Artigo: Proposta de mudança na Constituição que limita pagamento de dívidas abre nova janela de oportunidade para a corrupção

Uma das principais causas da corrupção é o excesso de burocracia, especialmente na forma de complexidade regulatória. Conhecida pelo termo em inglês “red tape”, cria incentivos para a corrupção, pois o empresário, querendo fazer negócios e agilizar processos, aceita pagar propina para contornar esses obstáculos. No popular, é criar dificuldades para vender facilidades. Infelizmente, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC 23/2021), conhecida como PEC dos Precatórios, funcionará como “red tape”.

A PEC cria um limite para o pagamento dessas dívidas pelo poder público por ano, criando incerteza e insegurança jurídica sobre quando efetivamente os precatórios serão pagos. Pela lei atual, sentenças definitivas — transitadas em julgado — obrigam o estado a pagar os precatórios integralmente no ano fiscal seguinte. 

Reportagem do jornal Folha de S.Paulo apontou que a antecipação de precatórios, que tinha deságio de menos de 20%, agora é negociada com até 40% de deságio, diante das incertezas sobre o pagamento das dívidas pelo governo. Em outras palavras, o mercado está precificando o custo da PEC do calote em cerca de 20 pontos percentuais do valor total de cada dívida. Isso criará uma oportunidade para gestores públicos que queiram cobrar propinas de empresários que tenham recursos a receber do estado brasileiro. Bastará ameaçar não pagar uma dívida estatal e colocá-la no rol de precatórios que, segundo essas estimativas de mercado, a empresa esperará perder até 40% do que tem a receber. Qualquer propina abaixo desse valor em troca de receber o pagamento no presente e evitar torná-lo um precatório será economicamente vantajosa para as empresas.

Juntando o insulto à injúria, a PEC cria um limbo dos precatórios que ultrapassaram o limite e não foram pagos no exercício fiscal seguinte. Sem uma regra clara para definir quem terá prioridade, abre-se espaço para todo tipo de ações discricionárias do Executivo e Legislativo, que poderá negociar quem será o primeiro da fila em troca de propinas. Em vez de reduzir a possibilidade de achaque, o governo e o Congresso querem criar mais uma. Pelo visto, toda a corrupção que acontece no país não é suficiente e querem criar mais. Urge barrar mais essa insanidade.

Manoel Galdino é diretor-executivo da Transparência Brasil