PL anticrime avança no combate à corrupção?

Neste mês de fevereiro, o governo brasileiro apresentou o seu projeto anticrime ao Congresso. A medida figura como uma das 35 prioridades para os 100 primeiros dias da nova gestão.

Um dos objetivos do pacote é o combate à corrupção, temática a partir da qual fazemos aqui um balanço do pacote. Para a Transparência Brasil, apesar de apresentar pontos positivos, o pacote notadamente se omite quanto a medidas fundamentais para o combate à corrupção.

O foco das medidas apresentadas pelo ministro Sérgio Moro é a tentativa de reduzir a impunidade, que é uma causa importante de haver tanta corrupção no Brasil. No entanto, ao se limitar a um caráter essencialmente punitivista, o pacote deixa de atacar as principais causas da corrupção no Brasil.

Medidas como reforma dos Tribunais de Contas (TCs), a limitação do loteamento político de órgãos públicos, assim como a implementação da obrigatoriedade de avaliação de custo-benefício de políticas públicas deveriam entrar no rol de medidas prioritárias do governo. Sem essas medidas, dificilmente veremos avanço substancial no combate à corrupção.

O que destacamos positivamente do atual pacote:

Entre as medidas positivas, estão as que buscam reduzir a impunidade dos crimes de corrupção. Nesse rol, destacamos:

  • estabelecimento da prisão após condenação em segunda instância;
  • criminalização do caixa dois;
  • prazos de prescrição deixarão de correr quando determinados instrumentos jurídicos forem utilizados (a saber, embargos de declaração e recursos aos Tribunais Superiores).

A prisão após condenação em segunda instância é importante para diminuir impunidade, já que o sistema penal brasileiro permite muitos recursos protelatórios. Naturalmente, envolvidos em corrupção possuem recursos para pagar advogados caros e evitar cumprir penas.

A criminalização do caixa dois é um importante instrumento jurídico para que a Justiça Eleitoral, tendo em vista seu funcionamento precário, possa punir esses casos. Além disso, com a alteração, uma lacuna será corrigida, pois atualmente não há previsão de punição para a pessoa física ou jurídica que faça doações via caixa dois.

Ainda assim, importante notar que o impacto de tal medida tende a não ser tão significativo, visto que a proibição de doações empresariais para campanha deve ter reduzido as doações empresariais via caixa dois. Outro ponto é que, para os políticos, já há previsão de punição.

Dificultar a prescrição de pena também é fundamental para evitar impunidade. Como sabemos, os recursos protelatórios, somados aos caros advogados e à morosidade dos tribunais superiores, têm um resultado nefasto para a Justiça. Por isso é positiva a proposta do PL anticrime considerar especificamente os recursos aos tribunais superiores como um dos pontos que fazem o prazo de prescrição parar de correr.

 

O que deveria estar no atual pacote, mas não está:

No entanto, medidas que seriam fundamentais para o combate à corrupção não são abordadas. Do ponto de vista da Transparência Brasil, são graves faltas a ausência das seguintes questões:

  • reformar o controle externo realizado pelos Tribunais de Contas;
  • limitar o loteamento político do poder público;
  • avanço na avaliação de políticas públicas.

Quanto ao primeiro ponto, levantamento da Transparência Brasil de 2016 constatou que a maioria dos conselheiros dos Tribunais de Contas dos Estados (TCEs) é composta por ex-políticos de carreira, integrantes de clãs-políticos locais e de reputação nada ilibada. A politização dos TCEs, falta de transparência e insuficiência técnica dos conselheiros ajuda a explicar como tantos estados que declararam calamidade financeira e atrasaram o pagamento de salários possam ter tido suas contas aprovadas e supostamente cumprido as regras da Lei de Responsabilidade Fiscal.

Um caminho possível para resolver este problema seria tirar dos TCs a competência de julgar as contas do Executivo. Neste caso, caberia aos auditores fiscalizar as contas públicas, dar transparência aos resultados e comunicá-los aos legisladores, para que a oposição possa cobrar o governo — o que nos aproximaria do modelo anglo-saxão. Outra possibilidade seria alterar a forma como os conselheiros são indicados e julgam, aumentando a transparência das auditorias e regulamentando os conceitos de reputação ilibada e idoneidade moral, que, além de vagos, atualmente não são minimamente respeitados na indicação de conselheiros.

Outro item importante que não apareceu no pacote é o estabelecimento de regras que limitem loteamento político do poder público nas três esferas e em todos os poderes. Tal ponto aparece nas 35 medidas prioritárias do governo, porém voltada apenas ao Executivo federal. É necessário restringir o percentual de cargos de livre nomeação, estabelecer critérios de qualificação mínimos e estabelecer a necessidade de processo seletivo público — diferente dos concursos — para cargos públicos que hoje acabam se tornando cargos políticos. Isso seria fundamental para reduzir o fisiologismo que gera tanta corrupção. Para tanto deveria tramitar na forma de PEC, para que possa atingir outros poderes e entes federativos.

Por fim, sabemos também que a corrupção anda de mãos dadas com a ineficiência e a decisão imotivada e injustificada de políticas públicas. Introduzir a exigência de avaliação de custo-benefício nas políticas públicas é medida fundamental para aperfeiçoar o combate à corrupção e dar eficiência à administração pública. Nos Estados Unidos, por exemplo, desde os anos 80, as agências federais devem realizar uma análise de custo-benefício para as regulações mais significativas. Também o Brasil poderia se beneficiar de uma lei neste sentido, impedindo desperdício de recursos públicos.

Caso não implemente uma agenda anticorrupção mais abrangente, que não se restrinja a medidas punitivistas, dificilmente veremos avanço substancial no combate à corrupção na nova gestão.

*Texto sofreu alterações em 28/2/19.