Como membro do Conselho de Transparência Pública e Combate à Corrupção (CTPCC) da Controladoria-Geral da União (CGU), a Transparência Brasil envia carta aberta ao referido Conselho, solicitando que seja incluída, na pauta da próxima reunião, discussão sobre sigilo de informações e sobre o decreto nº 9.690, de 23 de janeiro de 2019. O documento alterou a regulamentação da Lei de Acesso à Informação (LAI), e ampliou o rol de agentes públicos que podem classificar informações.
Entre as questões que solicitamos que sejam discutidas está a revogação da medida. A versão oficial do Executivo para a mudança é a simplificação da burocracia. Nenhuma meta e objetivo, no entanto, foram apresentados. É impossível avaliar se a medida surtirá efeito positivo ou negativo. Tampouco houve explicação sobre por que o formato anterior seria pior.
Leia a carta completa neste link.
Qual foi a mudança?
Com o novo decreto, determinados cargos comissionados (Grupo DAS de nível 101.6 ou superior e do Grupo DAS de nível 101.5 ou superior) poderão assumir a tarefa de classificar documentos públicos como ultrassecretos (25 anos de sigilo) e secretos (15 anos de sigilo). De acordo com o Painel Estatístico de Pessoal do Ministério do Planejamento, em dezembro de 2018, havia 1.292 pessoas nesses cargos.
Como era antes?
Até então, tais cargos comissionados poderiam, no máximo, classificar documentos como reservado (5 anos de sigilo). A classificação de ultrassecreto só poderia ser determinada pelo alto escalão: presidente, vice-presidente, ministros de estado e autoridades com as mesmas prerrogativas, comandantes das Forças Armadas e chefes de missões diplomáticas e consulares permanentes no exterior. Sendo que as decisões dos dois últimos grupos devem ser ratificadas pelos respectivos ministros em até 30 dias.
Quais as consequências?
A classificação tem como objetivo restringir o acesso a determinadas informações consideradas sensíveis. Isso inclui o acesso dos próprios servidores aos documentos. Ao ampliar o número de funcionários com esta prerrogativa, o novo decreto também aumenta os riscos de vazamento.
Ainda hoje vários órgãos da administração pública federal dificultam o controle centralizado relativo a documentos sigilosos, haja vista não informarem anualmente à CGU a quantidade de documentos classificados e desclassificados. De acordo com levantamento feito com base em relatório da própria CGU, entre 2017 e 2018, 56% dos órgãos federais não informaram a quantidade de documentos classificados ou desclassificados.
Entre esses órgãos estavam 11 Ministérios — inclusive Justiça, Relações Exteriores, Planejamento, Desenvolvimento e Gestão e Meio Ambiente. Também órgãos como Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), Caixa Econômica Federal, Fundação Nacional do Índio, Comando do Exército, Comissão de Valores Mobiliários.
Todos os tipos de sigilo estão previstos na LAI?
Não. Há outras legislações que impõem restrições ao acesso à informação pública, como a que protege sigilo fiscal, bancário e comercial. Não há previsão legal para monitoramento do uso dessas restrições de acesso. Faz-se necessário, no entanto, monitorar quão frequentemente esse tipo de sigilo é usado para negar acesso a documentos solicitados via LAI.
A inexistência desse controle detalhado dificulta a identificação de possíveis abusos nas negativas. Só em 2018, conforme consta na base de pedidos de informação ao Governo Federal, o número de solicitações cujo acesso foi negado sob a justificativa de sigilo “de acordo com legislação específica” correspondeu a mais que o dobro das justificativas de “informação sigilosa classificada conforme a Lei 12.527/2011”.
Por que nos colocamos contra o decreto?
Juntamente com outras organizações e atores da sociedade civil, a Transparência Brasil se coloca contra o decreto nº 9.690/2018, tanto por colocar em risco o espírito da LAI que estabelece o sigilo como exceção, mas também pela falta de debate com a sociedade civil sobre a medida. A mudança sequer esteve na pauta da mais recente reunião do CTPCC, realizada em 12 de dezembro de 2018.
O que mais defendemos?
Além da discussão sobre a revogação do decreto, solicitamos também que, acerca do sigilo, sejam pautados os seguintes pontos na próxima reunião do CTPCC:
- Punição aos órgãos que não cumprem a LAI e não informam quais documentos foram classificados e desclassificados.
- Necessidade de monitorar o uso e legalidade de outras alegações de sigilo que não previstas na LAI e que potencialmente reduzem a transparência estatal.
- Outras formas de aprimorar a transparência e tornar o sigilo realmente a exceção.
Por uma política de transparência transparente
Não menos importante, reiteramos a importância de que se firme o compromisso de se discutir previamente no Conselho alterações na política de transparência, em consonância com os termos do decreto nº 9.468/2018 — que regulamentou o funcionamento do CTPCC — e com os princípios de governo aberto, abraçados pelo governo brasileiro perante a comunidade internacional e que preconiza, entre outras questões, a colaboração entre sociedade civil e Estado na formulação de políticas públicas.