Fórum de Direito de Acesso a Informações Públicas denuncia retrocesso de transparência do Ministério da Saúde

Fachada do Ministério da Saúde na Esplanada dos Ministérios. Marcelo Casal Jr./Ag. Brasil

Onze organizações da sociedade civil que fazem parte do Fórum de Direito de Acesso a Informações Públicas – coordenado pela Transparência Brasil – publicaram hoje (10.dez.2020) uma nota técnica com recomendações para melhorias na transparência do Ministério da Saúde quanto aos dados sobre a pandemia do novo coronavírus. O documento será encaminhado a órgãos de controle externo (Controladoria-Geral da União, Tribunal de Contas da União, à Comissão Mista do Congresso Nacional Covid-19, ao Ministério Público Federal e ao Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União), com um pedido de providências.

Passados seis meses do envio de uma carta assinada por 100 organizações ao governo federal, em repúdio às sucessivas tentativas de eliminar dados públicos relacionados à covid-19, o novo documento denuncia a falta de atualização de boletins epidemiológicos e atrasos na divulgação de dados sobre a doença e sobre iniciativas para mitigar seus efeitos, como números de leitos, distribuição de testes e de medicamentos hospitalares. A manifestação pública cita ainda as estratégias usadas para prejudicar a cobertura jornalística da maior crise sanitária da história recente.

O texto identifica problemas em ao menos “sete pontos da transparência do Ministério da Saúde relacionados à pandemia de covid-19, de janeiro a novembro de 2020. Algumas reduziram o acesso direto da sociedade a informações; outras comprometeram o acesso a informações de maneira indireta, mas igualmente grave”.

Os entraves à transparência ativa de dados listados podem ser constatados pela falta de atualização ou de instabilidade em fontes de informações essenciais:

  1. Painel Coronavírus Brasil: instável e em permanente risco de retirada do ar;
    Painel de vírus respiratórios: não é possível saber nem sequer quando foi atualizado pela última vez;
  2. Dados sobre insumos, medicamentos e testes: há painéis atualizados pela última vez em outubro;
  3. Boletins epidemiológicos: há um vácuo de 1 mês entre a edição mais recente e a anterior;
  4. Dados sobre leitos disponíveis: atualizados pela última vez em meados de outubro;
  5. Ausência, nos painéis de consulta a dados, de recortes por gênero e raça/cor (não há sequer possibilidade de aplicação de filtros);
  6. Omissão, nos microdados, de variáveis de localização (CEP ou setor censitário de residência)

Declínio na relação com a imprensa

O documento apresenta o declínio da relação do Ministério da Saúde com a imprensa como um dos pontos de opacidade. A partir de relatos de associados da Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo, também integrante do Fórum), foi possível detalhar como essa deterioração se manifesta.

A nota mostra, a partir de dados coletados nas agendas públicas de autoridades e meios de comunicação oficiais que a frequência de entrevistas coletivas a respeito da pandemia de covid-19 realizadas pelo Ministério da Saúde decresceu ao longo do ano.

De 23 de janeiro a 23 de maio, a média de intervalo entre duas coletivas era de 1,6 dias. A partir de 23 de maio, a média passou a 4,3 – tendo sido observado um hiato de até 13 dias sem coletivas, entre 29 de outubro e 12 de novembro.

Ainda de acordo com relatos ouvidos por setoristas que atuam na cobertura diária da pandemia, as coletivas também apresentam problemas. “A presença do atual ministro Eduardo Pazuello é rara e, quando ocorre, só é permitido à imprensa o credenciamento de cinegrafistas. O chefe da pasta se limita a fazer declarações e deixa a coletiva sem responder a perguntas”, explica a nota.

Os dados coletados nas agendas de autoridades do Ministério da Saúde demonstram a ausência frequente do ministro: “[Pazuello] apresenta a proporção mais baixa de participação dentre os três ocupantes da pasta – mesmo considerando o fato de o ministro ter sido diagnosticado com covid-19 em 20 de outubro e permanecido em licença até 10 de novembro, pois no período só foram realizadas duas coletivas sobre a pandemia.”

Outro aspecto levantado pela pesquisa mostra que questões feitas pelos profissionais de imprensa presentes na coletivas são ignoradas. “As respostas tratam de temas não correspondentes às perguntas. A assessoria de comunicação limita ou mesmo impede a apresentação de perguntas complementares para esclarecimento de respostas (o chamado “follow-up”)”.

Na avaliação de Marina Atoji, coordenadora do Fórum de Direito de Acesso a Informações Públicas, os sete pontos apresentados espelham um retrocesso no direito de acesso à informação:

“Em um primeiro momento, a sociedade fica impedida de acessar dados precisos sobre a evolução da doença, já que não há atualização. Em outra camada, a difusão massiva de informações em formato mais acessível fica comprometida, à medida que os jornalistas são impedidos de acompanhar, de forma livre e independente, as ações da pasta, sendo portanto alijados do processo de levar os questionamentos da sociedade às autoridades”, avalia.

A nota técnica foi assinada pelas seguintes organizações: Transparência Brasil, Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), Fiquem Sabendo, Instituto de Governo Aberto, Open Knowledge Brasil, ANDI – Comunicação e Direitos, Associação Contas Abertas, Inesc, ObjEthos – Observatório da Ética Jornalística (UFSC), RENOI – Rede Nacional de Observatórios da Imprensa (UnB) e Instituto Ethos.