Em 23 de março, o governo federal publicou a Medida Provisória nº 928, alterando a Lei de Acesso a Informação (LAI). Em nota conjunta com mais de 80 entidades da sociedade civil, repudiamos o teor da MP, por entendermos que representa um desnecessário retrocesso na transparência.
Como parte do processo de entender de que maneira outros países estão se organizando a esse respeito, consultei os membros da sociedade civil que compõem a Open Government Partnership e a FOIAnet, maior rede virtual de ativistas e especialistas em acesso a informação. Relato abaixo o resultado das consultas sobre o estado do direito a informação em diversos países, diante da pandemia da Covid-19.
Transparência ao redor do mundo
Canadá: nenhuma mudança oficial em política de acesso a informação, mas pedidos que requerem presença física para acesso a documentos estão naturalmente com períodos maiores para serem respondidos. Contudo, há relatos de pedidos que foram colocados em modo de espera sem prazo de resposta definido, além de expectativa de shutdown do sistema de pedidos.
Paquistão: nenhuma mudança legislativa até agora.
El Salvador: congresso aprovou lei suspendendo a maioria dos processos judiciais e administrativos. Isso pode impactar os pedidos e recursos na agência de acesso a informação de El Salvador (equivalente à CGU), mas não está claro.
Romênia: o decreto presidencial que instituiu estado de emergência em 16 de março (aprovado pelo congresso em 19 de março) dobrou os prazos legais para respostas de pedidos de acesso a informação. Há relatos de que, na prática, pedidos de acesso a informação não estão funcionando.
Sérvia: o decreto de estado de emergência aprovado lista o direito de acesso a informação como algo que pode vir a ser restringido, mas não o foi por enquanto. O órgão de apelação pediu paciência do público, pois as respostas aos pedidos devem demorar mais que o usual. Um pedido de acesso a informação da ONG Transparência Sérvia sobre o motivo para dados de ventiladores e respiradores terem sido considerados segredo de estado não foi respondido até agora.
México: Houve um decreto presidencial, elaborado pelo Instituto Nacional de Acesso a Informação (INAI) suspendendo prazos de respostas de pedidos de acesso a informação, de 23 de março a 17 de abril. Esse período pode ser prorrogado.
Austrália: discussão de suspensão de prazos está na agenda. O Office of the Australian Information Commissioner publicou diretrizes para extensão de prazos de resposta, a serem avaliados caso a caso, para cada órgão.
Nova Zelândia. Ministro da Justiça afirmou no Twitter que o direito de acesso a informação seria importante para prestação de contas e responsabilização do governo.
Reino Unido: a ICO, agência que cuida do acesso a informação, reconheceu que haverá atraso nas respostas a pedidos de acesso a informação, e que será mais leniente em fazer cumprir os prazos legais.
Hong Kong: a Ouvidoria, que cuida de recursos de pedidos de acesso a informação, afirmou que a agência fornecerá serviços básicos e limitados.
Índia: a agência de acesso a informação afirmou que recursos seriam decididos apenas com base em peças escritas, com audiências sendo reduzidas, limitando sustentações presenciais, prática mais comum por lá.
Itália: o governo disse que pedidos de acesso a informação que não são urgentes não serão respondidos entre 8 e 31 de março.
Estados Unidos: há bastante variação por órgãos. O FBI, por exemplo, impôs algumas restrições sobre como os pedidos de acesso a informação podem ser feitos – por exemplo, não estão mais aceitando receber pedidos por e-mail.
Avaliação
Há uma tendência global a sacrificar o acesso a informação durante a pandemia de Covid-19. É compreensível, na medida em que países adotam teletrabalho e nem sempre é fácil atender pedidos de acesso a informação com a mesma agilidade. Não apenas por questões operacionais, mas porque a produtividade é menor em casa, com as restrições impostas por quarentenas, escolas fechadas e afins.
A grande questão é como garantir que a transparência seja preservada sobre aquilo que é importante, na medida em que informações sobre a pandemia e as ações dos governos são direitos fundamentais dos cidadãos.
Acredito que orientações administrativas dos órgãos de controle de maior leniência com prazos dos pedidos é a melhor prática, sem necessidade de se alterar a legislação como foi tentado no Brasil. O decreto regulamentador da LAI já permite esse tipo de leniência, e a própria CGU já a prática em outros casos, quando, por exemplo, faz diligências e os órgãos pedem ampliação dos prazos para responder a pedidos.
Além disso, informações relacionadas à Covid-19 devem ser priorizadas na transparência ativa. Assim, é preciso avançar em estabelecer boas práticas de informações básicas que devem ser disponibilizadas em formato aberto. Fernanda Campagnucci, diretora-executiva da Open Knowledge Brasil, fez uma boa lista dos problemas enfrentados pelo governo brasileiro na transparência sobre a Covid-19. Esse pode ser o ponto de partida sobre onde devemos melhorar. O ministro da CGU, pelo twitter, se comprometeu a trabalhar para abrir os dados públicos. Vamos monitorar.
Manoel Galdino
Diretor-executivo da Transparência Brasil