A Transparência Brasil e outras organizações da sociedade civil assinaram uma carta aberta à Presidência da República no último 30.jun.2022, manifestando-se contrariamente ao afrouxamento da Lei das Estatais. A insatisfação das entidades com as mudanças propostas para a legislação se dá pela motivação do governo federal em facilitar as trocas de gestão na Petrobras.
Entre as alterações propostas pelo Planalto, inclui-se simplificar a indicação e substituição de membros em empresas públicas. A carta frisa que a justificativa da mudança tem cunho político: gerenciar a instabilidade e preços de combustíveis da Petrobras em preparação para as eleições de 2022. Por isso, flexibilizar a legislação seria retroceder em questões de governança e integridade, avanços proporcionados pela sanção da lei em 2016.
De acordo com as organizações, isso colocaria em risco a almejada entrada do país para a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Facilitar a indicação de posições em empresas estatais seria um descumprimento dos requisitos de independência e boas práticas, indo contra o que é reconhecido pelo órgão e bem quisto por sua “eficiência e boa governança estatal”.
O documento também foi endereçado às presidências do Senado, Câmara dos Deputados, Supremo Tribunal Federal, à Procuradoria-Geral da República e à Advocacia-Geral da União. Devido à movimentação favorável às alterações feitas por essas instituições, as entidades manifestaram que “A proposta vem na contramão da prevalência do interesse público e lamentavelmente vem sendo defendida abertamente […] nos últimos dias”.
Conhecida como “Lei das Estatais”, a Lei 13.303 foi elaborada para regrar as trocas de gestão em empresas públicas, tornando-as mais transparentes à sociedade. A medida, segundo as signatárias da carta aberta, é uma forma de combater o compadrio, definido por elas como a cultura de apadrinhamento, tão presente no Brasil, em que a cadeia de sucessão de uma empresa estatal é escolhida de acordo com as boas relações entre gestores e políticos.
Leia abaixo a íntegra da carta:
São Paulo, 30 de junho de 2022
CARTA ABERTA À PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, À PRESIDÊNCIA DO SENADO FEDERAL, À PRESIDÊNCIA DA CÂMARA DOS DEPUTADOS, À PRESIDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, À PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA E À ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO SOBRE A NECESSIDADE DE PRESERVAÇÃO DA LEI DAS ESTATAIS
A Lei 13.303 (conhecida como “Lei das Estatais”) foi sancionada em 2016, em um contexto de um grande escândalo de corrupção no Brasil, quando na Petrobras havia uma dívida estratosférica. Seu principal objetivo é blindar a gestão de estatais de atos de indevida ingerência política, definindo regras mais claras e rígidas no que diz respeito a nomeações de diretores, presidentes e membros dos conselhos de administração.
A ideia foi tirar o Brasil dos tempos do patrimonialismo e reduzir um dos maiores males que corroem a administração pública brasileira e conspiram contra a eficiência de nossas empresas estatais (empresas públicas e sociedades de economia mista): a cultura do compadrio. Existe uma dificuldade crônica em se aceitar a linha divisória entre o público e o privado, sendo o nefasto nepotismo enaltecido por muitos como virtude.
Com ela, subimos mais alguns degraus na busca da proteção ao patrimônio público, garantindo a eficiência e uma gestão mais profissional das empresas públicas. Trata-se, portanto, de um marco não só na prevenção à corrupção no Brasil, mas também um grande avanço nos sistemas de governança e integridade das estatais.
O Brasil, que vive tempos difíceis sob o prisma econômico, com inflação em dois dígitos, tem 33 milhões de pessoas vivendo em insegurança alimentar. Neste ano de 2022, o país caiu em duas posições, de 57º para 59º, no ranking de competitividade elaborado anualmente pelo Institute for Management Development (IMD), e, em 2021 perdeu uma posição, após 4 anos de sutis avanços. O anuário do IMD, em sua 34ª edição, analisa 333 indicadores. Para cada nação, são avaliadas quatro grandes categorias: desempenho da economia, eficiência do governo, eficiência dos negócios e infraestrutura. Imagine-se como estaria o Brasil, caso a lei das estatais não existisse?
Dos maiores males que corroem a administração pública brasileira e conspiram contra a eficiência de nossas empresas estatais, temos a cultura do compadrio. Existe uma dificuldade crônica em se aceitar a linha divisória entre o público e o privado, sendo o nefasto nepotismo enaltecido por muitos como virtude.
Por isto, é inadmissível cogitar afrouxar norma tão nova como a Lei das Estatais, que começa a trazer ótimos frutos por ser virtuosa ao impedir o apadrinhamento político. Tal iniciativa representaria um decisivo descumprimento dos requisitos para ingressarmos na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), como pretende o Brasil.
Entre 2017 e 2021, o IG-Sest, criado pela Secretaria de Coordenação e Governança das Empresas Estatais Federais (Sest), do Ministério da Economia, para a avaliação contínua do cumprimento de normas e boas práticas de governança pelas estatais federais, quase dobrou, passando de uma nota média de 4,15 (de um total de 10) para 8,07.
Além disso, no relatório Review of the Corporate Governance of State-Owned Enterprises in Brazil, publicado no fim de 2020, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) reconheceu que os conselhos das estatais se tornaram mais independentes de interferências político-partidárias em função dos impedimentos estabelecidos pela Lei das Estatais.
Flexibilizar a regra traria graves retrocessos e representaria um decisivo descumprimento dos requisitos para ingressarmos na própria OCDE e sabotagem à eficiência e boa governança estatal já apontada pelo órgão internacional. Em especial, se as eventuais alterações forem feitas por meio de Medida Provisória (como é passível de acontecer, dado que se trata de lei ordinária).
A proposta vem na contramão da prevalência do interesse público e lamentavelmente vem sendo defendida abertamente por representantes da Câmara dos Deputados e do governo federal nos últimos dias.
Usa-se como justificativa a atual instabilidade na gestão da Petrobras diante dos sequenciais aumentos de preços dos combustíveis, mas é fácil perceber que a verdadeira pretensão é a eliminação de barreiras para que o apadrinhamento político, atalho para a corrupção, e a captura político-partidária de estatais voltem a ocorrer em nosso país, afastando investidores privados, afetando a atratividade do mercado de capitais e a atividade econômica em geral.
Ou seja, a tentativa de alterar a legislação não considera os interesses maiores do país, mas apenas os interesses mesquinhos referentes às eleições.
Nós, abaixo assinados, conclamamos os destinatários, nos respectivos campos de suas atribuições e responsabilidades, a trabalhar pela preservação da jovem Lei 13.303/16, essencial para a eficiência da governança das empresas estatais e para a proteção do interesse público.
Instituto Não Aceito Corrupção
Instituto Brasileiro de Direito e Ética Empresarial – IBDEE
Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social
Transparência Brasil
Educafro Brasil
Instituto Brasileiro de Governança Corporativa – IBGC