Novo relatório da Transparência Brasil aponta que lacunas em dados de compras e licitações do governo federal impedem que a sociedade verifique a qualidade do gasto público. As bases disponibilizadas no Portal da Transparência não contêm informações essenciais, como a quantidade de itens adquiridos, e nem sempre podem ser conectadas entre si, o que impede o acompanhamento do processo de compra.
O estudo Dados de contratações públicas do governo federal: um quebra-cabeças incompleto analisou 2.764.186 compras feitas em 2020 sob regime emergencial para combate à pandemia de covid-19. Ainda que os dados se encontrem em formato aberto, nem todas as compras estão disponíveis na plataforma. Os problemas se estendem para períodos anteriores.
O Portal oferece bases de dados que contêm separadamente número da licitação, item adquirido e quantidade adquirida, mas as informações em cada uma delas são insuficientes para conectá-las. Na análise da TB, não há como obter informações precisas nem completas sobre as compras do período mesmo se o cruzamento das bases fosse possível.
Faltam descrições básicas nas contratações: dois terços dos empenhos de 2020 foram preenchidos incorretamente. Sem os itens comprados e seus respectivos valores unitários corretamente especificados, não é possível realizar a leitura por máquina dos dados, nem identificar sobrepreços.
A ausência de algumas contratações piora o cenário. Os dados do Portal não incluem contratos formalizados por meio de notas de empenho, mecanismo permitido pela antiga (8.666/93) e pela nova Lei de Licitações (14.133/21). Essa limitação da base dificulta cálculos de valor unitário de itens e a consequente comparação de média de preço dos produtos comprados – informações que podem ser usadas no monitoramento de compras públicas por ferramentas como o Tá de Pé, da Transparência Brasil.
A plataforma indicou, por exemplo, que o governo federal realizou quase R$ 2 bilhões em compras emergenciais com risco de irregularidades de 2020 a 2022. O Tá de Pé compara compras a partir do preço mediano de um item.
A diretora executiva da TB, Juliana Sakai, alerta que os problemas observados a nível federal podem se estender para o novo Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP), inaugurado em 2021 junto à nova Lei de Licitações. O uso do PNCP se tornou obrigatório para entes subnacionais, como prefeituras, a partir de 2023.
Sakai apresentou a necessidade de melhoria na qualidade dos dados do novo portal em reunião com o Ministério da Gestão em 26 de janeiro deste ano. Segundo ela, o preenchimento adequado das informações é o que permite o acompanhamento do dinheiro público pela sociedade civil.
A diretora da TB também reforçou à Gestão que o projeto de lei 249/22, aprovado pela Câmara dos Deputados em 19 de outubro de 2022, garante a participação de organizações sociais no Comitê Gestor do PNCP. Em resposta, representantes do Ministério disseram acreditar ser necessário criar um espaço de diálogo diferente para a colaboração com as entidades, que visaria a efetivação da ferramenta como controle social das compras públicas, mas ainda não há indicações de que isso ocorrerá.
Acesse o relatório na íntegra.
Impedimentos do processo de compra pública
O processo de compra pública começa com a emissão da licitação, podendo ser dividida nas cinco etapas demonstradas abaixo. Mas falta um código que relacione os documentos de cada etapa nas bases de dados do Portal da Transparência.
A licitação 12/2018 realizada pela Diretoria de Abastecimento da Marinha ilustra o caso. O valor licitado de R$ 1,53 se destinava para a contratação de serviços de impressão e cópia, com valores de página impressa variando de R$ 0,13 a R$ 0,78. O Serviço de Veteranos e Pensionistas da Marinha emitiu, em 2021, um empenho associado a essa mesma licitação no valor de R$ 164 mil. Sem todo o trâmite, não é possível estimar quanto foi realmente pago pelos itens comprados.
Só a partir de 2021 o governo federal passou a listar o histórico de alterações nos empenhos originais, indicando novos documentos gerados. Para os dados de 2011 a 2020, não é possível saber se o processo de compra foi cumprido conforme a licitação. A Controladoria-Geral da União informou que forneceria o código que liga empenhos originais às suas alterações, mas sem prazo definido para isso.