Até 19.nov.2020, está aberta para consulta pública uma proposta de decreto para criar um “programa de desburocratização, simplificação e combate à corrupção” na administração pública. O objetivo é regulamentar o ponto da Lei de Liberdade Econômica (Lei 13.874/2019) que garante o direito à igualdade de tratamento de cidadãos e empresas no processo de liberação de atividade econômica (emissão de licenças, autorizações e alvarás). A proposta foi elaborada pela Secretaria de Advocacia da Concorrência e Competitividade (SEAE) do Ministério da Economia.
A partir do Fórum de Direito de Acesso a Informações Públicas, a Transparência Brasil e a Fiquem Sabendo submeterão apontamentos ao texto na consulta pública. Ao mesmo tempo em que estabelece boas práticas de transparência e controle da corrupção na área de liberação de atividade econômica, a proposta de decreto tem algumas deficiências.
Transparência
O art. 4º traz determinações que garantem a transparência das decisões administrativas referentes à liberação de atividade econômica de forma alinhada com a Lei de Acesso a Informações e o decreto federal que estabelece a Política de Dados Abertos do Governo Federal. O trecho torna obrigatória a disponibilização de uma base de dados aberta com os termos das decisões. Também define o prazo máximo (30 dias) para publicação delas no site do órgão público responsável por emiti-las.
Além de serem bons padrões mínimos para o cumprimento do dever de publicidade da administração pública, as determinações facilitam a busca por precedentes na área e possibilitam a realização de análises das ações de liberação de atividades econômicas. Outra vantagem é que seriam aplicáveis não só ao nível federal, mas também aos estados e municípios.
Curiosamente, outros trechos da proposta fazem o inverso: limitam, sem necessidade, o acesso a informações relevantes. O § 3º do artigo 4º citado acima, por exemplo, estabelece que os dados de pessoa jurídica empresarial “serão censurados, excluídos ou vetados” em obediência à Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). Não faz qualquer sentido, já que dados cadastrais de empresas são públicos.
Embora o art. 5º torne obrigatória a publicação de decisões resultantes de autuações por infração a leis, o art. 9º restringe o acesso a dados de visitas ou autuações a agentes econômicos realizadas por órgãos públicos. Somente os próprios alvos de visitas e autuações, além do órgão público e da corregedoria responsáveis, podem acessá-los.
Da forma como está redigido, o texto abre brecha para inviabilizar a divulgação de informações como a chamada “Lista Suja do Trabalho Escravo”. Seria importante incluir uma ou mais condições para viabilizar a divulgação de dados sobre autuações e visitas, como o acréscimo do status de uma autuação (se ainda cabe recurso ou não, por exemplo) e a restrição de acesso apenas a dados pessoais ligados às visitas, liberando informações básicas como data e horário, agente público que realizou a visita, pessoa jurídica visitada etc.
Combate e prevenção da corrupção
Os arts. 12 e 13 traçam limites entre agentes públicos que trabalham nas etapas do processo de liberação de atividade econômica e agentes públicos responsáveis por fiscalizar e exercer o poder de polícia sobre pessoas físicas ou jurídicas que exercem atividade econômica liberada. Eles devem compor áreas separadas inclusive fisicamente: os servidores devem ficar em espaços distintos.
Agentes públicos que realizaram alguma das etapas do processo de liberação de atividade econômica só podem repassar informações a agentes dedicados a fiscalização e controle por meio de procedimento administrativo.
Em conjunto, as medidas podem reduzir a ocorrência de conflitos de interesse em procedimentos de fiscalização e de troca de informações entre setores de maneira informal (que poderia levar ao vazamento de informações para beneficiar o alvo de fiscalização ou controle, por exemplo; ou comprometer a imparcialidade no tratamento de autuações e inspeções).
Os arts. 14 e 15 abordam uma questão pouco presente na legislação brasileira sobre corrupção, apesar de sua grande importância: a proteção a denunciantes. Mas como o primeiro artigo mencionado se limita a determinar que todo órgão deve estabelecer um procedimento para proteger denunciantes não-anônimos – ao invés de incluir, no próprio Decreto, um procedimento padrão mínimo -, a oportunidade de fortalecer esse mecanismo é perdida.
Nem o fato de o art. 15 estabelecer que processos administrativos originados em denúncia não-anônima serão conduzidos, analisados e decididos por instância superior do órgão ou entidade salva. É apenas um cisco de aumento na proteção do denunciante contra represálias quando há uma possibilidade de criar um conjunto de medidas nesse sentido.
Como se costuma dizer, é melhor do que nada. Mas pode melhorar – e consultas públicas são relevantes por isso.
A consulta pública se encerra em 19.nov e as contribuições ao texto devem ser enviadas por e-mail conforme instruções disponíveis aqui.