidade são fundamentais ao regime democrático e não podem ser comprometidas sob pretexto algum.
Conforme já demonstrado pela Câmara do Deputados e pelo Senado Federal, que prontamente criaram mecanismos que possibilitam o exame das medidas provisórias em novo rito, em vista da situação de emergência surgida com a pandemia do coronavírus, reiteramos não haver necessidade de suspensão do prazo de tramitação das medidas provisórias, como pretendido pelo Senhor Presidente da República. Assim, as entidades signatárias entendem que deve ser mantido o indeferimento do pedido de suspensão do prazo de tramitação das medidas provisórias, feito pela União Federal.
Todavia, também avaliamos que, embora garanta o exercício legislativo por meio da tramitação remota, o rito proposto pelas Mesas da Câmara e do Senado carece de revisões e aperfeiçoamentos fundamentais. Isso porque há a supressão da análise das matérias por meio de Comissão Mista, espaço garantido pelo Artigo 62, parágrafo 9 da Constituição Federal e primordial para interlocução junto à sociedade, o que inclui a academia, especialistas, organizações da sociedade civil e todos aqueles que tenham interesse em debater e contribuir na construção e no processo legislativo.
Preocupa-nos também que o novo rito impôs prazos muito exíguos para apreciação das MPs, tornando infactível que a população disponha de tempo razoável e oportunidade para o adequado exame, discussão, e eventual apresentação de subsídios para aprimoramento do texto original por meio de emendas. Ou seja, na prática, a eliminação desse espaço de debate e deliberação propostos pelo Congresso Nacional inviabiliza a participação da sociedade civil no processo legislativo, tornando-o insuficiente sob as perspectivas democrática e constitucional.
A tramitação na Comissão Mista pode – e deve – ser adequada à necessidade de deliberação remota conforme as soluções tecnológicas já adotadas pelas Casas e os prazos podem ser ajustados excepcionalmente a fim de garantir a celeridade necessária diante da realidade de pandemia no Brasil.
Considerando que a matéria será objeto de deliberação pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, as entidades signatárias vêm apresentar suas preocupações:
Com a chancela da atual liminar pela eliminação, por um ato do Poder Legislativo, de um dispositivo constitucional – a Comissão Mista – sob o entendimento de que o rito estabelecido para exame das medidas provisórias viola importante pilar da democracia, a participação social;
Com a importância da garantia constitucional de que o Poder Legislativo seguirá exercendo seu papel de controle político de atos do Poder Executivo, bem como sua prerrogativa de formulação de leis e ampla análise daquelas propostas pela presidência da República.
Dessa maneira, solicitamos que, de um lado, as Mesas Diretoras do Senado Federal e da Câmara dos Deputados façam as adaptações necessárias no rito já posto em prática para exame e deliberação das medidas provisórias, de acordo com o acima exposto. E que o Supremo Tribunal Federal, ao examinar a matéria, junto com o indeferimento dos pedidos formulados pela União Federal, garanta que a solução a ser dada ao caso assegure a ampla participação da sociedade civil no processo legislativo, como preconiza a Constituição Federal brasileira.
Respeitosamente,
15 de abril de 2020
Assinam:
ABI – Associação Brasileira de Imprensa
Ação Educativa
ACT Promoção da Saúde
Agenda Pública
Associação da Parada do Orgulho LGBT de São Paulo
BrCidades
CENPEC Educação
Centro de Direitos Humanos e Cidadania do Imigrante
Coalizão Direitos na Rede
Conectas Direitos Humanos
Delibera Brasil
Departamento Jurídico XI de Agosto
Educafro – Educação e cidadania de afrodescendente e carentes
Frente Favela Brasil
Fundação Avina
Fundação Tide Setubal
GELEDÉS – Instituto da Mulher Negra
GESTOS – Soropositividade, Comunicação e Gênero
Goianas na Urna
Greenpeace Brasil
Hivos – Instituto Humanista para Cooperação e Desenvolvimento
Iniciativa Negra Por Uma Nova Política sobre Drogas
inPACTO – Instituto Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo
Instituto Akatu
Instituto Alana
Instituto Alziras
Instituto Beta: Internet & Democracia
Instituto Clima e Sociedade
Idec – Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor
IDDD – Instituto de Defesa do Direito de Defesa
Instituto de Estudos Socioeconômicos
Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social
IGA – Instituto de Governo Aberto
Instituto Nossa Ilhéus
Instituto Physis – Cultura & Ambiente
Instituto Pólis
Instituto Sou da Paz
Instituto Update
Instituto Vladimir Herzog
Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social
Movimento Agora!
Oxfam Brasil
Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Político
Post atualizado às 14:10 de 20 de abril. Nem todas as MPs haviam sido incluídas no gráfico, pois o quadro de medidas para a pandemia fornecido pela Presidência da República estava incompleto no momento da consulta para este levantamento. Foram incluídas as MPs 935, 939, 947 e 949.
Com dúvida sobre a origem e o destino dos bilhões que o governo federal anuncia para combater a Covid-19? A Transparência Brasil te ajuda a entender.
Use as setas à esquerda e à direita para ver todos os gráficos:
No total, o governo federal reservou R$ 226.211.512.867,00 para ações de combate à Covid-19 e de redução de seus efeitos em diversas áreas. Parte do dinheiro vem da anulação de algumas despesas que estavam previstas no orçamento federal de 2020, e outra parte vem de reservas do governo federal.
Os dados têm origem nas Medidas Provisórias (MPs) e decretos com alterações orçamentárias editadas de 4 de fevereiro a 20 de abril de 2020 relacionadas à Covid-19, na Lei Orçamentária Anual (LOA) e em emendas parlamentares ao orçamento federal. Não estão incluídas aqui renúncias ou incentivos fiscais, nem projetos de lei eventualmente aprovados no Congresso.
Por lei, o governo federal pode alterar alguns itens do orçamento anual. Para algumas mudanças (como o cancelamento de verbas e o direcionamento de dinheiro para ações emergenciais que não estavam previstas), ele pode publicar uma Medida Provisória – que precisa ser avaliada pelo Congresso em um prazo definido, para virar lei. Outras mudanças (como o aumento de verbas para uma ação específica que já existia no orçamento) só podem ser feitas por meio de Decreto. As alterações devem sempre obedecer os limites que estão no orçamento do ano.
Como reportagens já mostram, os valores não necessariamente estão sendo ou já foram aplicados. São indicações de quanto será usado em qual ação do governo no contexto da pandemia.
Para acompanhar a concretização dos gastos, uma opção são as consultas prontas do Portal da Transparência do governo federal. O conteúdo desta planilha, que reúne os dados usados neste texto e nos infográficos, pode ajudar na consulta.
Benefícios sociais e socorro a emprego: destaques
Os maiores valores de crédito são destinados a pagamento de benefícios sociais (auxílio emergencial para trabalhadores informais e pessoas inscritas no Bolsa Família, por exemplo) e ações de manutenção de emprego. Para os benefícios sociais, são reservados R$ 101,2 bilhões (45%). Para financiar parte de salários reduzidos na iniciativa privada, foram reservados R$ 85,6 bilhões (38%).
Verbas para atenção especializada em saúde
Mais de R$ 18 bilhões (8%) serão destinados à atenção especializada em saúde, ou seja, para atendimentos mais complexos em hospitais e ambulatórios. Destes, a maioria (R$ 11 bilhões) serão transferidos a Fundos de Saúde dos estados e do DF.
Dos R$ 11 bilhões, quase tudo (R$ 10,8 bilhões) é destinado a despesas correntes, ou seja, compra de materiais, pagamento de prestadores de serviço etc. O restante (R$ 224,9 milhões) será destinado a investimentos (compra de equipamentos de longa duração, obras etc.).
Mais de R$ 4 bilhões serão repassados a Fundos Municipais de Saúde e R$ 477 milhões serão gastos diretamente pelo Ministério da Saúde, por meio do Fundo Nacional de Saúde.
Os dez estados que mais receberão repasses para programa de atenção especializada à saúde (sem considerar os repasses indicados como sendo de abrangência “Nacional”) são SP, PA, BA, CE, MA, AM, RS, RJ, GO e AL.
Sobre os cancelamentos
É importante notar que em algumas dessas ações o valor que foi cancelado é apenas uma parte do que estava previsto no Orçamento federal de 2020 para aquela atividade. Ou seja, há ações que continuarão a existir, pois haverá dinheiro de outras fontes.
Das 194 ações que tiveram algum valor cancelado, a maioria (174) ainda terá recursos para serem realizadas. Apenas 19 serão totalmente canceladas:
Cortes em saúde e educação
Houve corte considerável (R$ 3,2 bilhões) na saúde básica. A maior parte desses recursos era um acréscimo de dinheiro com o objetivo de atingir metas de atendimento que o governo federal determinou. Ainda restam, porém, mais de R$ 532 bilhões para essas ações na atenção primária à saúde.
Na atenção especializada à saúde (atendimentos em ambulatórios e hospitais), o cancelamento de despesas previstas chegou a R$ 2,3 bilhões. Assim como no caso da saúde básica, a maior parte do dinheiro (R$ 2,1 bilhões) era acréscimo de dinheiro com o objetivo de atingir metas de atendimento que o governo federal determinou. Resta ainda R$ 1,3 bilhão para essas ações.
Mais de R$ 247 milhões anulados seriam usados para construir e equipar unidades de atenção especializada em saúde em estados e municípios. Restaram R$ 79 milhões para essa ação.
Na educação, foram cancelados um total de R$ 717,9 milhões que eram destinados para a educação básica. A maior parte (R$ 671) milhões seriam repassados a estados e municípios para reforma ou construção de escolas e para compra de veículos para o transporte escolar. Do orçamento original, restaram R$ 104 milhões para essas ações. O apoio ao desenvolvimento da educação básica no Amazonas perdeu R$ 45 milhões (restaram R$ 17 milhões).
Na educação superior, foram cancelados R$ 163,4 milhões. O maior volume de cortes (R$ 77,8 milhões) foi nas verbas para reforma e modernização de instituições federais de ensino superior – incluindo hospitais universitários, mas ainda restaram R$ 252 milhões. O apoio a faculdades e universidades não federais foi reduzido em R$ 23 milhões; restaram R$ 16 milhões do total original.
A educação profissional e tecnológica perdeu R$ 59 milhões, ficando com R$ 93 do inicialmente previsto.
A incerteza diante da pandemia de Covid-19 é massiva. Não apenas não sabemos quais serão os desdobramentos do ponto de vista da saúde coletiva, nem as implicações econômicas, sociais e geopolíticas. No entanto, continuamos a ter de tomar decisões para os próximos dias e meses. Em nenhum lugar nos ensinam como nos preparar, de modo que compartilho aqui o que fizemos em minha casa.¹ Não sou especialista em planejamento familiar, mas dada a escassez de conteúdo sobre isso, acredito que pode ser útil.
Em casa, nós fizemos uma planilha com algumas colunas que devem ser preenchidas: cenários possíveis – cada linha é um cenário diferente; riscos associados a cada cenário; estratégias de mitigação – o que fazer se o risco se materializar e como se preparar para minimizar os impactos negativos; itens acionáveis – o que fazer concretamente, atribuindo responsáveis. Por fim, colocamos uma coluna de “outros”, para comentários genéricos que sejam relevantes. Abaixo apresento com um pouco mais de detalhe como construímos cada parte da planilha, a partir de exemplos pessoais.
Cenários
O primeiro passo é pensar nos possíveis cenários no curto prazo (próximas semanas) e no médio prazo (próximos meses) que podem afetar você e sua família. No nosso caso, que somos um casal com dois filhos pequenos (um deles com menos de 2 meses), pensamos em coisas como: e se um deles ficar doente; e se houver desabastecimento de itens essenciais; e se um de nós pegar Covid-19.
Riscos
Em seguida, pense como cada um desses cenários vai afetar você e a sua família, com granularidade e, preferencialmente, no pior cenário. Um exemplo simples parte do cenário em que um de nossos filhos fique doente o suficiente para precisarmos levá-lo ao médico. Os riscos serão grandes: hospitais estarão lotados e não sabemos qual será a disponibilidade da nossa pediatra; se for preciso usar algum remédio, será fácil comprar?
Estratégias de mitigação
Ainda no caso acima, pensamos, com a ajuda da nossa pediatra, que tipo de doenças crianças dessa idade podem ter nessa época do ano (primavera e inverno), qual a possibilidade do uso de telemedicina e quais remédios precisaríamos usar em cada caso. Então, uma das estratégias de mitigação é assegurar que teríamos à mão os remédios básicos necessários – Novalgina, anti-histamínico, soro fisiológico, etc.
Itens acionáveis
Saímos desse plano com ações a fazer e responsáveis – como, por exemplo, comprar hoje mesmo (não amanhã nem na semana que vem) os remédios e outros insumos necessários para minorar cada risco pensado.
Outros
Para ajudar a priorizar, também sinalizamos o nível de severidade dos problemas e o horizonte temporal (se será nas próximas semanas ou nos próximos meses). Talvez nenhum cenário ocorra – maravilha! Mas a ideia é não ser pego de surpresa e se preparar minimamente para o que está por vir.
Decisões em ambiente de incerteza
Diante de incerteza muito grande, combinada com um ambiente muito diferente do que já passamos, não sabemos qual parte do que consideramos normal ainda é uma boa prática ou um mau caminho. Traçar cenários possíveis para sua realidade ajuda a dar concretude para situações e a se planejar para elas.
O mais importante é evitar a paralisia e conseguir se planejar, dentro das suas condições. Isso inclui pedir ajuda, mudar estilo de vida, deixar parentes em prontidão em caso de necessidade, entre outros. Boa sorte a todos, cuidemo-nos, e, dentro do possível, fiquemos em casa.
Manoel Galdino Diretor-executivo da Transparência Brasil
Notas
[1] O procedimento adotado foi inspirado em recomendações da economista da saúde Emily Oster, em seu livro Cribsheet: A Data-Driven Guide to Better, More Relaxed Parenting, from Birth to Preschool.
Em 23 de março, o governo federal publicou a Medida Provisória nº 928, alterando a Lei de Acesso a Informação (LAI). Em nota conjunta com mais de 80 entidades da sociedade civil, repudiamos o teor da MP, por entendermos que representa um desnecessário retrocesso na transparência.
Como parte do processo de entender de que maneira outros países estão se organizando a esse respeito, consultei os membros da sociedade civil que compõem a Open Government Partnership e a FOIAnet, maior rede virtual de ativistas e especialistas em acesso a informação. Relato abaixo o resultado das consultas sobre o estado do direito a informação em diversos países, diante da pandemia da Covid-19.
Transparência ao redor do mundo
Canadá: nenhuma mudança oficial em política de acesso a informação, mas pedidos que requerem presença física para acesso a documentos estão naturalmente com períodos maiores para serem respondidos. Contudo, há relatos de pedidos que foram colocados em modo de espera sem prazo de resposta definido, além de expectativa de shutdown do sistema de pedidos.
Paquistão: nenhuma mudança legislativa até agora.
El Salvador: congresso aprovou lei suspendendo a maioria dos processos judiciais e administrativos. Isso pode impactar os pedidos e recursos na agência de acesso a informação de El Salvador (equivalente à CGU), mas não está claro.
Nesta coluna de retorno após minha licença-paternidade, abordo, como não poderia deixar de ser, a pandemia de Covid-19. Vou falar um pouco sobre os desafios para os temas caros à Transparência Brasil.
Saúde e transparência
A pandemia de Covid-19 traz desafios imensos para todos nós e, como não poderia deixar de ser, para a transparência, accountability, democracia e respeito aos direitos humanos de maneira geral. A incerteza sobre os impactos da pandemia, medidas governamentais e sua duração dificultam uma análise de mais longo prazo. No entanto, vale destacar como os temas caros à Transparência Brasil estão evoluindo ao redor do mundo e como podemos ficar atentos aqui.
Democracia
Em 2020 teremos eleições municipais, as quais poderão favorecer o contágio, devido a: i) filas de votação, pois proporcionam contato físico próximo; ii) urnas eletrônicas, pois digitaremos no mesmo teclado após os concidadãos; iii) a própria campanha eleitoral, que requer “corpo a corpo” dos candidatos com os eleitores.
A previsão inicial do ministro da Saúde era de que enfrentaríamos quatro meses “muito duros”. No entanto, de acordo com um estudo vinculado ao Imperial College, no Reino Unido, que vem repercutindo bastante, medidas de restrição de espaço e distanciamento social podem durar até 12 meses ou mais. É, portanto, algo a que devemos estar atentos e não simplesmente dar de barato que eleições acontecerão normalmente como em anos anteriores.
A pedido da Controladoria-Geral da União (CGU), a Transparência Brasil enviou sugestões de melhorias para a exibição das despesas relacionadas à Covid-19 no Portal da Transparência do governo federal. Desde 26 de março, o site disponibiliza consultas prontas sobre os gastos federais no controle da pandemia. Após reunir demandas e sugestões junto a jornalistas, organizações da sociedade civil e pesquisadores, enviamos uma lista com oito pontos para aperfeiçoar o fornecimento dos dados, dentre eles, melhor descrição dos gastos, possibilidade de baixar planilhas com gastos apenas de combate à Covid-19, disponibilizar informações de doações e campanhas publicitárias. Confira a íntegra das sugestões:
O Fórum de Direito de Acesso a Informações Públicas retomou as atividades em março de 2020, após alcançar a principal meta inicial de incentivar a aprovação de uma lei de acesso a informações no Brasil. Com composição reformulada, tem como objetivo intensificar o monitoramento da implementação da Lei 12.527/2011 (Lei de Acesso a Informação, LAI) que realizou de 2011 a 2017.
Criada em 2003 e lançada oficialmente em 2004 por iniciativa da Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo), a coalizão de organizações da sociedade civil teve papel fundamental na discussão e aprovação da LAI. Além de promover a pauta em eventos com autoridades públicas chave em 2003 e 2009, incidiu diretamente no processo.
Graças a gestões de organizações fundadoras do grupo (Abong, Inesc, OAB, Transparência Brasil e SOS-Imprensa), além do Instituto Ethos, ABI (Associação Brasileira de Imprensa) e Conselho das Igrejas Evangélicas, a Casa Civil encaminhou à Câmara dos Deputados em 2009 um projeto de lei cuja tramitação culminou na aprovação da LAI. A abrangência da Lei para todos os poderes em todos os níveis, a existência de uma instância de supervisão no governo federal e de uma lista anual de documentos classificados como sigilosos foram sugestões apresentadas formalmente pelo Fórum de Acesso, então sob coordenação do jornalista Fernando Rodrigues. De 2010 a 2011, dedicou-se a ações de pressão pública pela aprovação rápida do texto, como cartas compromisso de candidatos e carta pública à então presidente Dilma Rousseff.
A primeira ação da rede em 2020 foi participar da articulação de uma nota conjunta da sociedade civil contrária à Medida Provisória (MP) 928/2020, que permitiu a suspensão do prazo máximo de atendimento a pedidos de informação. A nota foi publicada em 24 de março, com repercussão na mídia. Em 26 de março, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes suspendeu a medida.
Além de estar atento para reagir a retrocessos impostos à LAI, o Fórum de Acesso realizará avaliações do cumprimento da regra e apontará soluções para melhorar a implementação da Lei de Acesso nos diferentes níveis e poderes. O propósito é reforçar o controle social que a rede realizou de 2011 até o fim de 2017 sob coordenação da Abraji, período no qual o Fórum prestou auxílio a jornalistas que pediram socorro com problemas relacionados ao uso da LAI, criou modelos de requerimento de acesso a informações e guias para uso da regra, além de coordenar edições do Mapa do Acesso a Informações Públicas.
O Fórum conta atualmente com 22 membros, que discutem e decidem conjuntamente as ações a serem concretizadas. Destes, nove já compunham a coalizão.
Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo)*
ANDI – Comunicação e Direitos*
Associação Contas Abertas*
Brasil.io
Escola de Dados
FENAJ (Federação Nacional dos Jornalistas)*
Fiquem Sabendo
Greg Michener (pesquisador e professor – FGV-Rio)
Inesc*
Instituto Centro de Vida (ICV)
Instituto Ethos
Instituto de Governo Aberto
Instituto Millenium*
Instituto Não Aceito Corrupção
ITS-Rio (Instituto Tecnologia e Sociedade)
Jeduca (Associação de Jornalistas de Educação)
Livre.jor
Projeto SOS Imprensa – UnB*
Renoi – Rede Nacional de Observatórios de Imprensa*
Rede Nossa São Paulo
Transparência Brasil*
Transparência Partidária
*Já compunham a rede
A Transparência Brasil exerce a coordenação da rede no biênio 2020-2021, como parte das ações do projeto Achados e Pedidos. Financiada pela Fundação Ford e realizada em parceria com a Abraji, a iniciativa tem como objetivo fortalecer a Lei de Acesso a Informação no Brasil. Além do Fórum de Acesso, envolve o maior repositório on-line de pedidos de informação e respectivas respostas do país – que neste ano concentrará esforços na área socioambiental.
Duas entidades que fundaram e compunham o Fórum deixam de fazer parte dos processos de tomada de decisão: Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (ANAMATRA); e Ministério Público Democrático (MPD). Fundamentais no processo de aprovação da LAI, essas organizações terão o status de Fundadoras e manterão a proximidade institucional; entretanto, como algumas ações desta nova etapa do Fórum poderão entrar em conflito com suas atribuições estatutárias, afastam-se do quadro executivo. As demais organizações da formação original do Fórum foram contatadas para renovar ou alterar sua participação na rede.