Até pouco tempo atrás, cidadãos que quisessem investigar gastos públicos federais pelo portal da transparência, precisavam de bastante tempo e paciência para conseguir — eventualmente — alguma informação relevante. Isso porque não era possível obter o resultado em uma única tabela, era necessário navegar por diversas páginas para juntar todas as partes da busca. Como os resultados eram limitados a 15 linhas por página, se um cidadão busca por determinado termo e a pesquisa volta com 300 linhas de resultados, por exemplo, o indivíduo teria que navegar por 20 páginas diferentes para poder acessar todo o conteúdo de sua busca.
Usar esses dados de forma mais eficiente requer conhecimento em técnicas de raspagem de dados que pouquíssimos detém, e um governo que se propõe ser aberto não pode limitar o controle social a uma elite técnica. As informações públicas precisam ser acessíveis a diversos públicos: leigos, especializados, portadores de deficiência.
Desde o fim de junho, o novo portal do governo federal aproxima-se mais do cidadão, permitindo, por exemplo, consultas mais interativas, com a possibilidade de selecionar colunas, agregar valores, usar filtros e, ao final, baixar o resultado da pesquisa feita em uma planilha. Sem dúvida, a atualização do portal estruturado em 2004 é um passo positivo em direção aos parâmetros de governo e dados abertos.
Há no entanto muito espaço para melhorar a transparência, como ferramenta básica do controle social. Isso porque apenas transparência de dados financeiros, disponibilizando dados detalhados do orçamento, receita e despesa não é suficiente.
Ainda que neste ponto o Brasil seja um exemplo positivo no cenário mundial, quando se quer fiscalizar a execução de políticas públicas, consultar como se deram as fases de uma licitação que não sejam os gastos envolvidos e a existência da contratação em si, geralmente é muito difícil e custoso conseguir acesso a esse tipo de informação.
A própria Transparência Brasil, por exemplo, enfrenta grande dificuldade para conseguir dados sobre os cronogramas físico-financeiros de obras financiadas com recursos federais. Só em programas do FNDE de construção de creches e escolas já foi gasto pelo menos R$ 1,5 bilhão com obras paralisadas, segundo levantamento que realizamos em 2017. Sem os cronogramas, a informação dos repasses e despesas referentes à obra são pouco úteis para a fiscalização, pois pouco dizem sobre seu andamento.
Da mesma forma, de nada adianta o cidadão saber quanto foi transferido para seu município, se ele não sabe como, onde, quando e por quais construtoras esse dinheiro será utilizado. Para isso, é preciso contudo que os demais órgãos do governo federal, como o FNDE, sejam mais transparentes e deem acesso aos dados de implementação de políticas públicas financiadas pela União — porque, a depender dos municípios, a festa com o dinheiro federal continuará acontecendo sem prestação de contas .
A seguir destacamos as melhorias mais relevantes, bem como os pontos que ainda precisam ser melhor trabalhados. É bastante evidente a mudança visual e estrutural do site. Ele possui novas funcionalidades, reúne bases que antes estavam apenas em sites de outros órgãos, facilitou a busca de informações dentro do próprio portal e disponibiliza as bases para download. Entre os novos dados do portal estão as emendas parlamentares – que antes ficavam disponíveis apenas no site da Câmara dos Deputados – ou dos acordos de leniência firmados com empresas.
Na parte “Painéis”, estão diversas visualizações gráficas de temas como orçamento público, valores transferidos a estados e municípios pelo governo federal e sanções aplicadas a empresas, ONGs e servidores. Apesar de os painéis facilitarem e agilizarem a visualização e interpretação dos dados, em parte dos casos, os gráficos usados como modelo acabam não sendo muito úteis, causando mais perguntas do que respostas. Vide o exemplo da página sobre os gastos da intervenção militar do Rio que apresenta o montante pago pelo governo como zero em um dos gráficos e em outro como cerca de R$ 56 mil frente a um orçamento de R$ 1,2 bilhão, gerando dúvida no cidadão. Seria bom se estivesse mais evidente a origem e o significado dos dados consultados, para que as pessoas possam inclusive comparar com dados de outros órgãos. Afinal, não é incomum que órgãos diferentes apresentem dados e índices conflitantes por usarem bases distintas.
Já na seção de “Consultas detalhadas”, como citado no início, é possível montar tabelas interativas no próprio portal, usando filtros, agregando valores e fazendo download das planilhas customizadas de diferentes temas como despesas, receitas, transferência de recursos, licitações, contratos, convênios, gastos com cartões de pagamento dos órgãos e servidores, benefícios aos cidadãos como Bolsa Família, imóveis funcionais e viagens a serviço.
Para quem, como nós, trabalha com os dados fora do portal da Transparência, as possibilidade de acesso aos dados está mais variada: além do download das tabelas interativas montadas no portal, também é possível baixar as bases de dados na área de dados abertos ou acessá-las via API. É possível também incorporar os gráficos feitos pelo usuário ou disponíveis no portal diretamente no próprio site ou blog.
Também a busca está melhor: é possível, por exemplo, pesquisar as relações de pessoas ou empresas com o Governo Federal pelo nome ou pelo seu CNPJ. No caso de empresas, é possível ver todos seus contratos celebrados com o governo, se está envolvida em acordos de leniência ou se foi declarada impedida de contratar com poder público. Já para servidores, é possível ver o salário, viagens e demais verbas recebidas. No entanto, a efetividade da ferramenta de busca ainda tem que ser aprimorada tanto na eficiência dos resultados quanto na disponibilização de dicas e operadores de pesquisa, que permitam buscas avançadas.
Consideramos positiva a criação da página “Rede de transparência”, pois responde a uma demanda da sociedade, que muitas vezes tem dificuldade em sequer encontrar os portais de transparência de outros órgãos que não sejam do governo federal. A página, que reúne links de portais de transparência e sites de outros órgãos, precisa ser expandida, pois frente às dimensões do país ainda possui poucos links.
Uma funcionalidade que já existia, mas que acreditamos que vale à pena destacar para quem faz controle social é a possibilidade de se cadastrar no portal para receber notificações por email de temas de interesse, como a cada vez que um determinado município tem recursos de transferência liberados ou quando uma determinada empresa assina um novo contrato.
O portal também abre espaço para que a sociedade civil contribua na fiscalização: nas páginas do portal referentes às empresas, o cidadão pode registrar suspeitas de empresas fantasmas, indicando se a empresa de fato funciona no endereço indicado em seu cadastro.
É preciso, no entanto, intensificar as estratégias de educação, engajamento e sensibilização da população para que haja mais fiscalização cidadã e participação. Sem o uso efetivo dos dados e ferramentas, de nada serve a transparência.