Organizações da sociedade civil divulgam carta aberta e pedem que projeto de lei perigoso para usuários do Metrô e CPTM seja vetado

Mais de 20 organizações da sociedade civil divulgaram nesta terça-feira (9.mar.2021) uma carta aberta sobre o Projeto de Lei nº 865/2019, aprovado recentemente na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo e responsável por autorizar o uso de tecnologias de reconhecimento facial no Metrô e na Companhia de Trens Metropolitanos (CPTM). De acordo com a carta, o texto do PL, que aguarda sanção do governador João Dória (PSDB-SP), foi aprovado às pressas, sem transparência ou qualquer interlocução com a sociedade e setores que atuam com este tema, não sendo capaz de mitigar os riscos envolvidos e assegurar direitos fundamentais de milhões de passageiros que utilizam o sistema diariamente. Se for sancionada, a iniciativa deve impactar a vida das 7,8 milhões de pessoas que usam o Metrô. 

Além de ignorar as falhas já conhecidas das tecnologias de reconhecimento facial no Brasil e outros países – que tendem a provocar discriminação, especialmente em relação a pessoas negras, mulheres cis, pessoas transexuais, travestis e não-binárias, levando a suspeições, prisões e constrangimentos equivocados – o Projeto de Lei também viola padrões internacionais de direitos humanos, contraria princípios de proteção de dados pessoais presentes na Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) e gera grande insegurança jurídica e dúvidas sobre a eficiência e necessidade deste gasto público. A carta pede o veto do governador ao projeto.

O Conselho de Transparência do Estado de São Paulo já se manifestou contrariamente ao PL em carta publicada em 5 de março. Também foi publicada Nota Técnica produzida pelo Instituto de Tecnologia e Sociedade (ITS-Rio), Laboratório de Políticas Públicas e Internet (LAPIN) e Access Now, anexa à carta aberta.

Principais pontos problemáticos do PL, segundo a carta

  1. Ignora as falhas já conhecidas das tecnologias de reconhecimento facial

Inúmeros estudos mostram que a tecnologia de reconhecimento facial possui maiores índices de erros com públicos específicos e tende a provocar discriminação, especialmente em relação a pessoas negras, transexuais, travestis e não binárias, levando a suspeições, prisões e constrangimentos equivocados, violações de Direitos Humanos e fortalecendo preconceitos e desigualdades estruturais.

  1. Viola padrões internacionais de Direitos Humanos

O texto possibilita o uso generalizado do reconhecimento facial no Metrô e na CPTM, o que contraria diretrizes emitidas pela Alta Comissária para Direitos Humanos da ONU e pelo Relator Especial da ONU para o Direito à Privacidade. Segundo os representantes, é preciso impor limites ao uso de dados biométricos, devendo ocorrer quando for absolutamente necessário para atingir um objetivo legítimo. O uso da tecnologia ainda tende a causar um “efeito inibidor”: o receio de estar sendo vigiado ou rastreado restringe a participação das pessoas em assembleias e no espaço cívico, impedindo-as de se expressar sem constrangimento.

  1. Contraria princípios de proteção de dados pessoais

O PL aprovado ignora as determinações básicas como as presentes na Lei Geral de Proteção de Dados – LGPD (Lei nº 13.709/18). Sequer faz menção à lei que determina as bases legais e os princípios a serem seguidos para a coleta e tratamento de dados pessoais, especialmente os sensíveis, além de não considerar outros direitos aplicáveis.

  1. Gera grande insegurança jurídica e ineficiência no gasto público

Em 2018, a Justiça de São Paulo suspendeu o uso de tecnologias similares  no transporte público, determinando que uma concessionária do metrô da capital paulista cessasse a coleta de dados de som e imagem biométrica dos usuários, com a justificativa de que o tratamento de dados dessa forma atentaria contra o direito constitucional à intimidade e à vida privada, bem como os direitos dos consumidores. Mais recentemente, em outra decisão sobre um edital de licitação para compra de câmeras de reconhecimento facial, o Judiciário determinou que o Metrô de São Paulo prestasse esclarecimentos sobre o sistema.

Dessa forma, a insegurança jurídica tende a crescer exponencialmente caso o PL seja sancionado. Eventuais ações judiciais contra o uso de reconhecimento facial imposto por meio do PL podem levar à suspensão de editais de licitação, gastos com custas processuais e, em casos mais extremos, ao pagamento de indenizações e multas por erros decorrentes de falsos positivos em reconhecimento facial ou vazamento de dados sensíveis.

Leia o documento na íntegra: https://bit.ly/3bwj4lC

 

Assinam a carta:

  1. Access Now
  2. ARTIGO 19 Brasil
  3. Articulação Interamericana de Mulheres Negras nas Ciências Criminais
  4. Associação Data Privacy Brasil de Pesquisa
  5. Associação dos Especialistas em Políticas Públicas do Estado de São Paulo
  6. Cidades Afetivas
  7. Coding Rights
  8. Comunidade Cultural Quilombaque
  9. Dado Capital
  10. Derechos Digitales, América Latina
  11. Instituto Alana
  12. Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor – IDEC
  13. Instituto de Referência em Internet e Sociedade – IRIS
  14. Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social
  15. Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social
  16. Laboratório de Políticas Públicas e Internet – LAPIN
  17. Núcleo Especializado de Defesa do Consumidor da Defensoria Pública do Estado de São Paulo
  18. Núcleo Especializado de Cidadania e Direitos Humanos da Defensoria Pública do Estado de São Paulo
  19. Núcleo Especializado de Defesa da Diversidade e da Igualdade Racial da Defensoria Pública do Estado de São Paulo
  20. Núcleo Especializado de Infância e Juventude da Defensoria Pública do Estado de São Paulo
  21. Ocupa Política
  22. Open Knowledge Brasil
  23. Rede latino-americana de estudos sobre vigilância, tecnologia e sociedade  – LAVITS
  24. Rede pela Transparência e Participação Social – RETPS
  25. Transparência Brasil
  26. Uneafro Brasil