Nesta segunda-feira (29.jul.2024), a Transparência Brasil publica uma nota técnica em que aponta a continuidade do orçamento secreto por meio das emendas parlamentares. Segundo o documento, após o Supremo Tribunal Federal (STF) julgar as emendas do relator-geral do orçamento (RP 9) inconstitucionais, a operacionalização do mecanismo passou a ser feita por meio das emendas Pix e das emendas de comissão.
Para a TB, o Congresso Nacional e o Executivo federal continuaram a destinar e executar parcelas significativas do orçamento da União “sem transparência, longe dos olhos da sociedade e dos órgãos de controle”.
Nota técnica: opacidade nas emendas parlamentares perpetua orçamento secreto
Os valores destinados por meio das emendas Pix passaram de R$ 3 bilhões em 2022 para R$ 7 bilhões em 2023. O total reservado para elas em 2024 é de R$ 8 bilhões. As emendas apresentam um baixo grau de transparência sobre a destinação e aplicação, além de dificultar o acompanhamento do gasto pela sociedade e por órgãos de controle.
Na nota técnica, a TB afirma que a imensa maioria das emendas Pix de 2024 foi aprovada em desacordo com a Constituição Federal. Como revelado pela própria organização em junho, menos de 1% das 941 emendas Pix incorporadas à LOA 2024 informam o destino e para quê o recurso será utilizado. Desta forma, argumenta, é impossível que a adesão delas ao plano plurianual tenha sido verificada pelo Congresso como determina o art. 166, §3º, I da Carta.
As emendas de comissão, por sua vez, foram incrementadas por meio da Emenda Constitucional nº 126/2022 (resultante da PEC da Transição) e continuaram a crescer em 2024. A nota técnica aponta que, no momento em que são aprovadas, as emendas de comissão de 2023 e 2024 foram destinadas a ações orçamentárias genéricas, o que também as torna incompatíveis com o art. 166, §3º, I da Constituição.
As ações e os destinatários específicos das emendas de comissão de 2023 e 2024 só são definidos no momento da execução, por meio de ofícios enviados por congressistas aos ministérios responsáveis por repassar os recursos a estados e municípios. “Trata-se de uma usurpação de poderes do Executivo federal por parte do Congresso, em uma prática similar à aplicada no direcionamento das emendas RP 9”, diz a nota técnica.
De acordo com reportagens, tais definições se dão em acordos informais nas comissões. A TB mostra, na nota, que há “apropriação dos recursos para demandas individuais dos parlamentares”. Um dos ofícios enviados pela Comissão de Turismo da Câmara dos Deputados ao ministério do Turismo solicita a mudança de uma cidade beneficiária a pedido de um colega de colegiado.
Há desigualdade na distribuição dos valores totais destinados a emendas de comissão, segundo a publicação. Em 2023, a maioria dos recursos foi destinada à Comissão de Desenvolvimento Regional e Turismo do Senado (presidida por Marcelo Castro, MDB-PI, que foi o relator-geral do orçamento de 2023). Em 2024, a maior fatia ficou com a Comissão de Saúde da Câmara dos Deputados.
As emendas têm baixa conexão com as áreas às quais as comissões de origem se dedicam. Dados mostrados na nota técnica mostram que os maiores volumes de empenhos (reservas de recursos para execução) estão em ministérios com atuação direta em municípios, como Cidades e Integração e Desenvolvimento Regional.
Emendas de comissão empenhadas (em bilhões de reais) em 2023, por ministério responsável pela execução
Emendas de comissão empenhadas (em bilhões de reais) em 2024, por ministério responsável pela execução
Considerando 2023 e 2024, 78% das emendas de comissão têm a “transferência a municípios” como modalidade de aplicação. “[As emendas de comissão] se tornam praticamente extensões de emendas individuais, de forma pouco transparente e sem isonomia, servindo diretamente a interesses político-eleitorais”.
A Transparência Brasil considera que “o atual estado geral das emendas parlamentares favorece a captura de partes cada vez maiores do orçamento federal para interesses particulares e compromete gravemente o planejamento e a execução de políticas públicas”. A organização defende que é necessário estabelecer normas para impor “a observância a critérios claros para a destinação dos recursos por essas vias”, e garantir a transparência sobre todas as emendas desde a apresentação no Congresso até a execução em estados e municípios.
Implementação de soluções de transparência sobre emendas Pix é falha
A TB afirma, na nota, que um trecho da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) 2024 foi descumprido. O art. 82, inciso II determinou que os entes beneficiários de emendas Pix só poderiam receber o recurso depois de indicar o que farão com a verba. A plataforma Transferegov.br, porém, só registrou a função à qual o gasto irá se relacionar (saúde, educação, etc).
A Instrução Normativa (IN) 93 do Tribunal de Contas da União (TCU) também não foi cumprida, segundo o documento. O Transferegov.br não exibe as cinco informações que, de acordo com a IN, devem ser prestadas pelos municípios em até 60 dias após o recebimento dos recursos.
Emendas de relator continuaram em 2023
A nota técnica mostra também que a Emenda Constitucional nº 126/2022 descumpriu o acórdão do STF no caso do orçamento secreto, ao estabelecer que o relator-geral do orçamento 2023 apresentasse emendas para incrementar emendas de comissão e para criar novas despesas.