Prefeituras destinam mais de R$ 1,1 milhão para comprar medicamentos ineficazes contra a covid-19

! Atualizado em 21.out.2021 para corrigir o montante destinado por municípios do RS: o total foi de R$ 768.657,26 e não de 1.188.143,26, como informava este texto anteriormente. Este último valor é a soma dos montantes destinados pelos muncípios do RS e de PE.

! Atualizado em 22.out.2021: a prefeitura de Caxias do Sul informou que a compra emergencial de R$ 47.200 em azitromicina não teve como objetivo o tratamento de covid-19. A justificativa da licitação menciona Nota Informativa da secretaria de Saúde que indica a azitromicina para tratamento de doenças respiratórias agudas e exacerbações doenças pulmonares crônicas.

Municípios do Rio Grande do Sul e de Pernambuco fecharam contratos no primeiro semestre de 2021 para adquirir hidroxicloroquina, ivermectina e azitromicina para o tratamento da covid-19 na rede pública de saúde – apesar de pesquisas científicas terem concluído já em 2020 que os remédios não servem para a doença.

De acordo com dados da plataforma Tá de Pé Compras Emergenciais, da Transparência Brasil, 49 prefeituras gaúchas realizaram compras do tipo, em um total de R$ 768.657,26. Em Pernambuco, 9 prefeituras fecharam um total de R$ 419.486 em contratos para compra desses medicamentos. Os dados estão disponíveis nesta planilha.

Os números são menores do que os registrados em 2020: no RS, 93 municípios contrataram 2,6 milhões em hidroxicloroquina, ivermectina e/ou azitromicina. Em PE, 33 municípios contrataram R$ 1,9 milhão nesses produtos. Ainda assim, o volume de recursos públicos destinados a remédios que, além de não fazerem efeito contra a covid-19, podem causar prejuízos graves à saúde dos pacientes, é alto.

No Rio Grande do Sul, Gramado foi a cidade que destinou mais recursos à compra dos remédios em 2021: foram R$ 129,2 mil (45% em hidroxicloroquina, 40% em azitromicina e 15% em ivermectina). Em Pernambuco, a liderança é de Vitória de Santo Antão, que contratou R$ 116,8 mil em azitromicina.

Em ambos os estados, destaca-se a quantidade de medicamentos contratada pelas prefeituras em relação à população estimada pelo IBGE para o município em 2021 e à ocorrência de casos de covid-19. Em vários casos, os estoques de hidroxicloroquina, ivermectina e azitromicina são tamanhos que, dependendo da data de vencimento, há risco de descarte.

A administração de São Francisco de Assis (RS) garantiu quase três comprimidos (2,7) de azitromicina para cada um de seus 18.081 habitantes, ao comprar 50 mil comprimidos de 500 mg. Considerando que a covid-19 atingiu cerca de 10% da população da cidade de março de 2020 até a primeira quinzena de outubro de 2021 (1.812 casos, de acordo com o Ministério da Saúde), a cidade deve estar agora com um alto estoque do antibiótico. Essa foi, aliás, a maior compra de remédios sem eficácia para covid-19 em 2021 nos municípios gaúchos.

Como o montante contratado indica, Gramado (RS) também assegurou um estoque considerável de azitromicina. A Prefeitura adquiriu 40 mil comprimidos, rendendo mais de um para cada um dos 36,8 mil habitantes. Comprou também 700 frascos do antibiótico em suspensão oral, com dosagem de 900 mg. O total de casos de covid-19 até a primeira quinzena de outubro foi de 9.187, segundo o Ministério da Saúde.

Em Calumbi (PE), foram contratados 30 mil comprimidos de azitromicina, o que rende mais de 5 comprimidos do antibiótico para cada um dos 5.744 habitantes. No caso da ivermectina, a aquisição de 20 mil comprimidos rende mais de 3 unidades por pessoa. Mesmo que os medicamentos servissem para a covid-19, o volume contratado é bem maior do que a demanda: Calumbi teve 782 casos confirmados de covid-19 desde março de 2020, de acordo com dados do Ministério da Saúde, ou seja, pouco mais de 13% da população.

Com 20 mil comprimidos, São João (PE) também assegurou mais de uma unidade de azitromicina para cada um dos 23.002 habitantes. Contratou, ainda, 4.600 frascos do remédio em forma líquida.

Fornecedores

O Tá de Pé Compras Emergenciais também oferece os dados das empresas com as quais os contratos foram fechados, possibilitando verificar quais fecharam o maior valor em contratos para o fornecimento dos remédios sem eficácia. No Rio Grande do Sul, duas das cinco empresas com maiores valores em contratos forneceram para apenas uma prefeitura. No caso de Pernambuco, foi possível identificar ao menos dois casos em que o total das compras foi feito junto a apenas uma empresa.