Carta aberta pede que estados e municípios aceitem pedidos de informação anônimos

Hoje, quem pede uma informação a um órgão público via Lei de Acesso à Informação (LAI) não pode fazer isso anonimamente, devendo informar  dados como nome e RG ou CPF, entre outras informações pessoais. Essa é uma obrigatoriedade prevista pela LAI que em muitos casos pode inviabilizar o acesso à informação. Por isso, a Transparência Brasil e um grupo de organizações, pesquisadores e jornalistas lançou nesta semana uma carta aberta pedindo a estados e municípios que protejam a identidade de quem faz pedidos via LAI.

Por que isso é importante?

A obrigatoriedade de que quem faz pedidos de informação tenha que se identificar causa uma série de problemas. Como o órgão público recebe o pedido junto com dados pessoais do requerente, gestores responsáveis por fornecer as informações podem  tratar determinado pedido de forma diferenciada, conforme quem o registrou.

Há casos de conhecimento público em que servidores retardaram ou dificultaram o acesso à informação, a depender de quem a solicitava, como o caso da Prefeitura de São Paulo revelado em 2017. Com receio do que possa ser veiculado na imprensa, por exemplo, se os gestores públicos descobrem que o pedido é de um jornalista, podem entendê-lo como ameaça ao órgão.

Outro problema é o despreparo dos órgãos públicos para lidar com os dados dos cidadãos. Em levantamento realizado em 2017 pelo projeto Achados & Pedidos, da Transparência Brasil e da Abraji, ficou evidente a forma desprotegida com que dados pessoais dos requerentes são compartilhados pelos órgãos públicos, inclusive com terceiros.

No episódio, solicitamos aos principais órgãos públicos do país, bases de dados com os pedidos enviados a eles por cidadãos. O problema é que, quando mandaram essas informações à Transparência Brasil, 73% dos órgãos não ocultaram as informações pessoais dos requerentes, de modo que elas foram indevidamente compartilhadas, em grave desrespeito à LAI.

Um exemplo alarmante aconteceu com a Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul (AL-RS): ao responder nosso pedido, o órgão enviou uma pasta com cópias digitalizadas dos RGs de todos os requerentes. Nota-se evidente despreparo de boa parte dos órgãos públicos para lidar com os dados dos cidadãos, como mostra o relatório do Achados & Pedidos. 

Quais as chances de algo mudar? 

Um avanço nesse sentido aconteceu no Governo Federal em novembro deste ano, o órgão passou a permitir que o solicitante opte por ter sua identidade preservada ao fazer um pedido.

Com isso, apenas a Controladoria-Geral da União (CGU) terá acesso aos dados pessoais do requerente, quando este assim optar. Os dados ainda são necessários para se fazer o pedido, mas a diferença é que, agora, antes de repassar um pedido ao órgão ao qual ele se refere, a CGU retira os dados pessoais e encaminha o pedido sem essas informações.

Com essa prática, os pedidos tornam-se praticamente anônimos, pois ao menos os servidores e gestores responsáveis por fornecer a informação não saberão quem fez a solicitação.

Nesta carta aberta, solicitamos que também os estados e municípios passem a permitir que cidadãos possam realizar solicitações anonimamente.

Abaixo, leia a carta das entidades na íntegra. Para acrescentar a assinatura à carta aberta, entidades, pesquisadores e/ou jornalistas devem enviar nome, contato(s) e instituição para [email protected]

Carta aberta: estados e municípios devem permitir pedidos de informação anônimos

O Brasil deu um importante passo no direito ao acesso à informação nas últimas semanas. Em agosto, a Controladoria-Geral da União (CGU) informou que criaria um dispositivo para proteger os requerentes de acesso à informação, garantindo que eles pudessem pedir dados a qualquer órgão do governo federal sem precisar se identificar.

Tal medida, defendida amplamente por especialistas, foi implementada oficialmente em novembro de 2018 e já é uma realidade com o objetivo de proteger a integridade de quem precisa desses dados públicos, bem como evitar viés nas respostas.

A mudança é parte de um compromisso acordado pelo Brasil ao fazer parte, como membro fundador, da Open Government Partnership (OGP), iniciativa que busca maior transparência governamental nos países que dela participam.

Mas essa realidade, até então, é válida somente para o governo federal. O Brasil tem mais de 5 mil municípios, 26 Estados e um Distrito Federal, todos eles submetidos à Lei de Acesso à Informação (LAI).

Não é incomum encontrar relatos de ameaças e pressões contra jornalistas e pesquisadores que tentam obter documentos que possam, de alguma maneira, prejudicar políticos ou governos locais. Um amplo histórico desses casos pode ser encontrado na publicação Identidade Revelada, da entidade internacional Artigo 19.

Um dos exemplos citados no estudo aconteceu em novembro de 2017 e mostra como o então chefe de gabinete da Prefeitura de São Paulo tinha conhecimento sobre quem eram os requerentes dos pedidos de informação sobre os quais ele era um dos responsáveis por avaliar.

Conforme amplamente documentado em artigo dos pesquisadores Karina Furtado Rodrigues, professora do Instituto Meira Mattos, da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, e Gregory Michener, da Fundação Getulio Vargas (FGV-Rio), a necessidade de identificação do requerente pode ser uma barreira ao acesso à informação. “A identificação obrigatória cria o potencial para a discriminação ou represália do requerente, gerando fortes desincentivos para se pedir informações aos governos”, escrevem.

Na prática, isso faz com que o requerente busque maneiras informais de se manter no anonimato, seja usando um e-mail ou uma identidade que não é dele, seja pedindo a instituições que façam os pedidos em seus nomes. Estas práticas, no limite, dificultam o acesso à informação e instauram um clima de de medo e insegurança, contrapondo as boas práticas de transparência governamental observadas em outros países.

Diante das medidas já tomadas pelo governo federal e respaldadas na legislação atual, as instituições e pessoas que subscrevem esta carta pedem atenção dos governos estaduais e municipais para que adequem seus canais de transparência para proteger seus cidadãos e garantir, cada vez mais, um acesso à informação imparcial e de qualidade.

Assinam: 

Abraji – Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo
Artigo 19
Elda Valim – Movimento pela Moralidade Pública e Cidadania/ONG Moral
Fiquem Sabendo – O Brasil em Dados
Frente pelo Controle e Contra a Corrupção
Gênero e Número – Narrativas pela Equidade
Gregory Michener (Pesquisador / Programa de Transparência Pública da FGV-Rio)
Karina Furtado Rodrigues (Professora da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército)
Karine Oliveira – Instituto Soma Brasil
Lucas Lago – Pesquisador do Centro de Estudos Sociedade e Tecnologia da Universidade de São Paulo e do Instituto de Pesquisas Tecnológicas de São Paulo
Luiz Carlos V. Silva – Transparência Hacker-DF
Marcos Silveira – Datapedia
Maria do Socorro Mendonça – Instituto Nossa Ilhéus
Michael Freitas Mohallem (professor e coordenador do Centro de Justiça e Sociedade da FGV-Direito Rio)
Open Knowledge Brasil
Transparência Brasil