Decisões do ministro Flávio Dino têm potencial de aumentar transparência e favorecer controle social sobre emendas

A Transparência Brasil vê com otimismo as decisões da última quinta-feira (1º.ago.2024) do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Flávio Dino em relação às extintas emendas do relator (RP 9), às emendas de comissão (RP 8) e às emendas Pix. As medidas têm o potencial de ampliar significativamente a transparência e favorecer o controle social sobre a apropriação do orçamento  pelos parlamentares.

As decisões sobre as RP 9 e as RP 8 foram tomadas após a audiência de conciliação provocada por manifestação conjunta da Transparência Brasil com Transparência Internacional – Brasil e Associação Contas Abertas. Na petição, as organizações demonstraram que Congresso e governo federal não cumpriram as ordens do STF para dar transparência à execução das emendas do relator-geral do orçamento, que compunham o orçamento secreto. A TB acompanhou a audiência como observadora.

As emendas Pix não foram discutidas na audiência de conciliação. Dino emitiu uma decisão liminar (provisória) sobre elas em uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) proposta pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji).

A Transparência Brasil avaliou os pontos das decisões que tratam da transparência sobre as emendas, e destaca uma omissão importante.

Emendas do relator (RP 9)

Ao impor que o que ainda resta das emendas do relator (também chamadas de RP 9) só poderá ser pago após a divulgação de informações sobre a autoria da indicação, sua destinação e dados para seu acompanhamento, o ministro reconheceu que tais emendas continuam a ter efeitos sobre os cofres federais, mesmo depois de julgadas inconstitucionais.

Para Dino, ainda não ficou claro se todas as informações sobre as emendas do relator executadas de 2020 a 2022 estão disponíveis. Ele destacou o fato de que estão dispersas em várias plataformas e sites, e disse haver necessidade de reuni-las em um lugar de forma acessível.

Foi justamente o que a Transparência Brasil apontou ao STF em setembro do ano passado, após analisar as páginas dos 10 ministérios do governo federal que receberam recursos de emendas RP 9 e constatar que, à época, nenhum deles cumpria os requisitos de transparência exigidos pela Suprema Corte.

Se desta vez forem efetivamente cumpridas, as determinações podem reduzir significativamente a opacidade que ainda paira sobre as extintas emendas do relator-geral do orçamento e seus restos a pagar.

Há risco, entretanto, de nem todas as informações sobre as indicações e execução das emendas do relator existirem. De 2020 a meados de 2021, os pedidos aos relatores do orçamento por partes do recurso e demandas aos ministérios para execução dos gastos eram feitos informalmente e não necessariamente eram registrados.

Emendas de comissão (RP 8)

Surpreendeu positivamente que Dino tenha incluído na audiência e em sua decisão as emendas de comissão (classificadas nas contas públicas com o código RP 8). O ministro expressou entendimento similar ao que a TB destacou em nota técnica recente: que tais emendas substituíram as extintas emendas do relator a partir de 2023. Elas são divididas entre parlamentares por meio de acordos informais e critérios políticos, e sua autoria fica camuflada, atribuída à comissão.

A divisão dos recursos é concretizada por meio de um ofício do presidente da comissão ao ministério responsável por aplicar a verba. Nem todos esses documentos estão disponíveis à sociedade, tampouco há padronização na divulgação.  

Dino determinou que essas emendas também só poderão ser pagas depois da divulgação de informações precisas sobre a indicação da emenda, sua destinação e dados para seu acompanhamento.

O Congresso inseriu R$ 15,5 bilhões em emendas de comissão no orçamento de 2024, das quais R$ 10,3 bilhões tinham sido empenhadas pelo governo federal até esta segunda-feira (5.ago) e R$ 7,4 bilhões pagas.

Novas emendas do relator após decisão do orçamento secreto

Por outro lado, o ministro não abordou, na audiência de conciliação, as emendas do relator criadas pela PEC da Transição em 2022 e inseridas no orçamento de 2023, na ordem de R$ 9,85 bilhões.

Na manifestação que levou à realização da sessão, a TB e as organizações parceiras apontam que a criação do instrumento contrariou a decisão do STF sobre o orçamento secreto. Sua opacidade é ainda maior, pois ficam misturadas a outras despesas do governo federal e não são identificadas por um único código próprio, como ocorria com as RP 9.

É de extrema relevância que também haja imposição de transparência e rastreabilidade sobre o processo de indicação de beneficiários e objeto das despesas resultantes dessa modalidade de emenda, e impedir o pagamento do restante, já que se trata de uma violação a uma decisão da Suprema Corte.

Análise da Transparência Brasil apontou um residual de R$ 3,5 bilhões ainda não pagos do total empenhado nessa modalidade no ano passado.

Emendas Pix

Como relator da ADI 7688, apresentada pela Abraji, Dino determinou que, até o julgamento da ação, o repasse das emendas Pix só pode acontecer depois que os estados e municípios beneficiários dos recursos informarem o que irão fazer com o recurso, a estimativa dos custos e plano de trabalho.

Atualmente, como a Transparência Brasil demonstrou em relatório de junho, menos de 1% das emendas Pix têm essas informações quando são aprovadas no Congresso. Os beneficiários só informam a área geral em que pretendem usar o recurso (saúde, educação, infraestrutura, etc). Dessa forma, não é possível saber de antemão o que será feito com o recurso, o que dificulta a fiscalização.

A decisão do ministro, se cumprida, dará mais clareza sobre o que estados e municípios pretendem fazer com as emendas Pix que recebem, e pode facilitar o controle social. Permanece, entretanto, um problema inerente às emendas Pix: os estados e municípios não são obrigados a aplicar o recurso exatamente como informarem que pretendem fazer. Ou seja, as informações podem acabar sendo meramente decorativas e, no máximo, render constrangimento ao gestor que as contrariar. 

Na quinta-feira passada (1.ago), a TB protocolou no STF uma petição solicitando seu ingresso como amicus curiae na ADI das emendas Pix, que não havia sido analisada até a publicação desta nota.