[Coluna 10] Obras inacabadas no Brasil: um problema estrutural

Nesta quarta-feira, 28 de agosto de 2019, estive presente em audiência pública na Comissão Externa de Obras Públicas Inacabadas da Câmara dos Deputados para debater os resultados do acórdão nº 1079/2019 do TCU. Foram discutidas causas e soluções para o problema das obras paralisadas no Brasil. Na coluna de hoje abordo essas causas, e na próxima apresentarei as propostas da Transparência Brasil para resolver o problema.

O acórdão do TCU traz dados alarmantes e recomendações fundamentais para enfrentar a situação das obras públicas paralisadas e inacabadas no país. O Tribunal analisou mais de 38 mil obras com recursos federais, e observou que pelo menos 37% se encontravam paralisadas ou abandonadas, com investimento total previsto de R$ 144 bilhões.

O acórdão concentrou-se em focar nas principais causas para os problemas nas obras do PAC, devido à ausência de dados mais sistemáticos para as demais obras. As causas apontadas incluem projeto básico deficiente, insuficiência de recursos de contrapartida e dificuldades dos entes subnacionais em gerir os recursos recebidos. Não surpreendentemente, são falhas parecidas com as que encontramos no programa Proinfância, programa de financiamento de infraestrutura escolar.

Quais as causas raízes para este problema?

São incentivos institucionais errados combinados com desenvolvimento econômico e social desigual, que geram um equilíbrio perverso em que é racional do ponto de vista individual adotar um comportamento que gera esses problemas todos nas obras.

No mundo ideal, para realização de convênio com o governo federal, uma prefeitura faria estudo de viabilidade técnica e econômica, de demanda, projeto básico, pedido de convênio, previsão orçamentária da contrapartida e receberia os recursos no prazo adequado. Na prática, raramente isso ocorre. O Instituto Brasileiro de Auditoria de Obras Públicas (IBRAOP), por exemplo, lista catorze elementos de um projeto básico de edificações (projeto arquitetônico, levantamento topográfico, projetos de instalações hidráulicas, elétricas etc.).

De acordo com relatos de representantes das prefeituras que ouvimos no projeto Obra Transparente, havia quem achasse que o projeto arquitetônico padrão ofertado pelo FNDE para construção de creches era o projeto básico. E o projeto arquitetônico é apenas um dos catorze itens recomendados pelo IBRAOP.

Outra dificuldade é a contratação em número suficiente de engenheiros ou arquitetos para a fiscalização da execução de contratos pelas prefeituras. Ouvi em uma prefeitura que o fiscal tinha tantas obras para fiscalizar que ele só visitava obras quando a empresa relatava um problema.

Do lado do governo federal, falta planejamento e controle, e isso fica evidente quando avaliamos a disponibilidade de recursos. Para concluir as obras paralisadas com o orçamento original (estimativa conservadora, portanto), seriam necessários mais de R$ 130 bilhões, montante muito acima da capacidade de investimento do estado. Assim, os repasses atrasam e, como não há controle, o governo federal não é punido.

Ainda na esfera federal, há o problema de uso de critérios políticos para aprovar os convênios – como em emendas parlamentares. Se o critério para distribuir recursos não é técnico, prefeitos não têm incentivos para desenhar projetos melhores. É melhor anunciar as obras e os recursos autorizados, e deixar o pepino para o próximo prefeito. A ausência de planejamento plurianual sério no nível federal se espalha para os municípios.

A sociedade civil, que poderia exercer controle social sobre estas obras, esbarra na falta de transparência. Os boletins de medição, que atestam o andamento da obra e servem para determinar o pagamento, não são informação transparente e nem estão em formato aberto. Como consequência, é muito difícil fiscalizar se os pagamentos correspondem ao andamento da obra, componente básico de controle.

Os Conselhos Regionais (como CREAs) poderiam ter um papel bem mais efetivo aqui, responsabilizando os fiscais das obras, bem como o responsável técnico da parte da empresa. Mas pouco fazem, deixando tudo na mão do estado.

O pacto federativo brasileiro, juntamente com a desigualdade regional, também contribui para o problema. De um lado, a União concentra recursos financeiros e humanos, e deixa os municípios sem capacidade de se estruturarem, dependendo de transferências. De outro lado, a desigualdade econômica também gera municípios com baixa capacidade institucional, dependentes quase que exclusivamente de transferências. E com baixa capacidade de monitoramento da sociedade civil.

De fato, 40% dos 5.570 municípios não possuem nem rádio. De acordo com o Atlas da Notícia, 52% dos municípios vivem em desertos de notícia, sem veículos de jornalismo, e 80% dos municípios têm nenhum, um ou dois veículos apenas.

São localidades que geralmente possuem índices sociais ruins e que precisam de investimento público e, justamente por isso, possuem baixa capacidade de execução, gestão e controle (seja interno ou pela sociedade).

Equilíbrio perverso

O resultado desse conjunto de incentivos e estrutura sócio-econômica é um equilíbrio em que obras públicas vão ter problemas sérios frequentemente. Na audiência pública, os representantes da CGU e TCU lembraram que já houve comissão de obras inacabadas no Congresso em 1995, bem como diversas auditorias do TCU sobre o assunto ao longo dos anos.

Como os incentivos estruturais do sistema continuam basicamente os mesmos – falta de planejamento pelo ente subnacional, falta de planejamento do governo federal e falta de controle –, o equilíbrio resultante é o mesmo: um grande volume de obras inacabadas. Enquanto não enfrentarmos as causas raízes da questão, medidas paliativas poderão aliviar os sintomas, mas não erradicar o problema.


Manoel Galdino
Diretor-executivo da Transparência Brasil