As obras para a construção de 2.186 escolas e creches financiadas pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) estão paralisadas, revela levantamento inédito da Transparência Brasil, realizado por meio do projeto Tá de Pé. De 2007 a 2020, os repasses federais para essas obras em diversos municípios somam R$ 1,3 bilhão. Os dados se referem a ações do Programa de Ações Articuladas (PAR) e do Proinfância.
A maioria (77%) das construções paralisadas já deveria ter sido entregue. Os repasses federais para essas 1.689 obras somam mais de R$ 1 bilhão.
Há casos com atraso de mais de sete anos, como o de Icó (CE). Em 2008, a prefeitura recebeu R$ 770 mil para a construção de uma escola de Educação Infantil que deveria ter ficado pronta em 2014. O montante corresponde a 78% dos recursos do FNDE destinados à obra. No entanto, de acordo com o SIMEC, até o final do ano passado menos da metade dela (44%) havia sido completada.
Juliana Sakai, diretora de operações da Transparência Brasil, alerta para os problemas retratados pelos dados: “o primeiro deles é que o atraso na entrega de obras compromete a oferta de vagas na rede pública de Educação”.
“A grande proporção de obras atrasadas mostra também que há falhas na forma como os gastos do programa nacional de infraestrutura escolar são executados”, completa. Por fim, Sakai afirma que a paralisação das obras provoca perdas financeiras para a administração pública.
Os principais motivos das paralisações são os mesmos apontados há dois anos pela ONG em levantamento semelhante: a contratação de empresas sem condição financeira para concluir a obra, falhas no planejamento da contratação ou do projeto, deficiências na fiscalização das obras e atrasos nos repasses federais.
Obras canceladas: prejuízo de até R$ 225 milhões aos cofres federais
O levantamento identificou ainda que 2.573 obras financiadas pelo FNDE no período foram canceladas. Nesses casos, Estados e municípios são obrigados a devolver os recursos federais recebidos, após o FNDE verificar os valores.
A autarquia apurou o valor total relativo a 1.146 dessas obras, até o momento. Dentre as que chegaram a receber repasses federais antes do cancelamento (498 obras), 45% não devolveram nenhuma parte dos R$ 61 milhões que receberam do Fundo até agora.
Com base nessa taxa de inadimplência, é possível estimar em R$ 164 milhões o prejuízo do governo federal com o restante das obras canceladas que ainda não foram auditadas pelo FNDE. Dessa forma, o rombo total pode ser de mais de R$ 225 milhões. Além de não ter sido devolvido aos cofres federais como determina a lei, não há informações sobre o uso que estados e municípios fizeram desse dinheiro.
Transparência: avanços insuficientes
A transparência de dados e informações sobre obras do FNDE melhorou desde a publicação do primeiro relatório da Transparência Brasil sobre o tema, em 2017. O órgão aplicou recomendações apresentadas pela organização, como a disponibilização de dados financeiros de forma individualizada por obra. O relatório aponta que, ainda assim, alguns problemas comprometem o acompanhamento das obras pelo público.
A linguagem utilizada é um deles: de acordo com Jonas Coelho, cientista de dados da Transparência Brasil, os termos usados na base de dados não são claros e não há uma referência que indique seus significados. “Já tentamos obter o dicionário de dados por meio de pedidos de acesso à informação, mas o FNDE negou”, conta.
O número de obras atrasadas só pode ser obtido por meio de cruzamentos de informações, pois não é exibido diretamente no painel do FNDE, informa Coelho: “identificamos os casos associando as classificações das obras quanto ao seu andamento (concluídas, em andamento etc.) ao prazo de entrega indicado na base de dados do SIMEC”.
Ele pontua que, como o prazo de entrega nem sempre está indicado, a Transparência Brasil usa como base o prazo padrão do FNDE para cada tipo de obra – que, por sua vez, não está disponível em transparência ativa; foi necessário fazer um pedido de acesso à informação.
Os dados relativos aos repasses de recursos não estão presentes no arquivo em formato aberto disponibilizado no SIMEC, embora apareçam na página de cada obra no sistema. “Foi necessário fazer a raspagem [extração automática] dos dados das páginas”, diz Coelho.
“A gestão costuma ver transparência e prestação de contas como um estorvo. No entanto, é claro que o governo sozinho não é capaz de acompanhar devidamente como os recursos estão sendo gastos em todo o território. Por isso que é tão importante melhorar a transparência: sem ela, a sociedade não consegue acompanhar adequadamente as políticas e realizar controle social”, alerta Juliana Sakai.