[Coluna 7] A importância do controle social no combate à corrupção – o caso do Tá de Pé

A Transparência Brasil tem como missão promover a transparência e o controle social do poder público, contribuindo para a integridade e o aperfeiçoamento das instituições, das políticas públicas e do processo democrático. Nossa teoria da mudança propõe que, com mais transparência, o controle social será mais efetivo e, como resultado, teremos instituições e políticas públicas mais íntegras e efetivas. Estes são elementos essenciais para alcançarmos uma democracia mais robusta.

Nós acreditamos também que esta teoria da mudança deve ser avaliada à luz de evidências rigorosas para que possamos ajustá-la. Por essa razão, é prática comum realizarmos avaliação de impacto de nossos projetos. A mais recente delas, feita por um consultor externo, tratou do aplicativo Tá de Pé. E os resultados positivos – e negativos – são bastante iluminadores sobre nossa teoria da mudança.

Contexto do Tá de Pé

O Plano Nacional de Educação (PNE), aprovado em 2014, estabeleceu como sua meta 1 ter 50% das crianças de 0 a 3 anos em creches até 2024 e universalizar a pré-escola (4 a 5 anos) até 2016. De acordo com dados do Observatório do PNE, o Brasil tem 90% das crianças de 4 a 5 anos na pré-escola, e 30% das crianças de 0 a 3 anos em creches.

Desde 2007, o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) financia a construção de creches e escolas em todo o Brasil, por meio do programa Proinfância. Este programa, portanto, é fundamental para ajudar o Brasil a cumprir as metas do PNE.

A Transparência Brasil, em 2017, lançou o app Tá de Pé, que permite a qualquer pessoa fiscalizar o andamento de obras de creches e escolas em todo o Brasil financiadas pelo FNDE. Usando o aplicativo, qualquer cidadão pode nos enviar fotos de uma obra, e, em parceria com engenheiros, determinamos se há indício de atraso. Nestes casos, encaminhamos um e-mail à prefeitura, cobrando explicações e um compromisso com data de entrega.

O aplicativo foi pensado para gerar o mínimo custo para a Transparência Brasil, permitindo escalar o controle social para milhares de obras.

Para avaliar o impacto do app, contratamos um consultor independente, que desenhou um experimento de modo similar às pesquisas de novos medicamentos na indústria farmacêutica. Alguns municípios foram aleatoriamente escolhidos para não aparecerem no app. Desse modo, pudemos analisar o efeito do aplicativo nas obras monitoradas, em comparação com as não presentes no app.

Avaliação de Impacto

A avaliação de impacto considerou três intervenções:

i) monitoramento pelos cidadãos (bottom-up) via app entre agosto de 2017 e fevereiro de 2018;
ii) monitoramento pelos cidadãos (bottom-up) via app entre agosto de 2018 e fevereiro de 2019; e
iii) monitoramento pela Transparência Brasil (independente do app, portanto top-down) em dezembro de 2018.

Os resultados da avaliação de impacto mostraram que obras monitoradas pelos cidadãos têm 7% mais chance de ser concluídas, quando comparadas a obras fora do app. Já o monitoramento pela Transparência Brasil não teve impacto algum.

Um aumento de 7% não é muito expressivo, mas isso provavelmente se deve ao fato de que poucas pessoas usaram o app e, na prática, poucas pessoas monitoraram alguma obra. Como consequência, o efeito médio do monitoramento é puxado para baixo.

A dificuldade da Transparência Brasil, portanto, foi em engajar as pessoas. Como o tema de corrupção era o principal problema para os brasileiros, segundo as pesquisas de opinião, acreditávamos que o app iria viralizar e receberíamos muitas fotos. O resultado, porém, ficou aquém de nossas expectativas.

Apesar de o app ter sido baixado 10.733 vezes, apenas 347 alertas foram enviados até 30 de julho de 2019. Ainda assim, o app teve impacto, conforme mostrado acima, e acreditamos, portanto, que se tivéssemos maior utilização do app, o impacto seria maior.

Outra alternativa, mais simples, é o monitoramento das prefeituras diretamente pela Transparência Brasil, sem participação do cidadão. Essa terceira intervenção, porém, não surtiu resultado. Vamos revisar os dados novamente mais para frente, pois o efeito pode demorar a aparecer. No entanto, os resultados disponíveis sugerem que a fiscalização da sociedade civil local é mais efetiva que aquela realizada por uma organização distante dos municípios.

Mobilização

Esses resultados mostram o potencial de transformação das políticas públicas quando a sociedade se engaja em monitorá-las. Mesmo com baixo engajamento, já conseguimos ter mais obras concluídas. Com mais mobilização, o impacto tende a ser muito maior.

O desafio se encontra em conseguir mobilizar o cidadão. Disponibilizar ferramentas, como o app Tá de Pé, é um dos mecanismos que encontramos para atingir este resultado. Como vimos, porém, não é suficiente. Nossa hipótese de como fazer isso passa por três fatores: comunicar melhor a existência da ferramenta de controle social, fazer parcerias com organizações locais para que elas mobilizem a comunidade e reduzir o custo de monitoramento para quem se dispõe a utilizar a ferramenta.


Manoel Galdino
Diretor-executivo da Transparência Brasil