Carta à Ministra Rosa Weber solicita a publicação dos extratos bancários dos partidos em tempo real

Brasília, 03 de fevereiro de 2020.

A Sua Excelência a Senhora
ROSA MARIA PIRES WEBER
Presidente do Tribunal Superior Eleitoral
Setor de Administração Federal Sul
Brasília/DF

Em mãos

C/c: Exmo. Sr. Ministro Luís Roberto Barroso – Vice-presidente
Exmo. Sr. Ministro Geraldo Og Nicéas Marques Fernandes – Corregedor-Geral
Exmo. Sr. Ministro Luís Felipe Salomão
Exmo. Sr. Ministro Luiz Edson Fachin
Exmo. Sr. Ministro Sérgio Silveira Banhos
Exmo. Sr. Ministro Tarcísio Vieira de Carvalho Neto
Exmo. Sr. Procurador-Geral Eleitoral Humberto Jacques de Medeiros

Ref.: Resolução nº 23.604, de 17 de dezembro de 2019

Excelentíssima Senhora Ministra Rosa Weber,

TRANSPARÊNCIA PARTIDÁRIA, iniciativa da sociedade civil fundada em 2016 para desenvolvimento de pesquisas sobre o sistema partidário brasileiro e fomento de sua transparência e integridade, neste ato representada por seu diretor-executivo; e

TRANSPARÊNCIA BRASIL, associação sem fins lucrativos fundada em 2000, destinada a promover a defesa do interesse público por meio da edificação da integridade do Estado brasileiro e o combate à corrupção, contribuindo para o aperfeiçoamento das instituições e do processo democrático, neste ato representada por seu diretor-executivo

dirigem-se, respeitosamente, a Vossa Excelência, com fundamento no artigo 5, inciso XXXIV, alínea a, da Constituição Federal, para requerer providências com respeito à publicidade das prestações de contas dos partidos políticos a esse egrégio Tribunal, pelas razões de fato e direito a seguir aduzidas.

1. Da prestação de contas dos partidos políticos

A liberdade partidária foi inserida pelo constituinte originário entre os direitos e garantias fundamentais, mas seu exercício condicionado a determinados preceitos e obrigações, dentre os quais a preservação do regime democrático e o dever prestar contas à Justiça Eleitoral, conforme determinação expressa no inciso III do artigo 17 de nosso Pacto Fundamental.

Parte do esforço legislativo para disciplinar o mandamento constitucional de transparência na contabilidade das agremiações partidárias concretiza-se nos artigos 30 a 33 da Lei nº 9.096/95, que dispõe sobre os partidos políticos, e estabelece as diretrizes para prestação de suas contas ao órgão de controle.

A operacionalização desses parâmetros legislativos foi recentemente revista pela Resolução nº 23.604 do Tribunal Superior Eleitoral, aprovada em 17 de dezembro de 2019.

Atualmente, o público pode acessar as íntegras dos processos de prestação de contas dos partidos políticos referentes ao período de 2007 a 2018 na página de internet do Tribunal Superior Eleitoral.

Em 2018, também passaram a ser disponibilizadas as bases de dados consolidados geradas partir da utilização do Sistema de Prestação de Contas Anuais (SPCA).

Ocorre, no entanto, que o nível de transparência sobre as contas partidárias é ainda baixo, especialmente porque não se pode acompanhá-las ao longo dos exercícios contábeis.

Além disso, é preciso registrar que essa deficiência se agrava na medida em que não se verifica padronização das peças que compõem a íntegra dos processos de prestação de contas, assim como de seu modo de disposição e apresentação no portal do tribunal1. A transparência da contabilidade partidária também é reduzida pela presença de categorias ainda excessivamente genéricas nos planos de contas e no sistema eletrônico para sua informação2.

2. Da transparência como mandamento constitucional

Além do dever constitucional de prestar contas à Justiça Eleitoral, os partidos políticos exercem função pública das mais relevantes na República, uma vez que detêm, com exclusividade, a prerrogativa de mediação entre a própria sociedade e o poder político3.

Fora a expressa determinação constitucional e a função pública que desempenham, a transparência das contas partidárias também é imperativa porque essas entidades financiam-se com vultosas verbas públicas.

À parte o interesse público de muitas das informações referentes ao sistema partidário, o recebimento de recursos públicos implica o dever de dar ampla transparência à destinação desses montantes.

Até mesmo o sigilo de informações, necessário para preservação da intimidade, deve ser relativizado quando se está diante do interesse da sociedade em conhecer o destino de recursos públicos, posição pacífica da doutrina e orientação já assentada em diversas ocasiões pelo Supremo Tribunal Federal.

Nesse sentido, veja-se inicialmente o magistério do célebre professor Celso Antônio Bandeira de Mello:

O dever administrativo de manter plena transparência em seus comportamentos impõe não haver em um Estado Democrático de Direito, no qual o poder reside no povo (art. 1º, parágrafo único, da Constituição), ocultamento aos administrados dos assuntos que a todos interessam, e muito menos em relação aos sujeitos individualmente afetados por alguma medida. (Mello, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 27ª edição. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 114) (destacou-se)

Nessa trilha, também a preleção do excelso ex-ministro Carlos Ayres Britto:

Inicio pelo juízo de que estamos a lidar com situação demandante de conciliação de princípios constitucionais em aparente estado de colisão. Aparente conflito, e não mais que isso. De um lado, faz-se presente, aí sim, o princípio da publicidade administrativa (caput do art. 37). Princípio que significa o dever estatal de divulgação dos atos públicos. Dever eminentemente republicano, porque a gestão da “coisa pública” (República é isso) é de vir a lume com o máximo de transparência.
Tirante, claro, as exceções também constitucionalmente abertas, que são “aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado” (inciso XXXIII do art. 5º). [Rec. Ex. com Agr. 657.777/SP, rel. min. Teori Zavascki, j. 23-4-2015] (destacou-se)

Também a eminente ministra Cármen Lúcia manifestou-se nessa direção:

O direito de informação, constitucionalmente garantido, contém a liberdade de informar, de se informar e de ser informado. O primeiro refere-se à formação da opinião pública, considerado cada qual dos cidadãos que pode receber livremente dados sobres assuntos de interesse da coletividade e sobre as pessoas cujas ações, público-estatais ou público-sociais, interferem em sua esfera do acervo do direito de saber, de aprender sobre temas relacionados a suas legítimas cogitações. [ADI 4.815, rel. min. Cármen Lúcia, j. 10-6-2015] (destacou-se)

Por fim, pede-se vênia para reproduzir excerto de paradigmático e definitivo posicionamento de Vossa Excelência sobre o tema:

A demanda por transparência na gestão dos recursos públicos, rememoro, está intimamente vinculada à obrigação de prestar contas, inserta no rol dos princípios constitucionais sensíveis, como se observa no art. 34, VII, “d”, da Lei Maior. A prestação de contas pela administração pública direta e indireta se dá em favor dos administrados e constitui medida voltada não só à prevenção e à repreensão de comportamentos lesivos ao erário como também a assegurar criteriosa e eficiente utilização do patrimônio de toda a sociedade. [Agr. Reg. em MS 23.168/DF, rel. min. Rosa Weber, j. 28-6-2019] (destacou-se)
3. Da Resolução nº 23.604 de 2019

Editada pelo egrégio Tribunal Superior Eleitoral em 17 de dezembro do último ano, a Resolução nº 23.604 regulamenta o disposto no Título III (Das Finanças e Contabilidade dos Partidos) da Lei nº 9.096, de 19 de setembro de 1995 (Lei dos Partidos Políticos).

Essa norma traz importante inovação para o avanço das práticas de transparência da Justiça Eleitoral ao prever que todos os documentos e informações referentes às prestações de contas dos partidos políticos sejam disponibilizadas na internet em tempo real.

O artigo 68 da Resolução nº 23.604/2019 determina a publicação em tempo real de todos os documentos e informações relativos às prestações de contas dos partidos políticos. Veja-se:

Art. 68. O Tribunal Superior Eleitoral deve disponibilizar em sua página de internet todas as informações e documentos relativos às prestações de contas dos partidos políticos, em tempo real. (destacou-se)

Note-se que o parágrafo 6º do artigo 6º da mesma resolução determina que os extratos bancários das agremiações devem ser remetidos para o Tribunal Superior Eleitoral para fins de instrução dos processos de prestação de contas. In verbis:

Art. 6º, § 6º As instituições financeiras que mantiverem conta bancária de partido político devem fornecer mensalmente à Justiça Eleitoral os extratos eletrônicos do movimento financeiro para fins de instrução dos processos de prestação de contas, até o décimo quinto dia do mês seguinte àquele a que se referem. (destacou-se)

Ora, se o artigo 68 determina que todos os documentos relativos às prestações de contas dos partidos devem ser publicados pelo Tribunal Superior Eleitoral em tempo real e o parágrafo 6º do artigo 6º afirma expressamente que os extratos bancários remetidos pelas instituições financeiras compõem os processos de prestação de contas, é forçoso reconhecer que esses extratos devem ser publicados na internet tão logo sejam recebidos por essa egrégia Corte de Contas.

4 Do pedido

Diante do exposto, as organizações signatárias requerem que Vossa Excelência digne-se a dar cumprimento à referida resolução, determinando – à maior brevidade possível – a publicação na página de internet do Tribunal Superior Eleitoral dos extratos eletrônicos já remetidos à Corte pelas instituições financeiras que mantiverem conta bancária de partido político, bem como a publicação em tempo real daqueles que vierem a sê-lo.

Certas de seu inarredável compromisso com os imperativos democráticos de transparência e participação da sociedade civil organizada na esfera pública, as entidades signatárias decidem tornar pública a presente petição.

Nesta oportunidade, renovam-se protestos de elevada estima e consideração.

Respeitosamente*,

Marcelo Issa
Diretor-executivo
Transparência Partidária

Manoel Galdino Pereira Neto
Diretor-executivo
Transparência Brasil

*Para comunicações referentes à presente petição, indicam-se os seguintes meios de contato:
[email protected] e/ou [email protected]

 

___________________

  1. A íntegra dos processos de prestação de contas é, em regra, bastante extensa e constituem também o lastro do conteúdo declaratório sistematizado na ferramenta eletrônica. Estão publicados no portal do tribunal os processos completos das prestações de contas a período de 2007 a 2018. A documentação relativa aos anos de 2007 a 2015 é apresentada em centenas de arquivos eletrônicos que contém as fotocópias dos processos físicos, numerados em sequência e sem indicação dos respectivos conteúdos. Os processos referentes às contas de 2016 a 2018 passaram a ser enviados ao tribunal através do chamado Processo Judicial Eletrônico (PJe) e, desde então, os arquivos que os compõem multiplicaram-se em quantidade e passaram a ser publicados com nomenclaturas as mais diversas, que em geral não trazem nenhuma indicação a respeito dos respectivos conteúdos. Muitos são identificados somente com a data de seu protocolo e diversos outros apenas com denominações genéricas como “Petição” ou “Documento de Comprovação”. Aparentemente, cada partido denomina seus arquivos livremente no momento em que os envia pelo PJe. Desse modo, a pesquisa sobre qualquer ponto das contas partidárias exige a consulta ao teor de cada um desses arquivos, o que se constitui em tarefa extremamente adversa, especialmente para fins de controle social.
  2. Cerca de um quinto das quase três centenas de rubricas de despesa disponibilizadas no Sistema de Prestação de Contas Anuais (SPCA) não são suficientemente específicas, tais como “SERVIÇOS TÉCNICO-PROFISSIONAIS – OUTROS SERVIÇOS TÉCNICOS E PROFISSIONAIS – ORDINÁRIAS”.
  3. Aliás, é tão evidente que os partidos políticos exercem atividade de interesse público que a própria legislação infraconstitucional determina que representantes ou órgãos partidários possam figurar no polo passivo da ação de Mandado de Segurança, conforme expressamente previsto na Lei nº 12.016/2009.