A Transparência Brasil recebeu com grande assombro a recente decisão da Controladoria-Geral da União (CGU) de negar acesso a pareceres jurídicos da Advocacia-Geral da União (AGU) que servem de base a vetos presidenciais sobre projetos de lei aprovados no Congresso. A negativa se estende a consultorias jurídicas vinculadas à Advocacia-Geral de todos os ministérios e a atos proferidos por advogados públicos.
Após decidir pela concessão dessas informações públicas, a CGU voltou atrás, a pedido da Secretaria de Assuntos Jurídicos da Presidência da República, revertendo o entendimento anterior de que o advogado-geral da União não possui sigilo profissional, por ser advogado público. Trata-se de uma evidente mutilação da Lei de Acesso a Informação (LAI), tanto em termos de princípios quanto de procedimentos e uma violação do princípio da legalidade, que erodem a transparência pública e a democracia.
Entenda o caso
Em ao menos duas ocasiões, a CGU adotou um procedimento não existente na LAI e reverteu suas próprias decisões favoráveis ao fornecimento dessas informações. Cidadãos tentaram obter, via LAI, pareceres jurídicos que embasaram vetos da Presidência da República a trechos de projetos aprovados pelo Congresso: a Lei de Abuso de Autoridade e a Lei Geral de Proteção de Dados.
Nas duas solicitações, o pedido e os recursos em 1ª e 2ª instância ou foram negados, ou obtiveram respostas parciais, sob a alegação de que haveria sigilo profissional entre o advogado-geral da União e a Presidência da República – um completo descalabro criado pela Portaria da AGU nº 529/2016, que viola o direito do cidadão de saber o embasamento de decisões públicas.
Ao chegar à 3ª instância, o recurso foi deferido e a CGU determinou aos órgãos que entregassem os pareceres, apontando acertadamente que o sigilo da advocacia não se aplica à esfera pública. Em clara violação à LAI, os órgãos ignoraram a determinação. Isso motivou os solicitantes a apresentaram reclamação pelo descumprimento da medida.
Contudo, ao invés de cumprir a decisão, os órgãos apresentaram à CGU uma espécie de “recurso” fora de qualquer prazo legal, pedindo que a determinação fosse revista. A CGU, por sua vez, acolheu o “recurso” e reverteu a própria decisão, mantendo os documentos sob sigilo. Nenhuma dessas práticas existe na LAI. E ainda que consideremos que a Lei de Processo Administrativo autorize revisões de ofício, os prazos determinados por ela também não foram respeitados.
Além da violação dos procedimentos legais, é alarmante que esses mirabolantes e inovadores exercícios em atos administrativos estejam sendo utilizados para forçar um tipo de sigilo que não faz sentido em seu mérito. Reiteramos nossa análise anterior: não é cabível que se alegue a existência de sigilo advogado-cliente na atuação da Advocacia Geral da União. O advogado-geral da União não equivale a um advogado privado, tampouco o presidente da República seria seu cliente. O advogado-geral da União não exerce a função de advogado pessoal do presidente, sobretudo nesse caso, no qual sua competência é a de assessorar a produção normativa tendo em vista a proteção do ordenamento jurídico e da Constituição. De qualquer maneira, a LAI é clara:
“O direito de acesso aos documentos ou às informações neles contidas utilizados como fundamento da tomada de decisão e do ato administrativo será assegurado com a edição do ato decisório respectivo.” (Art. 7º, §3º).
Além de tudo, também é preciso ressaltar mais uma irracionalidade disposta no novo parecer da CGU: a que sujeita o acesso a informação a uma “concordância” do advogado público. Em outras palavras, a informação somente será tornada pública se o advogado-geral da União (ou outro advogado público em questão) permitir. Na prática, criaram um mecanismo de restrição ao acesso a informação completamente subjetivo, sem prazo específico e não sujeito a recurso, dependendo tão somente da vontade de um indivíduo.
Nesse momento de sucessivos ataques à transparência pública, como levantamos aqui, a CGU deixa, infelizmente, de ser um órgão revisor em defesa da transparência e passa a ser subserviente a um governo que não demonstra vergonha da sua falta de compromisso com os cidadãos na prestação de contas sobre suas ações. É fundamental que a sociedade civil possa atuar contra tais arbitrariedades. O Fórum de Acesso a Informações Públicas está estudando as medidas cabíveis para contestar a decisão.