A Transparência Brasil recebe com preocupação o decreto n. 9.690/2019 publicado hoje, dia 23 de janeiro de 2019, pelo governo federal, que altera as regras sobre quem pode classificar informação em grau secreto e ultrassecreto, ao permitir que dirigentes de órgãos da administração pública indireta, bem como servidores DAS 6 possam classificar informações como ultrassecretas (fixando sigilo de até 25 anos).
A Lei de Acesso à Informação (LAI), em vigor desde 2012, regulamentou o direito à informação garantido pela Constituição Federal. A LAI determina que informações possam ser categorizadas como sigilosas em situações extremas, por exemplo, quando se coloca em risco a soberania nacional, a saúde da população, ou a estabilidade financeira do estado.
A mudança na regulamentação da LAI foi feita sem transparência e diálogo com a sociedade civil. Em 12 de dezembro de 2018, houve reunião do Conselho de Transparência Pública e Combate à Corrupção (CTPCC), presidida pelo atual ministro da Controladoria Geral da União (CGU), Wagner Rosário, e composta por representantes do governo e da sociedade civil. Conforme registrado em ata, foi anunciado que eventuais mudanças na LAI seriam comunicadas e discutidas previamente com os membros do CTPCC, e que o governo entendia que aquele era um espaço para discutir a agenda da CGU. Assim, recebemos com surpresa que essa mudança tenha sido feita de forma oposta à anunciada pelo ministro da CGU na reunião, que permanece à frente do órgão na nova gestão.
É verdade que o presente decreto vem corrigir eventual incompatibilidade do decreto anterior com a LAI, já que esta (Art. 27, §1०) dava à autoridade responsável o poder de delegar a competência a agentes públicos a classificação de documentos como ultrassecretos. Tal prerrogativa havia sido vedada pela regulamentação anterior. Porém, o atual decreto amplia a possibilidade do uso infundado e excessivo deste instrumento, o que pode vir a prejudicar o monitoramento do poder público e, nos casos em que a classificação seja de fato justificada, estende-se o rol de agentes públicos que tenham acesso a informações que, por representar risco para a sociedade ou para o Estado, deveriam ter acesso o mais restrito possível .
As normas que regulamentam a concessão de sigilo são ainda subjetivas, posto que não há critérios claros para determinar o que é um risco à sociedade ou ao estado, por exemplo. Ao ampliar o leque de servidores para escalões mais baixos, é de se esperar que diminua a uniformidade dentro do estado do que deve ou não ser sigiloso. De maneira prática, isso implicaria potencialmente em mais pedidos de revisão para a Comissão Mista de Reavaliação da Informação. Por outro lado, se existe a necessidade de aumentar autonomia da administração pública indireta, é imprescindível, mais uma vez, que este tema seja debatido com a sociedade civil e que parâmetros mais claros sejam estabelecidos. A título de exemplo, ao melhorar os critérios para definir o que é “prejudicar ou causar risco a projetos de pesquisa e desenvolvimento científico ou tecnológico” (Art. 23 da LAI), evitaríamos que cada reitor de universidade classificasse as informações como bem entender, comprometendo de maneira arbitrária o acesso à informação.
O governo, ao não consultar nem discutir com a sociedade o decreto, contribuiu para a repercussão negativa da decisão. As boas práticas de governo aberto, encampadas pela CGU, preconizam a colaboração da sociedade civil. Ao não seguir essas práticas, o governo levanta suspeitas e temores de retrocesso. Esperamos que explique à sociedade as razões que motivaram a decisão, reparando a falta de transparência na regulamentação da transparência governamental.