Instrumento de acesso a informação essencial ao jornalismo e à sociedade brasileira completa treze anos. Esta é a terceira de uma série de reportagens em comemoração aos 25 anos da TB
O número de quedas nos vãos das estações de trem de São Paulo diminuiu após revelação da Agência Mural, a partir de dados obtidos via Lei de Acesso a Informação (LAI), do número de acidentes por ano. A média anual de quedas passou de mil, em 2017, para 300, em 2023, ilustrando como a legislação potencializa o trabalho jornalístico e seus impactos na vida da população.
Em maio deste ano completam-se treze anos de reportagens como essa, possibilitadas pela garantia, na LAI, de que o acesso a informação e a transparência pública são obrigações dos três Poderes em todas as esferas do país. Tal abrangência é resultado de esforços incansáveis da Transparência Brasil, entre 2005 e 2009, em alertar organizações parceiras e o governo federal sobre a urgência de uma legislação que alcançasse principalmente aqueles que mais relutavam em prestar contas à sociedade.
Percorreu-se um longo caminho entre o início da reivindicação da sociedade civil pela legislação até a sanção presidencial da Lei 12.527/2011, em 18.nov.2011, e sua entrada em vigor em 16.mai.2012. O PL 219/2003, do deputado federal Reginaldo Lopes (PT-MG) foi o primeiro que propôs regras para o que consta no Art. 5º, inciso 33, da Constituição Federal: “todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral”.
Em 2005, a Transparência Brasil pautou a necessidade de avançar a regulamentação do acesso a informação no país dentro do Conselho de Transparência Pública e Combate à Corrupção (CTPCC), organismo vinculado à Controladoria-Geral da União (CGU) e hoje chamado de Conselho de Transparência, Integridade e Combate à Corrupção. O governo federal apresentou uma minuta de anteprojeto no ano seguinte:

Cláudio Weber Abramo (1946-2018), diretor executivo da TB à época, narrou em artigo no Observatório da Imprensa o papel imprescindível da organização para que a legislação fosse aprovada e aplicável a todos os níveis e poderes.
Durante as eleições presidenciais de 2006, por exemplo, a Transparência Brasil conseguiu o compromisso do então presidente Lula de enviar o anteprojeto ao Congresso Nacional no ano seguinte caso fosse reeleito. Segundo Abramo, a promessa foi feita publicamente pelo presidente ao menos três vezes. De 2007 a 2008, a organização reagiu diante do silêncio do governo federal: enviou diversos pedidos de esclarecimento à Casa Civil e à CGU sobre a inércia do Executivo.
No início de 2009, a imprensa noticiou que o anteprojeto, alterado pela Presidência da República, finalmente seria pautado. A TB pressionou a CGU para que o novo texto fosse apresentado ao CTPCC e obteve amplo apoio de outras entidades do organismo. Diante do ‘desastre’ proposto pelo governo de restringir a regulamentação do acesso a informação ao Executivo federal, a organização travou uma batalha por uma reformulação do texto.
A Transparência Brasil atacou a exclusão de órgãos das esferas estadual e municipal do projeto. Como evidenciou o Mapa de Acesso 2008 da Abraji, estes respondiam muito mal a demandas por informação: apenas a Câmara Municipal de dois municípios e uma prefeitura forneceram informações solicitadas pela entidade com base no Art. 5º, inciso 33, da Constituição. O mesmo levantamento feito no ano anterior com 120 órgãos estaduais dos três poderes indicou que só 5,8% forneceram informações.
De acordo com o ex-diretor da TB, o ‘absurdo’ da proposta da Presidência da República foi devidamente reconhecido pelas organizações civis do CTPCC e pelo representante do Ministério da Fazenda José Mauro Gomes no Conselho, além da CGU. O texto, reformulado, retirou a restrição da legislação ao Executivo federal e foi enviado à Câmara dos Deputados em 2009.
Deputados e deputadas aprovaram o projeto de lei em 13.abr.2010 com alterações importantes sobre o prazo das classificações de sigilo em documentos, o que até então era ilimitado. Durante a tramitação da proposta no Senado Federal, a Transparência Brasil cobrou os candidatos à Casa por uma posição sobre o PL.
Com apoio da Artigo 19 e Abraji, foram oficiados 91 candidatos ao Senado com mais de 10% de intenções de voto nas pesquisas. Entre os eleitos, apenas 18 se comprometeram em aprovar o PL.
A Lei de Acesso a Informação foi aprovada pela Casa dois anos após sua apresentação ao Congresso pelo governo federal, em 25.out.2011. Os senadores mantiveram o texto que saiu da Câmara, cujas classificações de sigilo são limitadas, apesar de esforços contrários pela restituição do sigilo eterno sobre documentos, proposta pelo substitutivo do então senador Fernando Collor de Mello.
Desafios ao pleno acesso a informação permanecem após legislação
Com um ano de LAI, o cenário era de inexistência de estrutura adequada dos órgãos tanto para a abertura dos pedidos quanto para as respostas. Cláudio Weber Abramo considerava haver, na época, uma classificação generalizada de documentos como sigilosos como forma de manter a opacidade sobre informações de interesse público – o que ocorre até hoje.
Segundo a diretora de programas da TB e especialista em acesso a informação, Marina Atoji, a LAI estabeleceu um rol de informações mínimas a serem divulgadas, mas alguns procedimentos, como os de recurso e classificação de sigilo, não funcionam plenamente quando não há regulamentação própria daquele nível ou esfera de poder.
Desde a entrada em vigor da LAI até hoje, persiste uma resistência dos órgãos do poder público em regulamentá-la e se adequar a boas práticas de transparência. Dados do IBGE indicavam que 45% dos municípios brasileiros ainda não haviam criado regulamentação própria após sete anos de legislação.
Atoji afirma que a inércia em tomar providências nesse sentido é um dos sintomas da pouca importância dada ao direito de acesso a informação. Além disso, ainda é uma característica do poder público evitar a dor de cabeça de fornecer informações sobre sua gestão e funcionamento. “Não há incentivo para a boa implementação da LAI nem desincentivo por desobedecê-la. Deixar de cumprir a LAI ainda sai barato”, declara a diretora de programas da TB.
Os desafios à regulamentação motivaram as organizações que compõem o Fórum de Direito de Acesso a Informações Públicas, incluindo a Transparência Brasil, e o Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio a promoverem a campanha Regulamenta LAI em municípios em 2020. A iniciativa funcionou por meio da criação e apresentação de projetos de lei de iniciativa popular.
Para a diretora de programas da TB, Marina Atoji, falta popularizar-se na sociedade e no funcionalismo público o entendimento de que existe um conjunto claro de regras de que o cidadão pode pedir qualquer tipo de informação e o poder público tem a obrigação de responder em um prazo específico.
“O acesso a informação fortalece a democracia porque aproxima o cidadão do poder público. Há um dever de responsividade e obrigação do Estado em prestar contas para você. E esse é um direito seu. Ele está ali para dialogar com você”, diz.
Já para o jornalismo, Atoji afirma que a LAI ‘é uma declaração de independência’, pois a profissão não depende mais de assessorias de imprensa e da boa vontade do poder público em cumprir o Art. 5º da Constituição e fornecer informações.
Nos últimos cinco anos, a TB trabalha para que a legislação seja cumprida em todas as esferas e poderes, garantindo a função jornalística de difundir informações públicas de maneira acessível à sociedade – propósito da organização desde sua fundação.
O projeto Achados e Pedidos, por exemplo, realizado junto da Abraji, reúne pedidos e respostas de órgãos via LAI, dúvidas e dicas sobre como solicitar informações. Por ser um extenso repositório online, jornalistas e cidadãos podem procurar por dados já fornecidos pelo poder público.
Além disso, a TB produz conhecimento qualificado sobre o acesso a informação, mapeia desafios e lacunas na área, como o uso inadequado da Lei Geral de Proteção de Dados para negar informações públicas, e contribui para fortalecer a atuação fiscalizadora do Fórum de Acesso.