É um insulto à moralidade e ao combate à corrupção que o parecer e o substitutivo do relator Carlos Zarattini (PT-SP) sobre o PL 10.887/2018, que altera a Lei de Improbidade Administrativa (LIA), tenham sido protocolados apenas hoje, 15 de junho de 2021, sem debates. Insulto agravado pelo requerimento de urgência, já aprovado, para que a matéria seja votada no dia seguinte em plenário. Adicionando insulto à injúria, como se diz, é um texto que efetivamente destrói a LIA. Esta nota técnica tem por objetivo demonstrar os principais retrocessos do texto sobre nepotismo, violações à Lei de Acesso a Informação, suspensão de direitos políticos e impunidade.
Nepotismo
Em versão anterior do relatório, ainda em 2020, o parecer removera completamente o artigo 11 da LIA, impedindo assim a punição do nepotismo. Na nova versão, retomou-o, mas com redação que efetivamente autoriza o nepotismo. Diz o inciso XI do referido artigo:
“XI – nomear ou designar cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, apenas em razão do parentesco ou afinidade, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas:” (grifos nossos)
Aparentemente o nepotismo está vedado. Porém, o “apenas” cria uma dificuldade de prova para os órgãos de controle. Não bastasse isso, o § 1º diz:
“Somente haverá improbidade administrativa, na aplicação do presente artigo, quando, na conduta funcional do agente público, for comprovado o fim de obter um proveito ou benefício indevido para si mesmo ou para outra pessoa ou entidade”
E o § 6º acrescenta:
“Na análise da hipótese prevista no inciso XI do presente artigo, não se configurará improbidade a mera nomeação ou indicação política por parte dos detentores de mandatos eletivos, sendo necessária a aferição de dolo com finalidade ilícita por parte do agente”
Ou seja, o nepotismo é proibido, por violar os princípios da imparcialidade da administração pública (como diz o caput do art. 11), mas só quando for praticado para obter benefício indevido (§ 1º) e mediante a comprovação da intenção de cometer ilegalidade (§ 6º). Na prática, engana-se a pessoa desatenta que olhar apenas para o caput e inciso XI e concluir que o nepotismo será considerado improbidade.
Violação à Lei de Acesso a Informação (LAI)
O inciso IV do art. 11 diz que é improbidade administrativa: “negar publicidade aos atos oficiais, exceto em razão de sua imprescindibilidade para a segurança da sociedade e do Estado, ou em outras hipóteses instituídas em lei”.
Porém, pelo § 1º, deve ser provada a intenção de benefício particular. Ora, provar dolo no descumprimento da LAI seria possível, na forma do dolo objetivo, quando um agente público reiteradamente descumpre prazos ou nega informações que são sabidamente públicas. Mas como provar, nesses casos, o benefício ilícito? Na prática, agentes públicos poderão descumprir a LAI sem poderem ser processados por improbidade administrativa.
Suspensão de direitos políticos
Mais um caso em que a proposta tem o objetivo de desinformar. A LIA estabelece como prazo máximo para a pena de perda de direitos políticos o período de 10 anos. O substitutivo prevê até 14 anos. Contudo, eis o que dizem os parágrafos 1º e 10º do art. 12:
“§ 1º A sanção de perda da função pública, nas hipóteses dos incisos I e II, atinge apenas o vínculo de mesma qualidade e natureza que o agente público ou político detinha com o Poder Público na época do cometimento da infração, podendo o magistrado.”
“§ 10º Para efeitos de contagem do prazo da sanção de suspensão dos direitos políticos, computar-se-á retroativamente o intervalo de tempo entre a decisão colegiada e o trânsito em julgado da sentença condenatória.”
De acordo com o § 1º, a pena de perda de cargo só pode ser aplicada se o condenado estiver, no momento da condenação, ocupando o mesmo tipo de cargo em que estava à época em que cometeu a improbidade. Ou seja, se uma pessoa que atualmente é prefeita for condenada por improbidade por causa de atos que cometeu no passado, quando era secretária municipal, poderá continuar exercendo o mandato na prefeitura.
E o § 10º, por meio da clássica lentidão do Judiciário, diminui na prática o tempo de punição, pois desconta o tempo entre a decisão colegiada e o trânsito em julgado do período para suspensão de direitos políticos.
Além disso, uma singela alteração removeu as penas mínimas para suspensão de direito político, que anteriormente eram de dois anos.
Impunidade
Na versão anterior do substitutivo, introduziu-se a vedação de condenação por improbidade administrativa se uma absolvição criminal em um caso relativo aos mesmos fatos transitar em julgado. Isso por si só era um problema, pois comprovar um crime de corrupção, por exemplo, é diferente de comprovar enriquecimento ilícito ou dano ao erário. Agora, de acordo com o § 4º do art. 21, basta uma decisão colegiada para tanto, aumentando a impunidade, na prática.
Por fim, o texto excluiu o parágrafo, no art. 23, segundo o qual o ressarcimento de dano ao erário era imprescritível. Com as reduções gerais de prazos prescricionais impostas pelo substitutivo, dificulta-se mais ainda que o poder público obtenha ressarcimento.