Em estudo inédito, a Transparência Brasil constatou que o uso indevido da proteção a dados pessoais para negar pedidos de acesso à informação aumentou em quatro vezes no governo Bolsonaro em relação às gestões anteriores. Dos 513 pedidos equivocadamente negados por sigilo de 100 anos registrados de 2015 a 2022, 80% ocorreram durante a gestão do ex-presidente.
As negativas alegam a presença de informações pessoais e se baseiam no artigo 31 da Lei de Acesso à Informação (LAI), que determina restrição de acesso a esse tipo de dados por até 100 anos. No entanto, o relatório “Sigilos de 100 anos”: O uso do art. 31 da LAI em negativas mostra que a aplicação está incorreta, e todos os casos analisados “eram de claro interesse público e sem relação com a intimidade, vida privada, honra e imagem de pessoas”.
Segundo a TB, o uso indevido atingiu sua maior frequência durante o governo Bolsonaro. Os anos de 2019 e 2020 apresentaram as maiores proporções históricas de casos: só em 2019 foram 140 negativas, número maior do que o total registrado durante os governos anteriores.
A TB usou a própria base de dados disponibilizada pela Controladoria-Geral da União (CGU) que mostram os pedidos de informação via LAI e suas respectivas respostas entre 2015 e 2022. Entre as quase 20 mil negativas, o estudo filtrou quais se referiam ao sigilo de 100 anos em suas respostas, chegando em 1.379 casos; em seguida, as respostas foram avaliadas uma a uma para determinar se houve uso indevido do artigo 31.
Conforme a análise da organização, “trata-se de mais um dado que reforça o caráter opaco do governo federal ao longo dos últimos 4 anos”. Para os casos em que há efetivamente a presença de dados pessoais em documentos, os órgãos desprezaram a possibilidade de fornecer a parte da informação cujo acesso deve ser público, diferentemente do que prevê a LAI.
Negativas mais frequentes
O Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República (GSI) foi o protagonista das negativas sob alegação de sigilo por dados pessoais: foram 73 pedidos de informação negados, 18% do total registrado durante o governo Bolsonaro. Para além da aplicação indevida, as respostas do órgão também levantaram suspeitas de possíveis manobras para manter o sigilo de informações: parte dos pedidos foi feito para documentos cujo sigilo já havia caducado, e o acesso foi negado sob alegação de existir um outro sigilo específico para informações de atividades de inteligência.
Atrás do GSI, a sobreposição do interesse público à privacidade de agentes do Estado é o que mais chama a atenção. Foram 43 negativas para informações acerca da saúde de Jair Bolsonaro, a maioria buscando resultados de exames de Covid-19 do ex-presidente, e seu cartão de vacinação. Dado o cargo ocupado por Bolsonaro e seu comportamento dentro do contexto da pandemia de coronavírus, é evidente que as informações são de interesse público.