A Operação Mãos Limpas, que combateu a corrupção na Itália durante os anos 90 e começo dos 2000, teve grande sucesso inicial em colocar na prisão grandes empresários e políticos importantes. Ela desestruturou o sistema partidário vigente — envolvido até o pescoço em corrupção — e contou com grande apoio popular. No entanto, o sistema político reagiu, aprovando leis que tornaram a punição muito difícil, o que fez com que a popularidade da operação caísse. Por fim, a avaliação geral é de que a corrupção na Itália continua igual ou mesmo piorou.
A decisão do STF de, por 6 votos a 5, remeter à Justiça Eleitoral crimes de corrupção e lavagem de dinheiro, se ocorridos em conjunto com algum crime eleitoral (como caixa 2), é, provavelmente, o que faltava para que a Lava-Jato tenha o mesmo destino que a Mãos Limpas e outras grandes operações de combate à corrupção como a Castelo de Areia: impunidade.
Crimes de corrupção e lavagem de dinheiro são complexos. Por essa razão, inclusive, que em 2003 o Judiciário decidiu criar as varas especializadas em lavagem de dinheiro, da qual Sérgio Moro foi titular na Justiça Federal do Paraná.
De acordo com o próprio site do TSE, “a Justiça Eleitoral brasileira é um ramo especializado do Poder Judiciário, com atuação em três esferas: jurisdicional, em que se destaca a competência para julgar questões eleitorais; administrativa, na qual é responsável pela organização e realização de eleições, referendos e plebiscitos; e regulamentar, em que elabora normas referentes ao processo eleitoral”.
Como se vê, há reconhecimento pela própria Justiça Eleitoral de que ela não possui atuação especializada em crimes de corrupção e lavagem de dinheiro. E não só isso, suas atribuições, ainda que também complexas, são completamente diversas, pois envolvem organizar, regular e julgar matérias relativas às eleições.
Além de não ser especializada nos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro, a Justiça Eleitoral tem estrutura extremamente precária de funcionamento. Seus juízes são emprestados de outros Tribunais — com mandatos temporários (dois anos, renováveis por mais dois) — acumulando, além das funções de seu tribunal de origem as funções na Justiça Eleitoral. Cenário similar ocorre no Ministério Público Eleitoral.
Neste contexto, a Justiça Eleitoral não é capaz de julgar com celeridade nem os próprios processos eleitorais, tanto é que ainda está julgando as contas partidárias de 2013.
A consequência mais provável da decisão do STF é que os crimes de corrupção e caixa dois irão prescrever e, portanto, não haverá punição. Sem perspectiva de condenação, acaba-se o incentivo para a colaboração premiada. Além disso há riscos de casos já julgados — com condenações — serem revistos pois foram julgados pela Justiça “errada”.
Em suma, a Lava-Jato caminha para ter o mesmo final que a italiana Mãos Limpas. A diferença é que lá foram os políticos, por meio de aprovação de leis, que fizeram a impunidade prevalecer. Aqui, foi a Suprema Corte que, por meio da interpretação de leis já existentes, criou uma situação que pode o mesmo resultado. A dimensão do estrago ainda é incerta, mas a colaboração premiada — determinante para desvendar os crimes de corrupção — irá minguar. Além disso, criminosos de todo tipo vão querer se envolver com a política, pois assim eles terão a garantia de que seus crimes irão a para a lenta e ineficaz Justiça Eleitoral.