O mundo está com os olhos direcionados para a COP 27, a Conferência do Clima das Nações Unidas que se encerrou no Egito no último dia 18 e decidiu sobre temas importantes do Acordo de Paris. Nela ocorreram negociações essenciais para alcançar o objetivo de impedir o aumento da temperatura global acima de 1.5°C ou mantê-lo bem abaixo de 2°C até o final do século. A política ambiental brasileira apresentou fortes retrocessos nos últimos quatro anos e, para que esse quadro seja revertido, é essencial que as instituições públicas relacionadas à governança climática adotem padrões elevados de transparência ativa.
O Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima e o Crescimento Verde (CIMV)1, responsável por coordenar e implementar ações e políticas públicas do país relativas à mudança do clima, por exemplo, sofre com alto grau de opacidade2. O seu regimento interno determina que as reuniões do colegiado têm “caráter reservado”, conforme indicado à ONG “Política por Inteiro” por meio de resposta a pedido de informação3. Ou seja, não é possível conhecer por completo as discussões feitas pelo órgão, o que contraria a diretriz de fomento da cultura de transparência na administração pública estipulada na Lei de Acesso à Informação (LAI) em seu art. 3º, inciso IV.
As informações básicas sobre a atuação do CIMV, como o nome dos integrantes e os seus contatos oficiais são de difícil acesso, violando o art. 8º, §3º, inciso I da LAI, segundo o qual a informação deve ser disponibilizada na internet de forma objetiva, de fácil compreensão e com mecanismos ágeis para o seu acesso. Para acessá-las, é preciso abrir cada uma das oito atas disponíveis no site, verificar os membros presentes em cada reunião e conduzir uma pesquisa dos seus contatos oficiais, como e-mail e telefone, na internet.
Isso sem contar a dificuldade de entender a composição atual do colegiado, devido à mudança de representantes dos órgãos que compõem o comitê ao longo do tempo. Para encontrar o cronograma e pautas dos encontros do CIMV também foi necessário abrir e ler cada um desses documentos. E só foi encontrado o cronograma de reuniões proposto para 2022, registrado na ata da 3ª Reunião Ordinária, no dia 20 de outubro de 2021, quando o colegiado ainda tinha o nome de Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima (CIM). O grupo poderia seguir o exemplo de outro órgão da mesma área: o site do Comitê Gestor do Fundo Nacional sobre Mudança do Clima exibe os representantes, seus contatos e as datas de encontro de uma forma mais acessível à população.
O histórico do comitê desde a sua criação em 2007 está comprometido. Na aba “Arquivos CIMV”, só estão disponíveis documentos produzidos pelo colegiado entre 2020-2022. Em resposta a uma solicitação via LAI pelas atas e listas de presença das reuniões do órgão desde seu início, a Casa Civil da Presidência da República não foi capaz de localizar os documentos: “foram efetuadas buscas no arquivo deste órgão, não tendo sido localizadas atas e listas de presença de reuniões do Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima ocorridas entre 2007 e 2019”.
O órgão indicou o link de acesso para as atas do comitê, que à época da resposta do pedido4 só continha a ata relativa à 1ª reunião interministerial sobre mudança do clima, ocorrida em 21 de outubro de 2020. A ausência desse histórico na página do comitê impossibilita a análise e o controle social de suas decisões a longo prazo. Mesmo que o órgão tenha sido recriado em 2019 com outro nome, é imprescindível manter o registro de suas atas, desde a sua criação. Também espanta a resposta de que tais informações não foram encontradas, revelando uma ineficiência na gestão e guarda das informações públicas do órgão responsável.
O grupo técnico temporário criado no âmbito do CIMV em 2021 para elaborar a proposta de atualização da Política Nacional sobre Mudança do Clima também herdou as insuficiências de transparência ativa do comitê, contrariando as determinações expressas na sua própria resolução de criação. O art. 8º determina que “será dada transparência ativa da agenda de reuniões, atas e dos documentos finais elaborados”. Porém, foram encontradas menções ao GT apenas na ata do dia 17/08/2021 (2ª reunião ordinária do CIM) – relatando a sua criação – e na do dia 20/10/2021 (3ª reunião ordinária) – que aprovou a minuta do Projeto Lei que atualiza a Política Nacional Sobre Mudança do Clima, resultado direto do grupo técnico5. Mesmo mediante a realização de pedido de acesso à informação, requerendo acesso aos cronogramas de trabalho, informações sobre composição (com nomes), agenda de reuniões e demais documentos atinentes ao GT, o órgão indicou justamente o link com as atas da CIMV. Assim, há pouquíssima informação sobre as seis reuniões técnicas e as suas respectivas decisões que ocorreram no âmbito do GT, bem como os atores envolvidos, que resultaram na minuta submetida à consulta pública em 05/11/2021.
A dificuldade de acessar informações básicas para o acompanhamento das atividades de um órgão decisório da importância do CIMV, que tem entre suas atribuições deliberar sobre as metas do Brasil para reduzir as emissões de gases de efeito estufa e as estratégias para atingi-las (as Contribuições Nacionalmente Determinadas, no âmbito do Acordo de Paris) revela a baixa prioridade dada ao tema pela gestão federal atual. O próximo governo deve tratar com urgência o aprimoramento de sua transparência ativa, evitando a sobrecarga de pedidos de acesso à informação e possibilitando o alcance dessa informação para a população, de forma acessível e objetiva.
____________________________________________
1 Trata-se do antigo Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima (CIM), criado pelo Decreto nº 6.263, de 2007, que foi revogado a partir da publicação do Decreto nº 9.759, de 2019, o qual extinguiu e estabeleceu diretrizes, regras e limitações para colegiados da administração pública federal. O colegiado foi recriado pelo Decreto nº 10.145, de 2019, depois revogado pelo Decreto nº 10.845, de 2021, com o nome de Comitê Interministerial sobre a Mudança do Clima e o Crescimento Verde (CIMV).
2 Essa análise considerou as informações disponíveis no site da CIMV até o dia 18/11/2022, exceto quando indicado de forma diferente no texto.
3 Mais informações sobre esse pedido também podem ser acessadas no seguinte <Link>.
4 Por meio do site “webarchive”, foi possível resgatar as atas disponíveis no referido no dia 16/01/2021, constando apenas a ata do dia 21/10/2020. Acesso disponível em <Link>.
5 Também houve menção ao GT na ata da 1º reunião do CIMV, do dia 23/02/2022, porém sem nenhum conteúdo substantivo, apenas referendando a resolução nº 2, de 17 de agosto de 2021.