Um dos principais avanços institucionais que o Brasil precisa adotar nos próximos anos é a implementação de um sistema de avaliação de políticas públicas. Aqui, uso o exemplo do que temos feito na Transparência Brasil com o monitoramento da Educação, bem como das principais iniciativas que já estão em andamento, tanto no Executivo quanto no Legislativo federal.
Bilhões desperdiçados e a falta de avaliação de políticas
Nos últimos três anos, a Transparência Brasil tem acompanhado o programa Proinfância (por meio dos projetos Tá de Pé e Obra Transparente), do governo federal, que visa a auxiliar estados e municípios na construção de creches e escolas. O resultado de mais de dez anos de trabalho e mais de R$ 10 bilhões gastos é que menos de 20% das quase 9 mil obras de creches e pré-escola previstas estão em funcionamento.
O Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) tem aperfeiçoado este programa ao longo do tempo e resolvido alguns dos seus problemas mais graves (como o problema da dominialidade do terreno da obra [1]). No entanto, não se sabe da existência de uma avaliação sobre quantos recursos precisam ser investidos para corrigir os problemas restantes do programa e torná-lo efetivo para conseguir cumprir a meta 1 do Plano Nacional de Educação (PNE) [2]. Não há, tampouco, avaliação sistemática sobre como a falha em cumprir a meta 1 do PNE tem impacto na vida das crianças, no aprendizado em anos subsequentes do ensino básico e nem das famílias, particularmente das mães – como por exemplo acesso ao mercado de trabalho e empregabilidade.
Em suma, não temos a mínima ideia de quanto teremos de retorno para cada real adicional investido, seja no nível de eficácia atual (em que 20% das obras planejadas entram em funcionamento) seja em níveis maiores de eficácia ou mesmo no ideal (100%).
Para tentar enfrentar esse problema e reforçar as políticas do governo, conseguimos incluir como compromisso para os próximos dois anos do Conselho de Transparência Pública e Combate à Corrupção (CTPCC) da CGU [3] a prevenção à corrupção baseada em evidências. Isso significa na prática que iremos trabalhar para que a CGU desenhe e implemente medidas efetivas nessa direção nos próximos dois anos [4].
Por que isso é importante?
A criação de uma política de avaliação sistemática de políticas públicas é fundamental para que o Brasil consiga avançar para um estado mais eficiente e íntegro. Se parece evidente que sem avaliação das políticas públicas fica difícil aperfeiçoá-las e corrigi-las para que possam atingir seus objetivos, merece ser destacada a importância desse instrumento para a accountability, o controle social e o combate à corrupção.
O que governo e Congresso têm feito
Uma portaria ministerial de 2016 no Executivo federal criou o Comitê de Monitoramento e Avaliação de Políticas Públicas Federais (CMAP) [5] . Publicação do IPEA de 2018 resumiu as discussões e estudos realizados no âmbito do Comitê, que se concentraram em algumas políticas públicas específicas (como Bolsa-Família, Benefício de Prestação Continuada, Lei Rouanet, FIES etc.).
Destaco aqui a análise que eles fizeram de como podemos replicar os casos de sucesso em alguns entes federativos na Educação. No estudo, aprendi, por exemplo, que um dos motivos de sucesso no Ceará foi justamente a introdução de um processo de coleta de dados e avaliação do ensino básico desde 1992. Além disso, o estado tem fortalecido esse processo de coleta de dados e avaliação ao longo do tempo, o que não se vê na maioria dos estados brasileiros.
Em 2017, o Decreto presidencial 9.203/2017 estabeleceu como uma das diretrizes de governança pública “avaliar as propostas de criação, expansão ou aperfeiçoamento de políticas públicas e de concessão de incentivos fiscais e aferir, sempre que possível, seus custos e benefícios”. Como resultado, em 2018 o Executivo federal publicou dois longos estudos (aqui e aqui) que desenvolvem um referencial metodológico para realização de avaliação e monitoramento de políticas públicas. Esse referencial é bem completo. Sua leitura mostra como implementar avaliação de políticas públicas levará ainda bastante tempo, devido a sua complexidade.
No Congresso Nacional, encontram-se em tramitação um par de propostas legislativas que visam normatizar a avaliação de políticas públicas. O Senado aprovou recentemente em primeiro turno a PEC 26/2019, que cria sistema integrado de avaliação de políticas públicas nos três poderes. Na prática, atribui essa responsabilidade ao Tribunal de Contas da União e aos órgãos de controle interno dos três poderes. E tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei Complementar 378/2017 (recentemente aprovado na CCJ), que institui a necessidade de se estabelecer metas de desempenho e avaliação de resultados para concessão de benefícios tributários pelo Legislativo.
Como você pode ajudar
As iniciativas do Legislativo e do Executivo, embora muito importantes, demorarão a ter efeitos. Assim, faz parte do nosso planejamento captar recursos para conseguir financiamento que viabilize já o levantamento dos dados necessários para avaliar o impacto de programas do governo federal, que incluem as políticas de infraestrutura, merenda e transporte escolares. Se você quer contribuir financeiramente ou de outra forma, entre em contato, para viabilizarmos avaliações de impacto e melhorar a eficiência das políticas de Educação no país.
Manoel Galdino
Diretor-executivo da Transparência Brasil
[1] No Programa Proinfância, o governo federal se compromete a financiar todos os custos das obras de creches e escolas. As únicas contrapartidas do município são ter o terreno e garantir a infraestrutura necessária para funcionamento da creche ou escola (como água, esgoto, energia etc.). Até 2015, o FNDE fazia repasse para municípios construírem creches e escolas sem exigir que eles comprovassem que possuíam o terreno. Isso gerou uma série de problemas, pois as obras demoravam a começar ou eram embargadas por disputas judiciais sobre o domínio do terreno entre outros problemas. Desde então, para que o repasse ocorra, o município precisa comprovar antecipadamente ter o domínio do terreno.
[2] O Plano Nacional de Educação (PNE) definiu diretrizes e metas para toda a educação brasileira no período de 2014 a 2024. A primeira meta do plano tem dois objetivos: ter 50% das crianças de 0 a 3 anos em creches até 2024 e universalizar o acesso à pré-escola para crianças de 4 a 5 anos. A meta 1 do PNE pode ser acompanhada no Observatório do PNE.
[3] O Conselho de Transparência Pública e Combate à Corrupção (CTPCC) é parte constitutiva da Controladoria Geral da União desde sua criação em 2003. É formado por representantes da sociedade civil e governo, em estrutura paritária. Foi como membro do Conselho que a Transparência Brasil, por exemplo, ajudou a rascunhar o que seria a Lei de Acesso à Informação. A Transparência Brasil é um dos membros do atual Conselho e foi eleita no ano passado para um mandato de três anos.
[4] O CTPCC aprovou cinco compromissos no total, dos quais dois foram sugeridos pelo governo e três pela sociedade civil:
i) política de proteção ao denunciante e prestador de informações sobre crimes de corrupção;
ii) estímulo e fortalecimento do Controle Social;
iii) fortalecimento da transparência e da integridade pública em municípios;
iv) prevenção da Corrupção Baseada em Evidências;
v) impactos e desafios sobre a obrigatoriedade de programas de integridade em contratações públicas.
[5] O Decreto 9.834/2019, conhecido como “revogaço”, extinguiu comitês criados por portarias interministeriais. Assim, foi necessário publicar um decreto (e não mais portaria) recriando o conselho. O novo decreto é bem similar à portaria e foi mais uma questão de forma. O decreto de 2019 também revogou o decreto 9.588/2018, que havia instituído o Comitê de Monitoramento e Avaliação de Subsídios da União (CMAS). As atribuições do CMAS foram incorporadas ao CMAP.