Plataforma que reunia dados dos parlamentares foi amplamente utilizada pela imprensa e contribuiu para o debate que originou a Lei da Ficha Limpa. Esta é a quarta da série de reportagens em comemoração aos 25 anos da TB
Assim que o projeto Excelências da Transparência Brasil foi ao ar, em 1.ago.2006, O Globo utilizou seus dados em uma reportagem publicada na seção de pautas quentes de seu impresso. A matéria indicava quais deputados federais concorriam à reeleição pelo Rio de Janeiro e respondiam a processos judiciais ou haviam sido condenados. No dia seguinte à publicação da reportagem, Marcelo Soares, jornalista e ex-editor do projeto, recebeu um telefonema de um deputado carioca aos prantos.
O histórico do parlamentar no Excelências indicava condenação por crime eleitoral. Segundo o político, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) o processou por fazer campanha em prédio público e o condenou a pagar quatro cestas básicas. Quando pagou a multa, pediu que a TB retirasse a condenação de sua ficha. “Nas duas semanas seguintes, mais vinte deputados me ligaram dizendo que tinham pagado as multas e que eu já podia tirar [a informação de] que eles respondiam a processos”, conta Soares.

A plataforma do Excelências disponibilizava “fichas” de perfis de políticos em atividade. Os dados das fichas incluíam prestação de contas e financiamento eleitoral, envolvimento em corrupção noticiado pela imprensa, e processos judiciais aos quais respondiam ou pelos quais haviam sido condenados. Quando foi lançado, o projeto divulgava informações acerca dos deputados e deputadas federais candidatas à reeleição em 2006.
Naquela época, após os escândalos do Mensalão e da máfia das ambulâncias, a sociedade brasileira estava particularmente interessada nos antecedentes de parlamentares. “A população inteira estava olhando para os políticos de forma fiscalizadora e cobradora de seu trabalho. Todos os escândalos eram pluripartidários, com a mesma estrutura e formato”, recorda Soares.
O objetivo da TB com o Excelências era agregar, disponibilizar e manter atualizado o máximo de informações sobre os parlamentares em exercício – um trabalho custoso de pesquisa e construção da informação. O acesso a processos nos mais de cem tribunais de justiça e de contas, por exemplo, dependia da consulta manual e individual.
Os dados eram coletados manualmente a partir de, pelo menos, cinco fontes públicas. Outros dois projetos da TB também eram utilizados como fonte: as menções na imprensa de parlamentares em casos de corrupção reunidas pelo Deu no Jornal, e os dados de financiamento eleitoral, organizados pelo Às Claras.
Ao agregar diferentes dados à sua base, o Excelências construiu informações novas que permitiam compreender o perfil dos parlamentares, gerando dados concretos sobre o estado da corrupção na política brasileira.
Levou cerca de três semanas para a equipe colocar a plataforma no ar, antes das eleições de 2006. Logo após o seu lançamento, o projeto ficou marcado pelo pioneirismo em transparência no parlamento.
Nos primeiros meses de trabalho, a iniciativa foi amplamente celebrada e utilizada de fonte de dados pela imprensa. Era irrefutável sua contribuição pública e, por isso, recebeu o Prêmio Esso de Melhor Contribuição à Imprensa em dez.2006. Até então, as únicas insatisfações com o projeto eram de parlamentares que buscavam apresentar suas versões sobre os processos aos quais respondiam ou foram condenados.
Ao longo do tempo, o banco de dados do Excelências foi incrementado para alcançar o máximo possível de políticos eleitos e de informações associadas aos parlamentares. Em 2008, o projeto disponibilizava fichas de 2.362 políticos, abrangendo desde o Legislativo federal até o municipal das capitais, cujos dados incluíam presença em plenário, evolução patrimonial e aproximação dos parlamentares com grupos de interesse, entre outros.

Outra contribuição do projeto ao debate público foi a construção, ainda em 2008, de um panorama da transparência dada sobre informações pelas casas legislativas, Tribunais de Justiça estaduais e Tribunais de Contas. Em nov.2008, por exemplo, 21 das 27 Assembleias Legislativas do país não divulgavam nenhum dado sobre as verbas indenizatórias pagas a deputados estaduais.
Os órgãos não eram obrigados a seguir nenhuma regra para dar publicidade sobre seus dados e, por consequência, a população ficava impedida de saber de que forma exerciam seu trabalho. Esse cenário só mudou depois, com a Lei de Acesso a Informação – cuja abrangência em todos os níveis e esferas de Poder foi garantida pelos esforços da TB.
Por trabalhar com dados públicos irrefutáveis, o Excelências foi fonte da imprensa desde o dia de seu lançamento até o fim do projeto em 2017. A maior parte desse período sob o comando do ex-diretor Cláudio Weber Abramo. Os veículos consultavam a plataforma e repercutiam as análises da TB, como o uso de verbas indenizatórias por parlamentares.
Para Fabiano Angélico, ex-coordenador de projetos da TB, foi a combinação da grande repercussão na imprensa com o uso de informações públicas que causou grande impacto – e incômodo – entre parlamentares e magistrados.
A ex-vereadora Teresa Bergher (PSDB-RJ) está entre os políticos que processaram os membros da equipe da TB por ofensa à sua honra devido a informações divulgadas no Excelências. Em dez.2009, o juiz Marcio Lucio Falavigna Sauandag do Juizado Especial Criminal de São Paulo rejeitou a ação. Sua decisão afirma que “a sede das ofensas, o malsinado sítio eletrônico, simplesmente carrega uma informação, de caráter público […]”. Outros parlamentares também processaram a organização, nenhum saiu vitorioso.
“Muitos deputados e vereadores ligavam dizendo que tínhamos que tirar do ar [as informações]. A gente dizia: estamos dando o link para o tribunal, não estamos inventando nada. E respondiam que aquilo era só uma acusação, mas isso era exatamente o que informávamos. Tinham alguns que iam pessoalmente visitar a nossa sede”, conta Angélico.
A reação de alguns parlamentares fez com que fosse adicionada às fichas do Excelências a versão dos políticos sobre processos eleitorais que respondiam ou pelos quais foram condenados, uma vez que os detalhes desses processos não eram públicos. Em contrapartida, outros parlamentares voluntariamente quiseram expor seus dados na plataforma, o que exemplifica a relevância do projeto na sociedade e na imprensa.
Embora usasse apenas informações públicas, Marcelo Soares afirma ser impressionante o quanto o Excelências foi incontroverso, no início, também entre políticos. “Achávamos que seríamos processados logo de cara”, recorda o ex-editor do projeto, “mas quando entra a Lei da Ficha Limpa, isso passa a colocar em risco o mandato dos parlamentares”.
O projeto de lei da Ficha Limpa (PL Complementar nº 518/09) nasceu em 2009 da iniciativa popular de 1,6 milhão de cidadãos movidos pela Campanha Ficha Limpa do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral. O PLP foi aprovado pela Câmara e pelo Senado em mai.2009, e a Lei Complementar n° 135/2010 sancionada pela Presidência da República em jun.2010.
Em jun.2025, comemorou-se 15 anos de uma das legislações mais importantes para a integridade das eleições no país. A Lei da Ficha Limpa estabeleceu regras para barrar candidaturas de políticos condenados a partir da decisão de um órgão colegiado, além de classificar quais crimes configuram inelegibilidade.
Além disso, antes, condenados por crimes graves podiam se candidatar e se eleger enquanto recorriam da condenação. Com a morosidade da Justiça no processo até a decisão transitada em julgado, a candidatura só era impugnada muito tempo depois de decorrido seu mandato.
Para o ex-coordenador de projetos da TB Fabiano Angélico, o Excelências contribuiu para o debate público que levou à iniciativa da legislação, pois possibilitou saber, com precisão e fácil acesso, quais políticos estavam envolvidos com corrupção e outros crimes.
Foi o projeto, por exemplo, que permitiu identificar que 58% dos senadores que votaram pelo impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT) em 2016 respondiam a processos por improbidade administrativa e corrupção passiva.
O Excelências é um trabalho pioneiro de construção manual da informação sobre o parlamento brasileiro. Sua complexidade evidencia o compromisso da TB, ao longo dos últimos 25 anos, de divulgar dados públicos e criar ferramentas de fiscalização para a população.
Hoje, outras iniciativas compreendem apenas parte das informações que eram coletadas, analisadas e atualizadas cotidianamente pelo projeto. A TB não mantém a base do Excelências, mas a procura por seus dados permanece até hoje.