A Transparência Brasil, junto a outras oito organizações, assinou nesta sexta, 28.ago.2020, uma nota endereçada à ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (STF), após o Banco Central apresentar argumentos contrários à ADPF 726, na qual três partidos políticos pediram ao STF que a criação da cédula de R$200 fosse suspensa.
As organizações da sociedade civil afirmam que os argumentos apresentados pelo BC são contraditórios e não ‘fundamentam com suficiência’ a necessidade de criação da nova nota. Nas informações prestadas pelo órgão após determinação da ministra, a falta de moeda é um risco prestes a acontecer, caso a nova nota não seja posta em circulação. No início de agosto o mesmo Banco Central informou que esse risco era inexistente e o lançamento da cédula de R$200 era uma ação meramente preventiva. Os documentos que motivaram a decisão, e os seus estudos técnicos, foram colocados em sigilo por um ano.
Confira a carta na íntegra
CARTA ABERTA À MINISTRA CÁRMEN LÚCIA
São Paulo, 28 de agosto de 2020
Excelentíssima Senhora Cármen Lúcia Antunes Rocha,
Ministra do Supremo Tribunal Federal
Relatora da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 726
As entidades signatárias dirigem-se pública e respeitosamente a V. Exa. para manifestar apoio aos pedidos formulados na petição inicial da ação em epígrafe, sob vossa relatoria, que questiona recente decisão do Banco Central do Brasil, anunciada em 29 de julho do corrente ano, de criar a cédula de duzentos reais.
Inicialmente, cumpre destacar a prudência da decisão de V. Exa., datada de 21 de agosto passado, ao determinar que o Presidente do Banco Central do Brasil prestasse informações no prazo de quarenta e oito horas.
Ocorre, contudo, que os argumentos apresentados pela autarquia em atendimento à determinação de V. Exa. não fundamentam com suficiência a necessidade de criação da nova cédula nem afastam os riscos apontados por parte das organizações subscritoras em Nota Pública divulgada no último dia 03 de agosto, a qual encontra-se reproduzida na íntegra na exordial da ação em comento. As entidades subscritoras, portanto, reafirmam o conteúdo da referida nota.
Nesse sentido, considera-se necessário registrar que as informações prestadas pelo Banco Central do Brasil em atendimento à determinação de V. Exa. contradizem as próprias razões anteriormente expostas pela autarquia para justificar a criação da nota de duzentos reais.
Se antes argumentava-se que se tratava de atuação meramente preventiva, e que não havia qualquer risco de falta de numerário, as informações prestadas ontem pela autoridade monetária sugerem iminente risco de falta de numerário caso a nova cédula não seja posta em circulação.
Ademais de contraditórias e aparentemente oportunistas, essas alegações foram zapresentadas – mesmo no âmbito das informações prestadas em atendimento à determinação de V. Exa. – sem qualquer lastro, uma vez que seguem desconhecidos os estudos técnicos e/ou de impacto ou ao menos as fontes de dados primárias que embasaram a referida decisão.
Cumpre salientar, ainda, que as informações prestadas pela autarquia assumem que a medida tem caráter permanente, embora seja excepcional o contexto que a motivou, o que implica risco concreto de gravosos e perenes impactos para o combate à criminalidade.
Descumprindo o mandamento constitucional de transparência na motivação dos atos e decisões administrativas, segundo reportagens veiculadas na imprensa, o Banco Central do Brasil colocou sob sigilo de um ano os documentos que justificam a criação da nova cédula, mesmo diante das gravosas implicações potenciais da medida e do interesse já manifestados por diversas organizações da sociedade civil.
Neste ponto é necessário sublinhar que as alegações do Banco Central do Brasil nas informações prestadas a V. Exa. restringiram-se ao crime de lavagem de dinheiro, ignorando por completo os impactos da medida para todos demais crimes, devidamente apontados pelas entidades subscritoras na referida Nota Pública, tais como corrupção, sonegação, ocultação e evasão de divisas, tráfico e contrabando.
Finalmente, considera-se necessário reiterar que, embora a decisão esteja sob o campo de competências do Conselho Monetário Nacional, composto apenas pelo Ministro da Economia, pelo Presidente do Banco Central e pelo Secretário especial da Fazenda, tendo em vista os potenciais impactos da medida, considera-se que órgãos de controle como Ministério da Justiça, Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro (ENCCLA), Procuradoria-Geral da República / Ministério Público Federal e Controladoria Geral da União (CGU), assim como entidades da sociedade civil estudiosas da questão, deveriam participar dessa tão relevante decisão, cujos efeitos podem ter consequências graves e perpétuas para o combate à corrupção e à criminalidade, o que não se verificou até o presente momento.
Ao despedirem-se, as entidades signatárias manifestam profunda estima e consideração, declaram apoio aos pedidos apresentados pelos autores da ADPF 726 e manifestam a esperança de que se verifique a urgência e a necessidade da concessão da antecipação de tutela ante os riscos prementes representados pelo contexto que a motivou.
Assinam:
Instituto Não Aceito Corrupção
Transparência Partidária
Transparência Brasil
Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social
Confederação Nacional das Carreiras e Atividades Típicas de Estado
Movimento do Ministério Público Democrático
Instituto Compliance Brasil
Associação Nacional dos Auditores de Controle Externo dos Tribunais de
Contas do Brasil
Associação da Auditoria de Controle Externo do Tribunal de Contas da
União (AudTCU)