Na terça-feira, 2 de março, o Diário Oficial da União registrou dois Termos de Ajustamento de Conduta (TACs) nos quais dois professores de universidades federais se comprometeram a não mais fazer manifestações de “desapreço” ao presidente da República por dois anos. O caso levantou a suspeita de perseguição política e cerceamento à liberdade de expressão. A Controladoria Geral da União (CGU), responsável pelos TACs, deve explicações à sociedade.
A CGU foi criada para ser o órgão defensor da transparência e do interesse público, exemplarmente listados na Constituição pelos princípios da legalidade, moralidade, impessoalidade e publicidade, entre outros.
Entretanto, a possibilidade de punição para os professores é um claro descumprimento de uma decisão de 2018 do STF. O plenário da Corte decidiu que é proibida a interrupção de manifestações públicas, de apreço ou reprovação a candidatos, no âmbito das Universidades Federais. Essa decisão – tomada no âmbito de um instrumento jurídico para evitar o descumprimento de direitos fundamentais, a Arguição de Descumprimento de Preceitos Fundamentais (ADPF 548), ajuizada pela então Procuradora-Geral da República Raquel Dodge – tem efeito erga omnes, ou seja, é vinculante para todos e, em particular, para a administração pública. Isso significa que é vedada, conforme diz o acórdão do STF, “interpretação de lei que repercuta atuação do poder público em ambiente universitário contrária à ordem constitucional”.
Sabemos, contudo, que os tempos atuais são sombrios para a democracia. Assim, a CGU deve esclarecer por que não arquivou de ofício a denúncia – como poderia ter feito após realizar a investigação preliminar, conforme autorizam os arts. 6º e 9º da Portaria CGU 335 de 2006 – e por que não entendeu que a decisão do STF é relevante para o caso em tela. Os TACs, embora possam ser considerados um mal menor para os professores envolvidos, representam um abuso do poder público que inibe a livre manifestação e viola os preceitos fundamentais garantidos em nossa Constituição, como liberdade de expressão e autonomia universitária. Diria, até, que se trata de erro grosseiro e, como tal, conforme previsto na Lei de Introdução ao Direito Brasileiro, poderia resultar em investigação contra o servidor que não arquivou a denúncia.
Mesmo que o pedido para realização dos TACs tenha partido dos professores, e não da CGU, esta deveria tê-los orientado de que provavelmente não caberia nenhuma punição, em razão da decisão do STF e que as denúncias seriam arquivadas.
Para que não pairem suspeitas sobre a atuação da CGU, esperamos que o órgão seja transparente e se responsabilize pelo ocorrido. Se houve pressão para que fosse dado andamento mínimo ao caso, por exemplo, para agradar o presidente da República ou seu aliado do Congresso que fez a denúncia, há violação do princípio da impessoalidade e moralidade na administração pública. A democracia brasileira não pode sofrer mais um ataque impunemente.
Manoel Galdino é diretor-executivo da Transparência Brasil.